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Nova edição da obra de Trotsky “Em defesa do marxismo”

Na próxima semana a Editora Imprensa Operária entregará uma nova edição do livro de Leon Trotsky Em defesa do marxismo. A nova edição contém 260 páginas e custa 16,90 Euros. O livro pode ser encomendado via Internet ou nas livrarias e, no dia 16 de setembro, estará à venda também na sede eleitoral do Partido pela Igualdade Social em Berlin. Nós apresentamos aqui o Prefácio da nova edição.

Prefácio

Há explicações políticas e teóricas que mesmo depois de décadas são ainda hoje bastante atuais. O mais conhecido é sem dúvida o debate em torno de Bernstein que, no final do século XIX, sacudiu a social-democracia alemã e internacional e, finalmente, conduziria à cisão entre os social-democratas e o movimento comunista. Bastante significativa também, ainda que menos conhecida, é a discussão apresentada no presente documento. Ela realizou-se em 1939, dentro do Socialist Workers Party, no movimento trotsquista americano. Leon Trotsky, que naquela época vivia em exílio no México e pouco tempo depois seria assassinado por um agente stalinista, participou ativamente nesta discussão. Em defesa do marxismo contém os artigos e cartas da contribuição de Trotsky para aquele debate.

Sobretudo, esta explicação permite compreender a questão sobre o caráter da União Soviética, que até hoje é bastante atual. Apesar dos crimes da direção stalinista, a União Soviética foi um Estado operário? Houve algo para se defender ali? Ou tratava-se de uma outra forma de “domínio totalitário”, semelhante ao nacional-socialismo?

Com a dissolução da União Soviética em 1991 estas perguntas pareciam terem sido resolvidas. Os ideólogos burgueses e pós-stalinistas sepultaram, juntamente com a União Soviética, também o marxismo e o socialismo. O projeto socialista como um todo se mostrava uma enorme ilusão. A Revolução de Outubro teria sido um erro gigantesco ou um crime colossal, resultando necessariamente em todos os crimes posteriores do regime stalinista. O desenvolvimento da humanidade teria conseguido sua coroação com o capitalismo; uma forma superior de sociedade não seria possível; a história teria chegado ao fim.

Quinze anos depois as coisas apresentam-se diferentes. A introdução das relações capitalistas na União Soviética e no Leste europeu teve como resultado uma catástrofe social que, em tempos de paz, jamais foi vista. Nunca antes a estrutura social—construção, saúde, previdência social, cultura—havia sido destruída de forma tão radical em tão curto espaço de tempo como na sucessão estatal da União Soviética durante os últimos quinze anos. A expectativa de vida masculina na Rússia baixou de 65 para míseros 59 anos. A quantidade de mortes supera a de nascimentos. Se persistir o desenvolvimento atual, em cinqüenta anos o país terá perdido um terço de sua população. Uma minoria se apropriou das riquezas do país e está fabulosamente rica, enquanto que a maioria absoluta vegeta sem trabalho e sem meios de subsistência. Liberdade e democracia mostram-se como palavras ocas e vazias. Elas não são compatíveis com as flagrantes diferenças sociais. O governo de Vladimir Putin iguala-se progressivamente ao velho regime stalinista e dispõe de todos os vícios (arbitrariedade, censura, predomínio policial) e não sobre suas virtudes (medidas corretas de segurança e igualdade sociais).

Os resultados negativos do colapso da União Soviética não se restringem ao Leste europeu. Foram percebidos também no Ocidente. O fim da Guerra Fria não introduziu uma era de paz mundial e desarmamento generalizado, mas uma nova era de guerras “quentes” e não frias. Os Estados Unidos da América procuram compensar sua importância econômica em baixa através de sua superioridade militar. Com isto, não se importam com as regras e normas do direito internacional que eles mesmos antes defendiam. Entretanto, muitos geo-estrategistas acreditam ser inevitável um conflito entre a potência econômica em ascensão da China e a grande potência em declínio dos EUA—assim como há um século atrás o conflito entre a Alemanha ascendente e a Grã-Bretanha e França declinantes não deixou uma solução amigável.

Dentro dos países capitalistas caíram, juntamente com o suposto naufrágio do socialismo, todos os impedimentos à emergência social. O que foi dito durante a Guerra Fria—que a economia de mercado poderia conceder a grande parte da população um altíssimo nível de vida igual a uma economia estatal dirigida de forma planificada—vale hoje para a exploração de todos os modelos sociais como pressuposto para o funcionamento da economia capitalista.

Também na Europa e na América a polarização social alcançou uma extensão nunca antes vista. Enquanto baixa o nível de vida médio da população, surge um amplo exército de desempregados e subempregados e mesmo a classe média academicamente instruída desce de forma cada vez mais profunda à classe proletária. No outro pólo da sociedade, cresce uma camada pequena, mas extremamente influente de milionários e bilionários. Também aqui o abismo social não é compatível com liberdade e democracia. Por isso, sob o pretexto de passar-se por uma “luta contra o terrorismo”, se promove a destruição dos direitos democráticos de forma aberta e gritante.

Como se pode explicar o atraso social que foi estabelecido a nível mundial após a queda da União Soviética? Quem considerou a União Soviética meramente como um acidente de percurso da história, como caminho histórico errado, não pode responder a estas perguntas. Um fenômeno histórico complexo e contraditório como a União Soviética não pode definir-se por categorias unidimensionais como “totalitarismo”. Sem esclarecer as questões da União Soviética—sem compreender como ela surgiu, o que ela representou, porque ela se degenerou e entrou em colapso, além de compreender o que ela defendeu e o que ela condenou—não é possível imaginar uma saída progressiva para o beco-sem-saída da sociedade atual. Sem uma compreensão da União Soviética não se pode compreender nem o passado nem o futuro. A questão da União Soviética continua também no século XXI como uma questão-chave.

Nisto—e na defesa do método marxista, o qual Trotsky pôs em relação—está posto o significado do presente livro. Juntamente com outros escritos de Trotsky, sobretudo em A Revolução traída, este livro constitui a chave para a compreensão do caráter contraditório da União Soviética. Devem-se analisar os escritos de Trotsky como os escritos de um historiador sério, que quer descobrir a lógica interna do processo histórico, em vez de considerar a história apenas como um monte de entulhos, peças destituídas de relação que se moldam sobre a base dos preconceitos.

Trotsky apresentou com clareza sem igual as lutas sociais, políticas e ideológicas que determinaram o destino da União Soviética. Seu papel como participante ativo não prejudicou sua objetividade. Objetividade não é neutralidade. Ou pode-se ser neutro perante as grandes lutas do destino da humanidade? Alguém esperaria de um cronista do Terceiro Reich que o mesmo permanecesse em estrita neutralidade entre os nacional-socialistas e seus opositores democratas e socialistas? Um tal trabalho não seria objetivo, mas suspeito.

A atividade da Oposição de Esquerda, dirigida por Trotsky, contra o stalinismo fornece a prova viva de que a degeneração da União Soviética não foi o resultado inevitável da Revolução de Outubro, mas o resultado da contra-revolução iniciada pelo tribunal do Termidor (como Trotsky chamou-o, parodiando a Revolução Francesa) contra a Revolução de Outubro. O regime stalinista precisou de mais ou menos quinze anos para se consolidar. Começou com intrigas políticas e falsificações históricas, partiu para a perseguição e supressão de seus opositores marxistas e finalmente liquidou, nos processos de Moscou, aqueles que deram seu sangue pela Revolução. Só nos anos de 1937 e 1938 foram fuzilados quase 700 mil homens sob ordem estatal. A maioria dos alvos havia permanecido fiel à Revolução de Outubro—foi um assassinato político em massa sem igual na história. Stalin se apoiou sobre uma camada social que era profundamente conservadora e avessa aos ideais da Revolução—igualdade social e internacionalismo: a burocracia no Estado e no Partido.

A luta de frações no Socialist Workers Party

A luta de frações, que forma o objeto deste livro, começou um ano depois desta grande limpeza. O impulso para isso foi o pacto Hitler-Stalin, o pacto de não agressão entre a União Soviética e os nazistas alemães, que preparou o caminho para a entrada na Polônia e à segunda guerra mundial.

Trotsky, já em 1933, chegou à conclusão de que o Partido Comunista da União Soviética, e a Internacional Comunista, que era dominada pela burocracia, não mais poderiam ser reconduzidas ao caminho da política revolucionária, socialista. O motivo era a derrota da classe operária na Alemanha, à qual Stalin e o Komintern, em grande medida, foram co-responsáveis. Moscou impunha ao Partido Comunista da Alemanha uma política de ultraesquerda e que nos últimos tempos era já impotente, a qual paralisou e levou à cisão dos operários alemães e proporcionou assim a ascensão de Hitler. Como, apesar da catástrofe alemã, nenhuma seção do Komintern levantou as conseqüências políticas, Trotsky exortou a construção de uma nova Internacional Comunista: a Quarta Internacional. Ela foi fundada em Paris em 1938.

A Quarta Internacional interveio na União Soviética para a derrubada da burocracia dominante através de uma revolução política, mas ao mesmo tempo defendeu as relações de propriedade produzidas pela Revolução de Outubro. Ela preocupou-se com o destino histórico da União Soviética não por opção. Tratava-se de uma sociedade transitória, que poderia tanto se desenvolver em direção ao socialismo como também retroceder para o capitalismo. Entre as relações de propriedade e o regime existente havia uma contradição fundamental. “Assim, o regime da URSS contém um contradição ameaçadora”, escreveu Trotsky no programa de fundação da Quarta Internacional. “Mas é ainda o regime de um estado operário degenerado. Este é o diagnóstico social. O prognóstico político coloca como alternativa: ou expulsar a burocracia—que sempre foi muito mais um instrumento da burguesia mundial, que repele novas formas de propriedade e empurra o país para o capitalismo -, ou a classe operária destrói a burocracia e abre o caminho para o socialismo” (Léon Trotsky. O Programa de Transição. Essen, 1997, p.120).

Partindo deste caráter contraditório da União Soviética, a Quarta Internacional intercedeu em sua defesa na guerra. Trotsky indicou duas coisas fundamentais para isto: “Primeiro, a derrota da URSS colocaria à disposição do imperialismo novos recursos poderosos e poderia prolongar a agonia da sociedade capitalista por muitos anos. Segundo, o fundamento social da URSS, se livrando da burocracia parasitária, era garantir, naquela situação, o progresso econômico e cultural de forma ilimitada, enquanto que o fundamento capitalista não tinha outra alternativa senão mostrar-se como derrota ulterior”. A defesa da União Soviética por parte da Quarta Internacional não significou apoio ao regime stalinista, mas estava inseparavelmente unida à luta contra este regime.

Antes de Stalin ter-se unido a Hitler a União Soviética gozava de enorme simpatia entre os intelectuais de esquerda e liberais nos Estados Unidos e na Europa. Isto durou tanto tempo que muitos apoiaram os processos de Moscou ou pelo menos se calaram, fazendo pouco caso disso. Na Alemanha, Bertolt Brecht e Lion Feuchtwanger foram típicos representantes deste gênero.

Em 1935, o Komintern (a III Internacional) abandonou a política de ultra-esquerda, que havia sido responsável pela catástrofe alemã e mudou para a política de frente popular. Até então a Internacional havia recusado andar junto com a social-democracia, o que agora ambicionava em nome do pacto de frente popular com a social-democracia e os partidos puramente burgueses. Desta maneira se rebaixou às classes dominantes da Grã-Bretanha, França e EUA para vencer, numa frente comum, a Alemanha nacional-socialista.

A política de frente popular logo deveria ter resultados devastadores, parecidos com aqueles da política ultra-esquerdista anterior. Na Espanha e na França, onde os governos de frente popular haviam dado bons resultados, os stalinistas perseguiram e reprimiram os operários revolucionários para não comprometer sua aliança burguesa. Como resultado, na Espanha venceu o fascismo de Franco e na França a direita assumiu o poder. Nos EUA, o Partido Comunista apoiou o presidente Franklin D. Roosevelt e com cuja política do “New Deal”—um programa de intervenção estatal na economia e medidas de fomento ao emprego—a burguesia americana se preveniu contra a radicalização da classe operária durante a grande depressão, após a quebra da bolsa em 1929.

O pacto de não-agressão entre Hitler e Stalin terminou com o flerte inesperado dos liberais com a União Soviética. Frustrada com a derrota avassaladora da classe operária na Alemanha e na guerra burguesa na Espanha, desenganada com o começo da guerra, a camada pequeno-burguesa mudou de perspectivas revolucionárias. Em 14 de dezembro de 1939 a União Soviética foi expulsa da Liga das Nações por causa da invasão da Finlândia. Este ambiente de revolta não passou sem deixar vestígios nos trotsquistas americanos.

A origem do Socialist Workers Party remonta ao ano de 1928, quando James P. Cannon, um membro dirigente do Partido Comunista e a mais antiga liderança do Industrial Workers of the World, contrabandeia e publica as críticas de Trotzky ao esboço de programa do Komintern para o Sexto Congresso. Nos anos seguintes, os trotsquistas americanos ganharam influência considerável entre os operários industriais, que haviam se radicalizado nos anos 30 e puderam atrair uma série de intelectuais estrangeiros, os quais não mais se conformavam com os crimes do stalinismo. Por fim, reagiram contra a pressão política que, após o pacto Hitler-Stalin, pesou sobre seu ambiente social. Eles encontraram dificuldades progressivas para realizar a defesa da União Soviética.

No outono de 1939 formou-se uma fração, sob a direção de Max Shachtman, um dos membros fundamentais do movimento trotsquista americano, e do professor de filosofia James Burnham. Este exigiu que a Quarta Internacional mudasse seu programa, como conseqüência dos resultados mais recentes: depois que Stalin havia se unido a Hitler, a União Soviética não seria mais um Estado operário e não precisaria mais ser defendida.

Trotsky opôs-se com veemência e apoiou James P. Cannon, juntamente com a maioria do Socialist Workers Party, sob sua presidência. Ele insistiu que a União Soviética seria ainda um Estado operário, ela estaria, no entanto, degenerada.

O conflito sobre o caráter da União Soviética desenvolveu-se como uma ampla luta de frações, girando em torno da perspectiva histórica do movimento operário revolucionário e em torno da defesa do marxismo. Foram colocadas perspectivas ideológicas opostas que ainda hoje marcam seus efeitos. Partindo de sua recusa em defender a União Soviética, Burnham e Shachtman desenvolveram-se como referências de tendências políticas de direita, que durante a Guerra Fria, e mesmo hoje em dia, representam um papel importante. Burnham se tornou um ideólogo da direita americana e Shachtman um burocrata sindical anticomunista.

Essa recusa de defender a URSS—por causa da defesa dos crimes e da burocracia stalinista — que soou inicialmente como uma posição extremamente radical, na realidade acabou em uma capitulação ante o imperialismo. A burocracia stalinista, não obstante, apoiou uma política reacionária nas relações socialistas de propriedade que haviam sido produzidas pela Revolução de Outubro. Devido aos crimes da burocracia, eles recusaram-se a defender a União Soviética e atribuíram-lhe estas características que, na verdade, ela não possuía: eles consideraram a burocracia como a nova classe exploradora, quando na realidade ela era somente uma úlcera parasitária no organismo do estado operário.

Dialética materialista

A definição correta da União Soviética seria resultado de uma aproximação dialética: não poderia levar em conta isoladamente o caráter reacionário da camarilha governante e nem as medidas isoladas tomadas na política exterior, tais como o pacto Hitler-Stalin, pacto este que, aliás, Trotsky já vinha prevenindo há muito tempo. No decorrer desta discussão política, Trotsky viu-se obrigado a aprofundar-se, de forma pormenorizada, na questão do método marxista.

“Se Burnham fosse um materialista dialético”, escreveu ele em um trecho, “investigaria as três questões seguintes:

1. Qual a origem histórica da URSS? 2. Por quais transformações passou este Estado em sua existência? 3. Estas transformações passaram de um estágio quantitativo para um estágio qualitativo? Isto significa que elas produziram a necessária dominação histórica de uma nova classe de exploradores?”

E continuava Trotsky: “Se respondesse a estas questões, Burnham seria obrigado a convencer-se de que a única conclusão possível seria aceitar que a URSS é sempre ainda um Estado operário degenerado”.

Burnham, professor de filosofia por profissão, desprezou a dialética. Shachtman a aceitou, mas, afirmou Trotsky, até agora nenhum dos dois ainda escreveu “...evidencia-se que a concordância ou não com as idéias abstratas anteriores do materialismo dialético afetam necessariamente as questões políticas concretas de hoje ou de amanhã...”.

Trotsky voltou-se firmemente contra isto que ele chamava de ecletismo teórico: “O que significa toda essa argumentação impressionista?”. Segundo Trotsky, alguns [desses ecléticos] argumentam: “Porque muitas pessoas atingem com um método ruim conclusões corretas e porque muitas pessoas com um método correto, freqüentemente, chegam a conclusões falsas, porque... o método não é tão importante”.

Para Shachtman, a importância dos partidos e programas políticos dependia de questões ‘concretas’, ao que responde Trotsky: “O partido do proletariado não é um partido igual a todos os outros... Sua tarefa é preparar uma revolução social e a transformação da humanidade a partir de novos fundamentos materiais e morais. Para não ceder à pressão da opinião pública burguesa ou à repressão policial, o proletário revolucionário precisa pôr-se sob a condução de uma direção que tenha uma visão de mundo clara, previdente, e plenamente reflexiva. Somente sob os fundamentos de uma concepção marxista homogênea é possível aproximar-se de questões ‘concretas’ corretamente”.

Trotsky sempre retorna a esta questão. Ele nunca escreveu nenhum manual sobre o materialismo dialético, mas todos os seus escritos legitimam-no como o mestre do método marxista. Em defesa do marxismo contém longas passagens—como nos artigos “Umaoposição pequeno burguesa no Socialist Workers Party” e “De um arranhão para o perigo de gangrena”—nas quais Trotsky esclarece questões fundamentais do método marxista numa linguagem clara e compreensível. Estas passagens fazem parte do que há de melhor escrito sobre o tema e por si só valem a leitura do livro.

O caminho para a direita

A via política desenvolvida por Shachtman e Burnham confirma a advertência de Trotsky de que aqueles que desertam para o campo da reação burguesa freqüentemente começam com a recusa da dialética. Sobretudo James Burnham mostra isso, cujo caminho de ruptura com o SWP levou-o ao extremo de colaborar na política externa americana, devendo desempenhar um papel importante como ideólogo anticomunista.

O professor de Filosofia na Universidade de Nova Iorque abandonou, em 1940, o Socialist Workers Party e fundou, juntamente com Max Shachtman o Workers Party, mas afastou-se logo em seguida e transformou-se em um fervoroso anticomunista. Em 1941 ele publicou seu livro mais importante: O regime dos gerentes. Em 1950, passou a fazer parte como membro dirigente do “Congresso pela Liberdade Cultural”, uma organização comandada pela CIA, que mobilizou os intelectuais para a Guerra Fria. Ele recomendou uma guerra atômica contra a União Soviética e colaborou dirigindo a revista de extrema direita The National Review. Ali ele começou, entre outras coisas, a fazer campanha para recusar o direito de voto aos trabalhadores negros e para lançar uma bomba atômica sobre o Vietnam. Nos anos oitenta, o presidente Ronald Reagan conferiu a Burnham a medalha da liberdade.

O livro O regime dos gerentes, de Burnham, repete essencialmente as idéias de Bruno Rizzi, que em seu livro A burocratização do mundo, surgido em 1939, defendeu a tese de que um “coletivismo burocrático” substituiu o capitalismo, e que a burocracia seria uma nova classe dirigente. Desta forma, ele colocou a economia planificada soviética, o fascismo italiano, o nacional-socialismo alemão e o “New Deal” de Roosevelt todos numa mesma caracterização.

Trotsky escreveu no seu artigo “A URSS em guerra” a respeito desta equiparação entre fascismo e stalinismo: “Todos estes regimes mostram sem dúvida traços comuns que, afinal de contas, serão determinadas pelas tendências coletivistas da economia moderna... Características como a centralização e a coletivização determinam tanto a política da revolução como também da contra-revolução. Mas, em caso algum isto significa que se possa igualar revolução, thermidor, fascismo e ‘reformismo’ americano... Mussolini e Hitler pura e simplesmente ‘coordenaram’ os interesses de propriedade e ‘regularam’ a economia capitalista e, de mais a mais, numa linha que tinha como finalidade principal a guerra. Pelo contrário, a oligarquia do Kremlin é bastante diferente: por isso, só é possível para ela governar a economia em sua totalidade, porque a classe trabalhadora da Rússia realizou a grande subversão das relações de produção na história. Esta diferença não pode ser perdida de vista”.

O livro de Burnham teve grande efeito dentro dos Estados Unidos. A equiparação contida ali entre o fascismo e o stalinismo é até hoje uma ferramenta da política burguesa. Ela se encontra também na teoria do totalitarismo de Hannah Arendt que, na Alemanha, exerceu influência duradoura.

Assim como Burnham, Arendt apóia-se nas semelhanças exteriores de ambos regimes, sem levar em consideração as diferenças de origem histórica, os fundamentos econômicos e as estruturas sociais. Para ela, a essência da dominação total manifesta-se como terror, sua instituição central é o campo de concentração. Arendt, que estudou com Martin Heidegger e Karl Jaspers, rejeita expressamente uma análise de classe dos dois regimes, do mesmo modo que a possibilidade de uma compreensão de leis históricas. Escreve ela: “Neste sentido, a crença da causalidade na Ciência da História é uma superstição, que também não é superada se opusermos à ‘compreensão’ histórica a ‘explicação’ das Ciências Naturais com uma relação de causa e efeito. Em ambos os casos, novamente afastamo-nos propriamente do desenvolvimento... da própria história” (Hannah Arendt, Elemente und Ursprünge totaler Herrschaft. München 1986, p.705).

Na França, O regime dos gerentes de Burnham apareceu após a guerra, com um prefácio de Léon Blum, o chefe do governo de frente popular de 1936, e teve grande êxito. “Sua obra, nos anos sessenta, na Science Po (elite política universitária), foi leitura obrigatória e exerceu influência decisiva na elite francesa”, escreveu periódico. Em 1949, foi criado um grupo chamado “Socialismo ou Barbárie”, sob a direção de Cornélius Castoriadis, saído do movimento trotsquista francês, que propagou os escritos de Hannah Arendt e James Burnham. Antes, pertencia a este grupo também Jean-François Lyotard, um dos representantes mais importantes do pós-modernismo.

A evolução à direita de Max Shachtman decorreu de forma menos rápida que aquela de Burnham, mas também avançou para a direita. Ainda por quase uma década ele se manteve em posições de defesa do socialismo. Porém, quando se iniciou a guerra da Coréia em 1950, Shachtman e seu séqüito apoiaram a intervenção militar dos EUA. Por fim, Shachtman se tornou conselheiro da burocracia anticomunista da associação dos sindicatos americanos AFL—CIO e do Ministério do Exterior dos EUA. Manteve proximidade com o senador democrata Henry Jackson, um notório belicista, que rejeitou qualquer compromisso com Moscou. Por sua vez, do mesmo campo de Jackson tiveram origem vários falcões do governo George W. Bush: Paul Wolfowitz, Doug Feith, Richard Perle e Elliot Abrams, que exerceram durante algum tempo altos postos no Pentágono e participaram ativamente na preparação da guerra do Iraque.

Limites do anticomunismo

A incapacidade de distinguir entre as origens progressistas históricas e sociais da União Soviética e seu regime burocrático reacionário desarmou a massa da população, quando no começo dos anos noventa a burocracia passou definitivamente para o outro lado, liquidando a propriedade social e introduzindo as relações capitalistas, com apoio ocidental.

Em nome da “liberdade” e da “democracia”—e freqüentemente suportada por protestos massivos, nascidos de uma oposição autêntica contra os dominantes—a burocracia, em aliança com oportunistas e criminosos, organizou o maior saque da história mundial. Jovens funcionários de 30 anos de idade da noite para o dia se tornaram bilionários, somas gigantescas escoaram para o exterior, a infraestrutura social desmoronou—sem que, em contrapartida, se fizesse sentir maior oposição.

A variante do anticomunismo justificada por Burnham e Shachtman contribuiu de forma eficaz para a desorientação das massas. Eles se aproveitaram dos crimes do stalinismo para desacreditar toda e qualquer perspectiva socialista. Eles a divulgaram amplamente não só nos círculos de direita, mas encontraram espaço também nos sindicatos e na social-democracia. O próprio Kurt Schumacher, o primeiro dirigente do SPD após a guerra mundial, qualificou os comunistas como “fascistas pintados de vermelho”.

Contudo, lentamente começaram a clarear os nevoeiros. O abismo entre propaganda e realidade não pode manter uma ponte eterna. A guerra no Iraque e a crescente polarização social provocam resistência, minam as velhas organizações e levam as pessoas a refletir. A pergunta sobre uma nova perspectiva coloca-se com urgência. Ela não pode ser respondida sem se compreender as experiências do último século, especialmente a experiência da União Soviética. O socialismo não falhou ali, mas foi suprimido e traído por uma burocracia corrupta. A burocracia stalinista substituiu o programa do socialismo internacionalista pela concepção nacionalista do “Socialismo num só país” e subjugou os esforços revolucionários no mundo inteiro.

Os escritos de Trotsky e o livro em questão formam um método para compreender esta experiência e fortalecer a perspectiva do verdadeiro socialismo, que visa a reorganização internacional da vida econômica para as necessidades humanas e não para os interesses de lucro das empresas.

Em defesa do marxismo é além do mais uma introdução valiosa para o estudo do método marxista. A dialética materialista proporciona uma viva compreensão científica da realidade em sua permanente transformação. Ela está em contradição total com os esquemas sem-vida, abstratos, em que o stalinismo transformou o marxismo.

Wolfgang Zimmermann

Peter Schwarz

Agosto de 2006

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