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Perspectivas

Washington prepara golpe de direita na Venezuela

Publicado originalmente em 24 de Janeiro de 2019

O reconhecimento dos EUA de Juan Guaidó como o autodeclarado e não eleito “presidente interino” da Venezuela marca o início de um golpe de direita preparado em Washington.

Guaidó fez o juramento e se declarou presidente na quarta-feira, 23 de Janeiro, diante de uma manifestação em massa contra o governo do presidente Nicolás Maduro em Caracas. Virtualmente ao mesmo tempo, Donald Trump tuitou: “Os cidadãos da Venezuela sofreram por muito tempo nas mãos do regime ilegítimo de Maduro. Hoje, eu reconheci oficialmente o Presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, como o Presidente Interino da Venezuela.”

Essa tentativa de mudança de regime através de um tuite foi apoiada por vários governos de direita na América Latina, incluindo o do ex-oficial do exército fascista, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que tomou posse no início do ano. O Canadá também rapidamente se alinhou à conspiração de Washington, enquanto o governo de Emmanuel Macron, na França, iniciou discussões na União Europeia com o objetivo de conseguir apoio ao fantoche de Washington.

Rússia, Turquia e México reiteraram que reconhecem Nicolás Maduro como presidente constitucional eleito da Venezuela, assim como Cuba e Bolívia.

O reconhecimento estadunidense de Guaidó como presidente constitui uma clara intervenção do imperialismo dos EUA para alcançar seus próprios objetivos predatórios na Venezuela, que possui as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo. Ao mesmo tempo, os EUA tentam reverter a influência na América Latina da Rússia e da China, que estabeleceram estreitos laços econômicos e políticos com Caracas.

Esta operação de mudança de regime está sendo preparada há duas décadas, desde o golpe fracassado de 2002 contra o antecessor de Maduro, o falecido Hugo Chávez, durante o governo de George W. Bush, que foi seguido pela imposição de sanções pelo governo Obama e de sua designação da Venezuela como uma “Ameaça extraordinária para a segurança nacional e política externa dos Estados Unidos.”

Ao apoiar efetivamente Guaidó, o governo Trump está procurando criar as condições para um golpe militar ou mesmo uma guerra civil na Venezuela, bem como uma intervenção militar dos EUA a partir de fora do país.

Maduro respondeu à intervenção dos EUA rompendo relações diplomáticas com Washington e ordenando que todo o corpo diplomático dos EUA deixe o país em 72 horas. Guaidó, sem dúvida operando em estreita colaboração com o Departamento de Estado dos EUA, revogou o decreto de Maduro, declarando que ele, como “presidente interino”, estava pedindo às autoridades dos EUA no país que ficassem. O Departamento de Estado respondeu que irá ignorar a ordem de Maduro, preparando o terreno para um confronto que pode ser usado como pretexto para a intervenção dos EUA.

Em declarações a repórteres na quarta-feira, Trump deixou claro que se está considerando ativamente uma intervenção militar. Perguntado pelos repórteres se ele estava pensando em enviar tropas dos EUA para a Venezuela, ele respondeu que “todas as opções estão sobre a mesa”.

Um oficial dos EUA disse anonimamente a repórteres que se o governo de Maduro agisse contra Guaidó e seus partidários, seus “dias estariam contados”, enquanto relatos na mídia indicaram que Washington está considerando realizar um bloqueio naval da Venezuela para impedir suas exportações de petróleo e apreender os bens venezuelanos nos EUA supostamente em nome do “presidente interino”.

Maduro, apesar de toda a retórica sobre o “socialismo bolivariano”, lidera um governo capitalista que defende a propriedade privada na Venezuela e tem imposto o peso da profunda crise econômica do país sobre as costas da classe trabalhadora venezuelana, cujas greves e protestos têm sido brutalmente reprimidos. Sob Maduro e Chávez, o controle privado da economia do país cresceu e os lucros do setor financeiro dispararam à medida que o governo desviou uma vasta riqueza social para pagar dívidas a Wall Street e aos bancos internacionais.

No entanto, as alegações da administração Trump de que o governo Maduro é “ilegítimo” e que Washington quer defender a “democracia” na Venezuela são obscenas. A administração Trump, deve-se notar, não tem nenhum problema com a legitimidade da monarquia policial assassina do príncipe Mohamed bin Salman na Arábia Saudita, a ditadura do general Sisi no Egito ou os vários regimes parecidos que constituem os principais aliados de Washington no Oriente Médio.

Com menos argumentos do que Washington está usando para declarar Maduro um “usurpador”, qualquer governo no mundo poderia alegar que o próprio Trump – eleito com menos votos populares do que o seu adversário e rejeitado pela maioria do povo americano – é “ilegítimo” e deve ser derrubado.

Além disso, qualquer regime que surja da operação apoiada pelos EUA na Venezuela será uma ditadura de direita dos bancos, grandes empresas e capital estrangeiro que realizará um banho de sangue contra a classe trabalhadora venezuelana, muito maior do que o massacre realizado em 1989 contra o Caracazo, a revolta popular dos pobres e trabalhadores do país e contra as políticas de austeridade do FMI.

O principal pilar dos governos nacionalistas burgueses liderados por Chávez e Maduro foram e são os militares, com altos oficiais controlando setores-chave do governo e da economia nacional. Washington espera que isso se transforme no calcanhar de Aquiles do governo, com comandantes graduados convencidos a mudar de lado e realizar um golpe contra Maduro.

Foi revelado no ano passado que autoridades dos EUA se reuniram repetidamente entre o outono de 2017 e o início do ano passado com um grupo de oficiais militares venezuelanos buscando apoio dos EUA para a derrubada de Maduro. Esses contatos não foram levados adiante porque Washington considerou que a conspiração não estava suficientemente preparada.

Esses cálculos podem agora ter mudado. Depois de um levante isolado de um grupo de guardas nacionais que tomaram armas e delegacias de polícia na segunda-feira, um vídeo do Gen. Jesús Alberto Milano Mendoza e outros oficiais foi divulgado, em que declarava que o exército deveria se revoltar contra Maduro e que o alto comando não deveria servir como “o braço armado do governo para seu benefício pessoal”. Milano Mendoza já havia atuado como chefe da guarda presidencial de Chávez.

Não é apenas Trump e a CIA que apoiam o golpe venezuelano e a forte guinada à direita na América Latina. Essa guinada foi expressa também no Fórum Econômico Mundial, que se iniciou esta semana em Davos, na Suíça, onde se reuniram CEOs bilionários globais, banqueiros, administradores de fundos hedge, celebridades e líderes e autoridades governamentais.

Davos estendeu o tapete vermelho para Jair Bolsonaro, que fez um discurso bizarro e incrivelmente curto na abertura do fórum. Os investidores presentes ficaram “animados” pela perspectiva de aumento dos lucros sob um novo governo liderado por um indivíduo que expressou seu apoio à ditadura militar brasileira e seu assassinato e tortura de opositores de esquerda, e que encheu seu governo com generais e ideólogos de direita.

Bolsonaro se incluiu como parte de uma cruzada continental de reação política, declarando: “A esquerda não prevalecerá nesta região, o que é bom, penso eu, não só para a América do Sul, mas também para o mundo.” Ele recebeu uma resposta positiva dos representantes das oligarquias financeiras e seus respectivos governos, que se sentem cada vez mais preocupados pela intensificação da crise econômica e pelo ressurgimento da luta da classe trabalhadora em todo o mundo. A oligarquia financeira e seus governos estão voltando-se para métodos ditatoriais, autoritarismo, repressão, censura e fascismo como um meio de defender sua riqueza e conseguir governar.

No próprio Estados Unidos, apesar da guerra política interna em Washington, não há desacordo sobre o golpe venezuelano. O segundo mais importante democrata no Senado dos EUA, Dick Durban, divulgou um comunicado na quarta-feira saudando o fantoche do Departamento de Estado, Guaidó, e seus apoiadores como “patriotas corajosos que veem um futuro mais promissor e democrático para o povo venezuelano”.

E, no dia em que Guaidó se declarou presidente, o New York Times publicou um brilhante tributo ao agente político de direita intitulado “Enquanto a Venezuela desmorona, uma nova voz de dissidência surge”. O jornal não se preocupou em informar seus leitores que essa “nova voz” é um porta-voz pago pelo Departamento de Estado dos EUA.

Esse mesmo jornal, a antiga voz do liberalismo no establishment burguês dos EUA, elogiou o fracassado golpe da CIA contra Chávez em 2002, quando declarou que “a democracia venezuelana não está mais ameaçada” depois que um presidente eleito foi tirado de seu gabinete e preso e o líder de uma associação empresarial apoiada pelos militares foi proclamado presidente.

O desdobramento do golpe na Venezuela tem implicações para toda a América Latina e o planeta. Ele faz parte do naufrágio do chamado “giro à esquerda” na região, que começou no início do século com a chegada ao poder de uma série de governos nacionalistas burgueses que desviaram uma parte da receita das commodities para programas modestos de bem-estar social e utilizaram o crescimento da China para compensar a influência dos EUA na região. Promovida internacionalmente por pablistas e outras tendências da pseudo-esquerda como uma nova forma de socialismo, essa “Maré Rosa” só serviu para desarmar politicamente a classe trabalhadora diante da inevitável guinada política em direção à reação e à repressão na América Latina.

Além disso, essa guinada faz parte do movimento da burguesia internacional em direção à reação política e à formas de governo ditatoriais, que vão da ameaça de Trump em impor um estado de emergência aos elogios de Macron a Pétain, passando pelo surgimento do partido fascista AfD como o principal partido de oposição na Alemanha e a consolidação do controle da extrema direita sobre o governo na Itália. Em todos os lugares do mundo, o domínio de uma estreita oligarquia financeira é incompatível com as formas democráticas de governo.

A crise política na Venezuela só pode ser resolvida de maneira progressiva pela intervenção independente da classe trabalhadora. O que é necessário não é a intervenção dos militares, mas sim armar as massas. A resolução da crise econômica subjacente do país só é possível com a tomada da propriedade burguesa e a colocação da vasta riqueza petrolífera da Venezuela sob controle popular. Assembleias populares devem ser estabelecidas para levar adiante tal programa, enquanto apelam aos trabalhadores e oprimidos de todas as Américas por apoio.

A classe trabalhadora nos Estados Unidos deve se opor à intervenção reacionária do governo Trump na Venezuela e lutar para unir suas lutas com as dos trabalhadores na Venezuela e em toda a América Latina contra o inimigo comum, o sistema capitalista.

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