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Perspectivas

EUA deixam o tratado INF: mais um passo em direção à guerra nuclear

Publicado originalmente em 2 de Fevereiro de 2019

No auge da crise dos mísseis em Cuba, quando o mundo estava à beira da destruição nuclear, o presidente John F. Kennedy disse a seu irmão Robert: “Se este planeta for devastado por uma guerra nuclear, se 300 milhões de americanos, russos e europeus morrerem pelo lançamento de bombas nucleares durante 60 minutos, se os sobreviventes dessa devastação puderem suportar o fogo, o veneno, o caos e a catástrofe, eu não quero que um desses sobreviventes pergunte a outro: ‘Como tudo aconteceu?’, e receba a incrível resposta: ‘Ah, se alguém soubesse.’”

Sem que o presidente Kennedy soubesse, que estava tentando evitar uma guerra nuclear, ou seus generais, muitos dos quais queriam começar uma, tal guerra teria matado não 300 milhões de pessoas, mas toda a humanidade. A teoria do inverno nuclear, desenvolvida em meados dos anos 1980 e posteriormente aceita por consenso pela comunidade científica, chegou à conclusão que uma guerra nuclear em grande escala, como planejada pelos militares dos Estados Unidos, tornaria o planeta inteiro inabitável por um século.

Mas é precisamente em direção a esse apocalipse nuclear que os Estados Unidos estão diretamente preparando-se. Como um artigo recentemente publicado na revista Foreign Affairs disse aos seus leitores: “Prepare-se para uma Guerra Nuclear”.

Na sexta-feira, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, declarou que os Estados Unidos deixariam o tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês), um acordo de 1987 entre a União Soviética (e posteriormente a Rússia) e os Estados Unidos que proíbe a instalação de mísseis com alcance entre 500 km e 5.500 km.

A medida torna quase inevitável a saída dos EUA do outro acordo para o controle global de armas, o tratado New START (Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas), fechado entre os Estados Unidos e a Rússia em 2011, sobre o qual o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que se tratava de “um dos vários acordos ruins negociados pelo governo Obama”.

Pouco precisa ser dito sobre as justificativas oficiais da Casa Branca para deixar o tratado: a Rússia estaria violando as cláusulas do tratado, apesar das repetidas ofertas de Moscou para que não apenas os Estados Unidos, mas autoridades internacionais e jornalistas, inspecionassem seus mísseis. As alegações da Casa Branca são ecoadas por pessoas que não acreditam nelas e não são questionadas por uma mídia que funciona como porta-voz dos militares.

Em um artigo que apoia totalmente as acusações da Casa Branca contra a Rússia publicado no New York Times, David Sanger, um dos fios condutores entre o jornal e o Pentágono, explica com perfeita clareza as verdadeiras razões pelas quais os Estados Unidos estão deixando o tratado INF:

“Constrangido pelas disposições do tratado, os Estados Unidos foram impedidos de destacar novas armas para conter os esforços da China para consolidar uma posição dominante no Pacífico Ocidental, o que fez os porta-aviões americanos manterem uma certa distância da região. A China ainda era um poder militar pequeno e pouco sofisticado quando Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, o último líder de uma União Soviética que se enfraquecia rapidamente, negociaram o tratado INF.”

As palavras de Sanger deixam bem claro por que os Estados Unidos querem deixar o tratado, o que não tem nada a ver com as violações da Rússia: Washington está buscando instalar nas ilhas ao redor do continente chinês uma série de mísseis nucleares. Mas Sanger, de alguma forma, espera, sem um parágrafo de transição, que seus leitores acreditem nas acusações de Pompeo sobre o “mau comportamento” da Rússia.

A retirada dos EUA do tratado INF não é o resultado do gosto peculiar de Trump por armas nucleares. Pelo contrário, é o resultado de uma reorientação do exército dos Estados Unidos em direção ao conflito entre “grandes potências” com a Rússia e a China.

Nos últimos dois anos, o establishment militar norte-americano tem ficado cada vez mais surpreso com a rapidez do desenvolvimento tecnológico da China, que os Estados Unidos consideram uma ameaça não apenas à lucratividade de suas empresas, mas também ao domínio de suas forças armadas.

No final da década de 1990, no auge da bolha do dotcom, a China era pouco mais do que uma plataforma de mão-de-obra barata, montando os eletrônicos vendidos no mundo que estava impulsionando uma revolução nas comunicações, enquanto as empresas americanas embolsavam a grande parte dos lucros. Mas, hoje, o equilíbrio econômico do poder mundial está mudando.

Empresas chinesas como Huawei, Xiaomi e Oppo estão tomando uma parcela cada vez maior do mercado global de smartphones, enquanto suas rivais Samsung e Apple veem sua fatia do mercado cair. A DJI, sediada em Shenzhen, é a líder global incontestada no mercado de drones. Enquanto isso, a Huawei está um ano à frente de seus concorrentes na infraestrutura móvel da próxima geração, que irá alimentar não apenas carros sem motorista e aparelhos “inteligentes”, mas também as armas “autônomas” do futuro.

Como a mais recente “Avaliação de Ameaças Mundiais” dos EUA adverte: “Para 2019 em diante, as inovações que impulsionam a competitividade militar e econômica serão cada vez mais originadas fora dos Estados Unidos, à medida que a liderança americana em ciência e tecnologia diminui” e “a lacuna de capacidade entre as tecnologias comerciais e militares evapora”.

É o declínio econômico dos Estados Unidos em relação aos seus rivais globais que está impulsionando a intensificação dos planos de guerra nuclear dos EUA. Os Estados Unidos esperam que, militarmente, consigam conter a ascensão econômica da China e reforçar a proeminência americana no cenário mundial.

Mas um consenso está surgindo entre as forças armadas dos EUA: Washington só pode fazer seus rivais ficarem de joelhos se ameaça-los destruir totalmente com seu enorme arsenal de mísseis estratégicos. Considerando a flotilha de submarinos de mísseis balísticos nucleares que tanto a Rússia quanto a China possuem, essa opção, mesmo ignorando os efeitos do inverno nuclear, resultaria na destruição das maiores cidades dos Estados Unidos.

Os EUA estão também trabalhando para construir um arsenal nuclear “tático”, “utilizável”, de baixo poder de destruição, incluindo a construção de um novo míssil nuclear de cruzeiro. Esta semana, uma nova ogiva nuclear norte-americana de baixo poder de destruição começou a ser produzida, com um poder de destruição entre um terço e metade da bomba “little boy”, lançada sobre a cidade japonesa de Hiroshima, e centenas de vezes menos destrutiva do que outras armas nucleares americanas.

O documento “Revisão da Postura Nuclear” do governo Trump, lançado em Fevereiro de 2018, prevê o uso de tais armas para ganhar conflitos que começarem com a utilização de armas convencionais, diante da pretensão (independentemente do que o Pentágono acredita que possa acontecer) de que tais guerras acabarão antes do uso em larga escala de armas nucleares.

Quase 75 anos atrás, os Estados Unidos, depois de terem “queimado, cozido e assado até a morte”, nas palavras do general Curtis Lemay, centenas de milhares de civis em um “bombardeio estratégico” sobre o Japão, mataram centenas de milhares mais com o uso de duas armas nucleares, uma ação cujo objetivo principal era ameaçar a URSS.

Mas, em última análise, a existência por décadas da União Soviética serviu para conter os impulsos genocidas do imperialismo dos EUA.

Apesar das alegações triunfalistas de que a dissolução da União Soviética traria uma nova era de paz, democracia e o “fim da história”, ela foi seguida por 25 anos de guerras neocoloniais.

Mas as guerras no Iraque, no Afeganistão, na Líbia e na Síria não atingiram o objetivo pretendido. Tendo gasto trilhões de dólares e matado milhões de pessoas, a posição global do imperialismo dos EUA não é melhor do que quando lançou a “guerra ao terror” em 2001.

Agora, os Estados Unidos estão aumentando sua aposta, colocando o “conflito entre grandes potências” com a Rússia e a China na ordem do dia. Em sua luta existencial pela hegemonia global, o imperialismo dos EUA está falido, disposto a tomar os meios mais imprudentes e desesperados, incluindo até uma guerra nuclear.

Não há caminho capitalista pacífico para resolver a crise global que explodiu com tanta força e violência. Se a humanidade quiser sobreviver no século XXI, será necessária a intervenção da classe trabalhadora, a única força social capaz de se opor aos objetivos de guerra das elites capitalistas, através da luta para a reorganização socialista da sociedade.

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