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Perspectivas

Tirem as mãos da Venezuela!

Publicado originalmente em 5 de Fevereiro de 2019

Nas quase duas semanas desde a sinistra e ridícula “autoproclamação” de Juan Guaidó como “presidente interino” ungido do Departamento de Estado dos EUA, o imperialismo estadunidense, com a ajuda das grandes potências europeias, do Canadá e dos governos de direita da América Latina, tem firmemente apertado o nó em torno da Venezuela.

Na segunda-feira, 4 de fevereiro, a Alemanha, o Reino Unido, a França, a Espanha e a maioria das outras potências europeias seguiram a liderança de Washington e reconheceram Guaidó, um político do partido de extrema-direita “Voluntad Popular” (Vontade Popular), como o presidente da Venezuela.

Virtualmente um desconhecido político na Venezuela antes de ser instalado como presidente da Assembleia Nacional menos de três semanas antes do início da tentativa de golpe apoiado pelos EUA, Guaidó é bem conhecido nos corredores do Departamento de Estado e da sede da CIA em Langley, Virgínia, tendo sido financiado por um braço da agência, o “National Endowment for Democracy” (NED, Fundo Nacional para a Democracia), e treinado nos métodos da “revolução colorida” por ONGs financiadas pelos EUA.

A pressa das potências europeias em proclamar uma figura não eleita como presidente legítimo da Venezuela é impulsionada pelo medo do imperialismo europeu de ficar de fora do petróleo venezuelano – as maiores reservas comprovadas do planeta –, enquanto Washington se prepara para invadir diretamente o país ou provocar um golpe militar que poderia mergulhar a Venezuela em uma sangrenta guerra civil.

Ao apoiar um ato de absoluta criminalidade vindo de Washington, os imperialistas europeus estão esperando receber carta branca para seus próprios crimes na África, no Oriente Médio e ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, eles estão sendo levados a desempenhar um papel ativo na divisão da Venezuela, pois estão preocupados com seus próprios investimentos de capital na América Latina, que superam os dos EUA e da China, em um momento que Washington tenta reafirmar sua hegemonia irrestrita em seu “próprio quintal”.

A conspiração contra a Venezuela é predatória no sentido literal da palavra, um exercício de pilhagem total. Washington apreendeu os ativos do governo venezuelano nos EUA, incluindo sua empresa de refino e distribuição no país, Citgo, ostensivamente em nome do fantoche estadunidense Guaidó. O fantoche, por sua vez, anunciou publicamente um projeto econômico para um regime apoiado pelos EUA que abriria as reservas de petróleo estratégicas do país ao controle direto e à exploração pelos conglomerados de energia estadunidenses.

Autoridades estadunidenses não esconderam o fato de que sua meta é garantir aos conglomerados de energia dos EUA o controle sobre as vastas reservas de petróleo da Venezuela, ao mesmo tempo em que reverte a influência substancial da China e da Rússia no país, as “grandes potências” rivais contra as quais Washington se prepara para uma guerra global. Este objetivo ameaça transformar a América Latina em um campo de batalha de uma terceira guerra mundial nuclear.

A pretensão puída usada como disfarce para esse exercício de criminalidade e saque é a de que Washington estaria apoiando a “democracia” na Venezuela e estaria interessada em oferecer assistência “humanitária” a sua população. Ninguém – muito menos o povo venezuelano – deve acreditar em tais mentiras. O mesmo governo dos EUA deu seu apoio incondicional a regimes como os do general Sisi no Egito, que matou milhares e prendeu dezenas de milhares de seus opositores, e a ditadura monárquica assassina do príncipe herdeiro Mohamed bin Salman na Arábia Saudita.

A consolidação do poder nas mãos de Guaidó e do partido “Voluntad Popular” não aponta ao florescimento da democracia, mas sim à imposição de uma ditadura de direita da oligarquia corporativa venezuelana e do FMI, cuja primeira tarefa será afogar em sangue a resistência dos trabalhadores venezuelanos à austeridade e à opressão.

Embora afirmando que é impulsionado pelo urgente imperativo humanitário de fornecer alimentos e medicamentos aos venezuelanos, Washington continua a fornecer apoio irrestrito para uma guerra quase genocida que levou 16 milhões de iemenitas à beira da morte pela fome.

Este discurso humanitário fraudulento é agora posto em prática a todo vapor. Guaidó anunciou na segunda-feira que pedirá uma “grande mobilização” para exigir que alimentos e suprimentos médicos organizados pela USAID e posicionados nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, que são governados pelos dois governos mais de direita da América Latina, sejam trazidos para o país.

Não há sequer uma tentativa de mascarar o fato de que o objetivo dessa “ajuda” é provocar uma divisão dentro do exército venezuelano ou um confronto nas fronteiras do país que forneça o pretexto para uma intervenção militar.

A classe trabalhadora, tanto na Venezuela quanto internacionalmente, deve rejeitar com desprezo essa provocação imperialista e mobilizar toda a sua força para defender a Venezuela contra uma intervenção imperialista estadunidense que visa transformar o país latino-americano em uma semicolônia.

Defender a Venezuela, um país oprimido, contra a agressão imperialista não exige, de maneira alguma, enaltecer o governo de Nicolás Maduro e o legado do chavismo.

O governo da Venezuela sob Maduro – como sob seu antecessor, Hugo Chávez – é um regime burguês que defende a propriedade privada e os interesses do capital financeiro internacional, o que continuou acontecendo quando a crise capitalista mundial e as sanções cada vez mais punitivas impostas por Washington dizimavam os padrões de vida da classe trabalhadora venezuelana. Sob ambos os presidentes, o governo fomentou o crescimento de uma nova camada da classe dominante capitalista venezuelana, a chamada “boliburguesia”, que se aproveitou de contratos do governo, da especulação financeira e da corrupção.

Enquanto sob Chávez o governo foi capaz de desviar parte das receitas do boom do petróleo e das commodities para assistência social às massas empobrecidas da Venezuela, o aprofundamento da crise capitalista mundial e o colapso dos preços do petróleo cortaram amplamente esses programas. O peso da crise econômica foi colocado sobre as costas da classe trabalhadora venezuelana. Enquanto isso, cada vez mais o governo dirigiu seu aparato repressivo não contra os opositores de direita, mas sim contra os trabalhadores lutando por direitos sociais e democráticos.

Com a burguesia venezuelana incapaz de traçar seu caminho para sair da crise econômica e social, e os trabalhadores venezuelanos ainda incapazes de representar um desafio revolucionário à ordem capitalista, os governos Chávez e Maduro assumiram um caráter cada vez mais bonapartista, sustentando-se, em última análise, sobre o apoio das forças militares e de segurança, cujo apoio Washington está agora buscando conquistar.

É o caráter de classe e as políticas desses governos que deixaram a Venezuela vulnerável à intervenção e conquista imperialista. Maduro dirigiu seus apelos à oposição de direita e a Trump por “diálogo”, e mais recentemente – insistindo que ele está servindo à “causa de Cristo” na Venezuela – ao Papa.

Este governo é incapaz de apelar para a classe trabalhadora venezuelana. Teme armar as massas para combater uma intervenção imperialista. E não tem intenção de expropriar os substanciais interesses capitalistas estrangeiros na Venezuela, incluindo os da Chevron e da Halliburton, em retaliação às ações predatórias do imperialismo estadunidense.

A única resposta progressista à crise cada vez mais perigosa que se desdobra na Venezuela está na intervenção política independente da classe trabalhadora, na luta pelo armamento das massas, na tomada de propriedades burguesas e de capitalistas estrangeiros e no controle popular da vasta riqueza petrolífera do país.

Tal luta só pode ser realizada com sucesso através da unidade internacional da classe trabalhadora. Os trabalhadores nos Estados Unidos, Europa e Canadá devem se opor à intervenção imperialista reacionária e predatória na Venezuela e lutar para unir suas lutas com as dos trabalhadores na Venezuela e em toda a América Latina contra o inimigo comum, o sistema capitalista mundial.

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