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Mídia francesa difama “coletes amarelos” e muçulmanos chamando-os de antissemitas

Publicado originalmente em 19 de Fevereiro de 2019

Depois de uma discussão no sábado, em Paris, entre os “coletes amarelos” e o comentarista Alain Finkielkraut, uma campanha reacionária da mídia está sendo realizada para difamar muçulmanos e os protestos dos “coletes amarelos” contra a desigualdade social, em uma tentativa de caracterizá-los de antissemitas.

O incidente, embora ainda obscuro, cheira a uma provocação política. Finkielkraut, que é judeu e um conhecido sionista, atacou os “coletes amarelos” na semana passada por sua suposta “violência” e “arrogância” no jornal de direita Le Figaro. Ainda assim, Finkielkraut foi ao protesto e deparou-se com um grupo de “coletes amarelos”, que incluía um homem de barba sob vigilância do Estado por seus laços islâmicos. Esse homem, então, denunciou Finkielkraut como um sionista de maneira grosseira. A polícia então cercou Finkielkraut e o retirou do protesto.

Inicialmente, o porta-voz do governo, Benjamin Griveaux, insistiu que os “coletes amarelos” gritaram insultos fascistas, como “judeu sujo”, contra Finkielkraut. No entanto, os jornalistas que reviram os vídeos do evento disseram que não conseguiram ouvir esse insulto. Finkielkraut negou o insulto, agradecendo a Griveaux: “Eu estou tocado pela solidariedade dele, mas ninguém me chamou de judeu sujo”. Ele, inclusive, não irá prestar queixas contra o homem de barba.

No entanto, a mídia, o Estado e a direita reviveram, durante a noite, as mentiras do ano passado proferidas pelo pequeno-burguês Novo Partido Anticapitalista (NPA) e pela central sindical stalinista Confederação Geral do Trabalho (CGT), que caracterizaram os “coletes amarelos” como um movimento fascista. Ao mesmo tempo, a mídia está acusando muçulmanos franceses de terem se tornado antissemitas devido à raiva que tem das guerras da Otan e de Israel e à inveja da riqueza judaica. Esse movimento tem o objetivo de conter a popularidade dos “coletes amarelos”, camuflando sua oposição de esquerda à desigualdade social e à guerra com as falsas denúncias de antissemitismo.

O WSWS explicou, desde o início, que o movimento dos “coletes amarelos” é social e politicamente heterogêneo – mobilizando trabalhadores, autônomos, agricultores e pequenos comerciantes. Levantando exigências populares e democráticas, em oposição às exigências de classe dominante e internacionalistas, o WSWS saudou qualquer um disposto a usar um “colete amarelo” para protestar contra o presidente Emmanuel Macron. Por outro lado, o caráter heterogêneo do movimento tem permitido que forças direitistas se juntem brevemente aos protestos, aparentemente incluindo grupos islâmicos que até agora não desempenharam nenhum papel visível ou importante.

Os “coletes amarelos”, entretanto, pertencem em grande parte à classe trabalhadora e se opõem à desigualdade social, ao racismo e ao militarismo. A responsabilidade principal pela ascensão do antissemitismo e sentimentos de ódio semelhantes não está nos “coletes amarelos”, mas naqueles que agora os denunciam.

A hipocrisia dos políticos e jornalistas burgueses que denunciam o suposto antissemitismo na classe trabalhadora é obscena. Em um tuite no sábado à noite sobre Finkielkraut, Macron declarou que “os insultos antissemitas aos quais ele foi submetido são a negação do que somos e do que nos torna uma grande nação. Nós não vamos tolerar isso.”

No entanto, foi Macron quem, em novembro passado, elogiou Philippe Pétain, o líder do regime fascista de Vichy que colaborou com os nazistas e supervisionou o assassinato em massa de judeus na França. Pétain deportou mais de 76.000 judeus para campos de concentração nazistas, incluindo 11.000 crianças, onde todos, com exceção de 2.000 deles, foram assassinados. A alegação de Macron de que todos devem reconhecer que Pétain foi um “grande soldado” na Primeira Guerra Mundial representou um apelo às forças neofascistas de base antissemita.

A líder neofascista Marine Le Pen, cujo pai, Jean-Marie, caracterizou o Holocausto como um “detalhe da história”, ficou indignada com o tratamento dado a Finkielkraut. Ela tuitou: “O ataque contra Alain Finkielkraut é um ato detestável e chocante, que ilustra as tentativas antissemitas da extrema esquerda de se infiltrar no movimento dos Coletes Amarelos”.

Enquanto a BFM-TV insistia incessantemente que as denúncias de Finkielkraut como sionista foram antissemitas, especialistas e professores falaram em programas de TV para denunciar a oposição da classe trabalhadora ao capitalismo. A headhunter corporativa e autointitulada filósofa Julia de Funès declarou: “A verdadeira face do antissemitismo de hoje não é mais a extrema direita católica, ou o nazismo da Europa dos anos 1930. É o islamismo fundamentalista.”

Ela acrescentou de maneira provocativa que a oposição dos “coletes amarelos” à eliminação de Macron do Imposto Solidário sobre a Fortuna (ISF) mostra que eles estão se aliando a antissemitas genocidas: “Muito simplesmente, a lógica dos coletes amarelos degenerou-se em uma lógica de paixão, de ciúme e ódio pelos ricos. A questão do ISF comprova isso. ... Estamos diante de uma lógica de paixão, é aí que os dois se unem numa lógica de ódio: ódio racial para um, ódio de classe para outro.”

Um abismo de classe separa as aspirações socialistas dos trabalhadores, que anseiam a expropriação das fortunas obscenas dos multibilionários e o uso racional da riqueza social, dos apelos retrógrados ao ódio étnico e ao genocídio, que são o legado do fascismo. A tentativa de Funès de confundir os dois é uma abominável falsificação política. É a classe capitalista, não os trabalhadores, que cultiva os descendentes do fascismo do século XX para construir partidos de extrema direita em toda a Europa.

Na Alemanha, o multibilionário August von Finck – cujo pai financiou Hitler – está agora financiando o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Esse partido está ganhando força à medida que os professores de extrema direita promovem o legado de Hitler, com o apoio tácito de todo o establishment político alemão para justificar uma política impopular de remilitarização.

Na França, o partido de Le Pen mantém laços com numerosos grupos antissemitas. A mídia mantém um silêncio ensurdecedor sobre esses laços, permitindo que eles se apresentem publicamente como oponentes do antissemitismo enquanto integram neofascistas à política oficial. Marion Maréchal-Le Pen, por exemplo, visitou a “Action Française” (AF) – descendente do grupo antissemita de mesmo nome, liderado por Charles Maurras no século XX, que ajudou os agentes do regime de Vichy. Em 2013, o membro da AF, Serge Ayoub, desempenhou um papel fundamental na coordenação do assassinato do estudante de esquerda Clément Méric.

O neofascista Philippe Péninque não apenas organizou transações ilícitas do ministro do Partido Socialista (PS), Jérôme Cahuzac, como também fundou o grupo de Igualdade e Reconciliação (E&R, na sigla em francês), que divulga propaganda antissemita. A atual lamentação na mídia sobre o papel da E&R na promoção do antissemitismo entre os muçulmanos mantém um silêncio cúmplice sobre as relações da E&R com o PS e a dinastia Le Pen.

Finkielkraut, por sua vez, serviu como apologista dos crimes de Israel contra o povo palestino. Em uma entrevista de 2014 ao Le Figaro, Finkielkraut defendeu a guerra israelense contra os palestinos indefesos em Gaza, que levou a morte de mais de mil civis, declarando que “os israelenses alertaram os habitantes de Gaza de todas as maneiras possíveis dos próximos bombardeios”. Ele ainda acrescentou: “Quando me dizem que esses habitantes não têm para onde ir, respondo que os túneis subterrâneos de Gaza deveriam ter sido feitos para eles”.

O establishment político francês alega que tal apoio ao repugnante assassinato de civis indefesos pelo Estado de Israel não pode ser criticado, e que toda oposição a ele é antissemita. Isso serve para confundir a ampla oposição à repressão dos palestinos com antissemitismo, legitimando assim o último.

Diante dos “coletes amarelos”, a classe dominante está agora usando todas as ferramentas que tem para dividir os trabalhadores por nacionalidade e bloquear a oposição à guerra no exterior e à austeridade na França. Ela usa o derramamento de sangue de suas guerras no Oriente Médio e na África, e as guerras de Israel contra os palestinos, para tentar colocar judeus, muçulmanos e outros trabalhadores uns contra os outros – uma operação então encoberta com a mentira de que é a elite dominante que está lutando contra o antissemitismo.

Tais esforços para dividir a classe trabalhadora devem ser rejeitados. Existe uma profunda oposição ao imperialismo e ao sionismo entre os trabalhadores de todas as nacionalidades. Essa oposição só pode ser mobilizada voltando-se à classe trabalhadora em um esforço para unificá-la por meio de uma luta internacional, contra o capitalismo e a guerra e pelo socialismo.

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