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Perspectivas

A luta global dos professores

Publicado originalmente em 26 de Fevereiro de 2019

Em quase todos os continentes, os professores estão encabeçando a luta contra a austeridade dos governos e níveis de desigualdade social não vistos desde os anos 1920. Os professores têm desempenhado um papel fundamental no ressurgimento da luta de classes que eclodiu em todo o mundo em 2018 e se acelerou nos primeiros meses deste ano.

Três mil professores estão atualmente em greve em Oakland, na Califórnia, na mais recente série de paralisações de professores nos Estados Unidos, que envolveu 71.000 educadores durante as primeiras oito semanas de 2019. A greve em Oakland ocorre após a greve do mês passado em Los Angeles, o segundo maior distrito escolar do país, além de uma greve de três dias em Denver, no Colorado, e uma paralisação estadual de dois dias na Virginia Ocidental, o estado onde há um ano se iniciou a maior rebelião de professores em todo os EUA em décadas.

Número recorde de greves dos docentes no 2018 nos Estados Unidos desde 1993

Professores e funcionários de escolas representaram 380 mil dos quase meio milhão de trabalhadores envolvidos em paralisações nos EUA no ano passado, o maior número desde 1986. Houve cada vez mais chamados de greves em muitos estados, incluindo Oklahoma e Arizona, onde greves estaduais aconteceram no ano passado.

Em São Paulo, no Brasil, a maior cidade do continente americano, os professores estão em greve desde 4 de Fevereiro contra ataques à aposentadoria. No México, professores em Michoacán e Oaxaca entraram em greve e realizaram bloqueios no início deste mês contra as demissões e a “reforma escolar” apoiada pelo governo.

Ainda no início deste mês, professores e funcionários de creches entraram em greve em Berlim, na Alemanha; educadores em Portugal aderiram a uma greve geral; professores na França juntaram-se aos protestos dos “Coletes Amarelos” contra o “Presidente dos ricos”, Emanuel Macron; e mais de 100.000 professores de escolas primárias a universidades realizarão a primeira greve nacional em 15 de Março na Holanda.

Professores também entraram em greve no Marrocos e no Zimbábue em meio à crescente oposição à redução dos orçamentos de educação e à privatização escolar em toda a África. Finalmente, dezenas de milhares de professores em Tamil Nadu, no sul da Índia, também entraram em greve no mês passado por melhores salários e condições de trabalho.

Esse movimento está sendo impulsionado por níveis recordes de desigualdade social em todo o mundo. A contrarrevolução social, que foi iniciada pela primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e pelo presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan há quatro décadas, foi acelerada após a crise financeira global de 2008. Os governos capitalistas, liderados pelo governo Obama nos Estados Unidos, gastaram trilhões para comprar ativos tóxicos dos bancos e fornecer crédito ilimitado para reinflar os mercados de ações e as fortunas privadas dos criminosos financeiros. Para pagar por isso, partidos políticos de todos os tipos fizeram da “austeridade” a palavra de ordem.

Dois trabalhos recentes destacam a transferência histórica de riqueza dos mais pobres para os mais ricos nos EUA desde 2008.

Um novo trabalho de pesquisa de Gabriel Zucman, professor de economia da Universidade da Califórnia em Berkeley, descobriu que a parcela da riqueza total controlada pelos 0,1% dos mais ricos estava no nível mais alto desde 1929, quando essa pequena elite acumulava 25% da riqueza dos EUA. “A concentração de riqueza dos EUA parece ter retornado aos níveis vistos pela última vez nos anos 1920”, escreveu Zucman. Ele ainda notou que os níveis de desigualdade hoje podem ser ainda maiores por causa da habilidade dos super-ricos de esconder sua riqueza em contas no exterior.

Um relatório do Departamento de Análise Econômica do Departamento de Comércio dos EUA descobriu que a relação entre a remuneração e os benefícios dos empregados e a renda interna bruta caiu para 52,7% no terceiro trimestre do ano passado, a quarta redução trimestral consecutiva. A participação do trabalho na renda doméstica tem diminuído constantemente desde 1970, quando era de 59%, e continua sendo a mais baixa desde o final da Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, a parcela da renda doméstica destinada aos lucros das empresas subiu de menos de 12% na década de 1980 para mais de 20% hoje.

A crise econômica global também foi utilizada pela elite financeira para saquear ativos públicos e colocar as mãos no “mercado educacional” mundial, que valerá cerca de US$ 10 trilhões até 2030. Um livro recente apontou para o papel do Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a USAID e o Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID, na sigla em inglês) do Reino Unido no financiamento de esquemas de privatização escolar em todo o mundo.

Nos EUA, o governo Obama utilizou infinitos recursos para resgatar Wall Street, ao mesmo tempo que realizou cortes para as escolas públicas e utilizou a crise produzida para expandir as escolas charter com fins lucrativos. Segundo os dados mais recentes disponíveis, em 2016, 25 dos 50 estados dos EUA ainda estavam gastando menos por aluno do que antes da Grande Recessão, com um déficit de US$ 19 bilhões. Hoje existem 170.000 funcionários de escolas públicas a menos do que antes de 2008, embora a matrícula de alunos tenha aumentado 1,5 milhão. Além disso, em 38 estados dos EUA, o salário médio anual dos professores é menor do que em 2009.

O caráter universal do ataque aos professores e à educação pública e sua razão levantam uma série de questões fundamentais para toda a classe trabalhadora. A primeira é o papel dos sindicatos nesse ataque em todo o mundo, se opondo a qualquer séria luta uma vez que estão alinhados com os partidos capitalistas e aceitam todo o quadro de austeridade e desigualdade social atual.

Em Oakland, o sindicato rejeitou as exigências da base dos professores para incluir a oposição aos cortes orçamentários entre as exigências da greve, mesmo com o distrito planejando pagar qualquer aumento salarial através do corte de milhões de dólares em serviços educacionais e fechando escolas. A Associação Educacional de Oakland (OEA, na sigla em inglês) está agindo em conluio com o Partido Democrata do estado para chegar a um acordo podre que é contra os interesses dos professores, mas inteiramente aceitável para a elite corporativa e financeira. Como as greves anteriores em todo o país, a OEA está traindo a luta dos professores na defesa do direito à educação pública.

Coisa semelhante acontece em todos os sindicatos em todo o mundo. Diante do ataque global à educação pública, aos empregos e às condições de vida dos professores, os sindicatos nacionalistas e pró-capitalistas têm colaborado com seus respectivos governos e a burguesia para reduzir os custos trabalhistas e impostos empresariais com o objetivo de tornarem seus “próprios” países mais competitivos.

É por isso que a construção de novas organizações de luta, controladas pelos próprios trabalhadores e independentes dos sindicatos, é uma questão urgente na luta dos professores. Eles devem formar comitês de base, que se baseiam naquilo que os professores e os alunos precisam, não o que os poderosos dizem que esteja disponível.

Os professores tem ganhado amplo apoio popular porque estão lutando por direitos fundamentais e porque todos os trabalhadores estão enfrentando as mesmas condições de trabalho e de vida – redução salarial e aumento do custo de vida, empregos precários e ataques intermináveis aos direitos sociais, incluindo à saúde e à aposentadoria – que foram conquistados por décadas de luta.

O movimento em desenvolvimento entre os professores é uma expressão inicial de uma rebelião que inevitavelmente se estenderá a camadas mais amplas da classe trabalhadora, particularmente os trabalhadores industriais em setores-chave como o automotivo, o siderúrgico e outras áreas da indústria manufatureira. É um movimento que será obrigado a abordar não apenas as questões imediatas de salários e condições de trabalho, mas as grandes questões que enfrentam os trabalhadores em todos os países – desigualdade social, destruição de direitos democráticos, crescimento de formas autoritárias de governo e perigo crescente de uma guerra catastrófica.

Greves isoladas não podem resolver o que os trabalhadores enfrentam. A lógica do ressurgimento internacional da luta de classes coloca a necessidade de a classe trabalhadora lutar pela conquista do poder político e reorganizar a economia mundial a partir da necessidade social, não do lucro privado.

Somente expropriando a aristocracia financeira e realizando a reorganização socialista da vida econômica, a vasta riqueza produzida pela classe trabalhadora pode ser utilizada para elevar o nível material e cultural das massas, garantir educação pública gratuita e de qualidade para todos e livrar a humanidade da pobreza, da exploração e da guerra.

Para isso, é necessário construir uma liderança política nova, socialista e internacionalista, capaz de conscientizar a classe trabalhadora que apenas a expropriação de grandes bancos e empresas e a conquista do poder político conseguirão resolver seus problemas. Essa é a luta que está sendo realizada pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) e suas seções nacionais.

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