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Mídia brasileira promove generais contra Bolsonaro

Publicado originalmente em 25 de Fevereiro de 2019

A escalada das provocações lideradas pelos EUA na fronteira da Venezuela está sendo acompanhada por uma coordenada campanha na mídia brasileira, a quem se somou a oposição oficial do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus satélites da pseudo-esquerda, para retratar os militares brasileiros como uma alternativa política à “loucura” e “incompetência” do presidente fascista Jair Bolsonaro.

O argumento central tem se sustentado na suposta “contenção” e “independência” dos militares em relação às políticas alinhadas aos EUA de Bolsonaro, acima de tudo no que diz respeito à Venezuela, com os militares supostamente se opondo às operações do imperialismo estadunidense contra o governo do presidente Nicolas Maduro.

Ao mesmo tempo que o vice-presidente, general Hamilton Mourão, tem declarado que Maduro deve “compreender que é a hora de ele se retirar”, e os militares brasileiros estarem manobrando com elementos dissidentes nas forças venezuelanas para derrubá-lo, a mídia corporativa e os jornalistas autointitulados de “esquerda” que dizem se opor ao governo Bolsonaro tem promovido a narrativa de que os militares brasileiros se opõem à operação de mudança de regime dos EUA.

A mídia corporativa, o PT e seus defensores da pseudo-esquerda estão imitando, passo a passo, a campanha do New York Times, Washington Post e do Partido Democrata nos EUA em relação à “inaptidão” de Donald Trump, utilizando a ampla oposição às políticas de direita do presidente eleito do Brasil para fazer os mais “racionais” e “confiáveis” militares controlarem cada vez mais o estado brasileiro.

Essa campanha é notavelmente unânime em todos os editoriais e artigos de opinião dos maiores e mais influentes jornais e revistas brasileiros – Veja, O Globo, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e o El País –, assim como na “mídia alternativa” pró-PT – Brasil 247, Carta Capital, Revista Fórum e GGN. O argumento central deles é que o governo Bolsonaro é uma aberração produzida pela estupidez dos eleitores brasileiros envenenados pelas “fake news”, e precisa ter o controle assumido pelos “adultos na sala” – o vice-presidente general Mourão e outros militares nomeados por Bolsonaro para seu gabinete.

Em todos os casos, as extensas carreiras nas corruptas, assassinas e pró-imperialistas forças de segurança brasileiras são tomadas pela mídia como a garantia de confiança e força política.

A escalada dessa campanha reacionária pôde ser vista na reação unânime da mídia e da oposição nas últimas duas semanas diante da crise causada por uma reportagem da Folha de 10 de Fevereiro, em que Gustavo Bebianno, o então secretário-geral da presidência e ex-presidente do partido de Bolsonaro, o PSL, pode ter sido o responsável por um esquema de candidaturas laranjas para desviar o fundo partidário para membros do partido.

Uma das evidências apresentadas na reportagem era a de que os candidatos que receberam o fundo ganharam poucos votos comparados com seus gastos de campanha. Isso, por sua vez, é uma coisa altamente ambígua e consistente com a campanha encabeçada pela Folha durante as eleições alegando que os eleitores foram decisivamente influenciados pelas “fake news” promovidas pela campanha de Bolsonaro através do Whatsapp. A história das “fake news” do Whatsapp foi tomada da maneira mais reacionária possível pelo principal apoiador da pseudo-esquerda do PT, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que solicitou que o Superior Tribunal Eleitoral proibisse o uso do aplicativo em todo o país durante a corrida eleitoral.

A reportagem da Folha sobre Bebianno, publicada enquanto Bolsonaro estava se recuperando da cirurgia que retirou a bolsa de colostomia que utilizava desde o ataque a faca que sofreu durante a campanha eleitoral, mostrou de maneira notável como se movem os mecanismos internos dos círculos dominantes brasileiros para construir a credibilidade dos militares como a única força política legítima e capaz no país.

Apesar da história inicialmente ter provocado furor na mídia, exigindo a saída de Bebianno do governo, ela foi seguida de um ataque de um dos filhos de Bolsonaro, o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, a Bebianno. Ele acusou Bebianno de estar trabalhando para derrubar seu pai alegando que o presidente compartilhava culpa pelo esquema de candidaturas laranjas. Como resultado, a simpatia da mídia e da oposição PT-PSOL foi desviada para Bebianno.

A enorme velocidade desse deslocamento foi baseada inteiramente em um sinal dos ministros militares visitados por Bebianno depois do ataque de Carlos Bolsonaro. A Folha e outros jornais reportaram em 14 de Fevereiro que o general Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e o general Fernando Azevedo (ministro da Defesa) haviam intervindo para que Bolsonaro poupasse Bebianno. No dia seguinte, o jornal mais antigo do país, O Estado de S. Paulo, publicou um editorial intitulado “Filhocracia”, queixando-se de que Bolsonaro estava agindo sob a influência de seus filhos “não eleitos” e não se atentava aos generais em seu gabinete – os supostos estandartes da democracia brasileira.

Juntando-se a eles, o porta-voz do PT, o Brasil 247, publicou um artigo anônimo de grande visibilidade – que supostamente seria uma declaração dos editores do site – deixando claro o alinhamento do PT com a mídia corporativa. Ele afirmava que “Num raro consenso, a mídia brasileira, tanto a progressista como a conservadora, constata: é insustentável um governo comandado pelo clã Bolsonaro”. Depois citava jornalistas apoiadores do PT imitando a linha dos militares sobre o “despreparo” de Bolsonaro.

Posteriormente, conforme o PT, PSOL e o PCdoB manobravam com a direita no Congresso para que Bebianno desse explicações em uma audiência pública no Senado, o editor do Brasil 247, Mauro Lopes, escreveu um artigo retratando Bebianno como uma vítima do “neofascismo bolsonarista”. Segundo ele, entre os apoiadores de Bolsonaro “Iniciou-se uma campanha de desmoralização e ameaças contra o ex-queridinho de Bolsonaro que em nada ficou a dever aos ataques bolsonaristas ao PT”.

Enquanto isso, o candidato à presidência do PT em 2018, Fernando Haddad, não deixou dúvidas de que seu alinhamento com os generais está sendo dirigido pela liderança do partido. Em uma manifestação no estado do Ceará, cujo governador do PT, Camilo Santana, está fazendo campanha em apoio às medidas de estado policial de Bolsonaro, que inclui uma extensão da definição de terrorismo para incluir manifestações, Haddad declarou para a imprensa: “A crise da semana, porque toda semana tem uma crise, envolvendo o ministro da Secretaria Geral [Gustavo Bebianno] também preocupou a todos, a imprensa, os meios militares”, acrescentando que “A pergunta é qual é o adulto na sala”. A escolha dessas palavras, ecoando a descrição dos generais agora fora do governo Trump, não deixou qualquer dúvida sobre a orientação de Haddad e do PT em relação aos militares.

Um artigo de Cid Benjamin, do PSOL, na Revista Fórum no auge da crise também revelou a extensão até a qual seu partido está empreendido na operação de legitimação dos militares. Ele escreveu que “Diante do festival de idiotices proferidas por ministros de Bolsonaro a cada dois ou três dias no primeiro mês e meio de governo, Mourão foi construindo uma imagem de sensatez”. Benjamin continuou dizendo que essa imagem se devia ao fato de que “Mourão chegou a receber a CUT em audiência” e “convidou para uma audiência representantes da Autoridade Palestina. Um tapa na cara do presidente”, dada a política pró-Israel de Bolsonaro. Ele concluiu com uma indicação de que o PSOL está preparado para ajudar a construir a imagem do general. “Só faltou convidar João Pedro Stédile e Guilherme Boulos para tomar um café”, ele escreveu.

Em uma tentativa de demonstração de força, Bolsonaro demitiu na última segunda-feira Bebianno, não sem antes ser encurralado pelos ministros militares, encorajados pela campanha da mídia, que o compeliram a nomear o general Floriano Peixoto, que ocupava o cargo de secretário-executivo da secretaria geral, como o novo secretário-geral da presidência.

Não há nada progressivo na aliança do PT com a descreditada mídia corporativa e os militares contra o fascista Bolsonaro. Isso faz com que Bolsonaro passe a retratar a si próprio como a vítima de uma conspiração. Ele está tentando fortalecer seu apelo fascista e personalista, enquanto – como o próprio Trump – envolve seus filhos no governo. Esse movimento político está sendo discutido com poderosos apoiadores empresariais e líderes da extrema direita fora do país, principalmente Steve Bannon, com quem outro filho de Bolsonaro, o deputado federal por São Paulo, Eduardo Bolsonaro, mantém estreitas relações.

Significativamente, logo depois da demissão de Bebianno, Bolsonaro buscou lançar um tom populista se apresentando como opositor da dureza da reforma da aposentadoria proposta por sua equipe econômica. Ele também pediu ao STF que rejeite a alegação do ex-ministro da Fazenda do governo Temer de que a greve dos caminhoneiros do ano passado “conspirava contra o bem-estar público”, que é a alegação central de um processo sendo montado pelo tribunal que pode resultar em acusações criminais contra os caminhoneiros.

O objetivo do PT é acobertar as questões envolvidas na agressiva guinada à direita de todo o sistema político brasileiro desde a reeleição de Dilma Rousseff em 2014. Essa guinada à direita – tanto do PT quanto de Bolsonaro – tem o objetivo de realizar uma massiva reestruturação das relações de classe no país, em primeiro lugar e mais importante com a chamada “reforma da previdência” – uma medida que o próprio Fernando Haddad encabeçou como prefeito de São Paulo em 2016 – e uma reorientação em direção ao imperialismo americano, ao mesmo tempo que distancia-se da China.

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