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Perspectivas

O fechamento da fábrica da GM em Lordstown

Publicado originalmente em 7 de Março de 2019

O dia 5 de março foi o último dia de produção na fábrica da General Motors em Lordstown, um gigantesco complexo industrial de 580 mil metros quadrados localizado entre Cleveland, no estado de Ohio, e Pittsburgh, na Pensilvânia. Na terça-feira, depois de mais de meio século de operação e da produção de mais de 16 milhões de veículos, os últimos 1.400 trabalhadores deixaram a fábrica, que já chegou a empregar 13.000 trabalhadores em três turnos.

A GM, que obteve lucros de US$ 11,8 bilhões em 2018, está fechando cinco fábricas este ano, entre elas as fábricas nas cidades de Detroit e Baltimore, nos EUA, e de Oshawa, no Canadá, e eliminando 14 mil empregos como parte de uma reestruturação global para impulsionar os retornos financeiros de seus maiores acionistas. As empresas, impulsionadas pelas exigências de Wall Street, estão realizando um ataque implacável aos trabalhadores.

O fechamento e os efeitos em cascata sobre fornecedores e empresas locais produzirão uma catástrofe social em uma região já devastada por décadas de desindustrialização, que tem enfrentado o colapso das escolas e uma crescente crise de opioides.

O fechamento da fábrica em Lordstown representa um veredicto histórico para o Sindicato dos Trabalhadores Automotivos (UAW, na sigla em inglês) e todos os sindicatos e suas políticas nacionalistas e de defesa do capitalismo. É o produto de décadas de traição do UAW e sua transformação em um acionista minoritário das empresas automotivas na exploração dos trabalhadores e na supressão da luta de classes.

O fechamento não encontrou resistência do UAW, que passou os últimos quatro meses desde o anúncio da GM realizando vigílias de oração, entrando na justiça com inúteis processos e juntando-se a Trump e os Democratas de Ohio ao culpar os trabalhadores mexicanos e chineses pelos fechamentos. Como tem feito nas últimas quatro décadas, o UAW sinalizou sua disposição em impor aos trabalhadores quaisquer retiradas de direitos exigidas pela GM nas próximas negociações de contrato para convencer a montadora a “salvar” a fábrica.

A fábrica em Lordstown, construída em 1966 nos arredores da cidade siderúrgica de Youngstown, no estado de Ohio (EUA), ocupa um lugar de destaque na história da classe trabalhadora estadunidense. No início dos anos 1970, ela foi palco de uma série de militantes lutas dos trabalhadores que estiveram entre as maiores greves e paralisações entre 1968 e 1977, um período em que 16,6 milhões de trabalhadores estadunidenses de todas categorias industriais realizaram 3.619 greves e paralisações. A onda de greves nos EUA fez parte de um levante internacional de resistência da classe trabalhadora contra os esforços para fazê-la pagar pela crise capitalista mundial, que incluiu as greves em massa das minas de carvão britânicas que derrubaram o governo conservador em 1974.

Em um esforço para combater seus concorrentes japoneses, a GM procurou usar novas tecnologias, incluindo máquinas robóticas de solda, para aumentar drasticamente a produção em Lordstown de seu novo carro Chevrolet Vega. Depois de demitir 300 trabalhadores no início dos anos 1970, a GM aumentou a velocidade da linha de produção de 60 para 101 carros por hora – a taxa mais rápida de qualquer fábrica no mundo – dando aos trabalhadores apenas 36 segundos para completar suas tarefas, em vez dos 60 segundos padrão.

A força de trabalho, que tinha em média 24 anos e incluía muitos ex-soldados que haviam sido radicalizados pelos horrores da Guerra do Vietnã, se revoltou. Em março de 1972, o UAW foi forçado a chamar uma greve. Depois de isolar a greve de 22 dias, o sindicato assinou um acordo que não abordava a questão central sobre a aceleração da linha de produção.

A oposição, incluindo greves selvagens, abertas provocações a gerentes e a sabotagem deliberada de veículos, continuou. A rebeldia dos trabalhadores foi tão grande que a revista BusinessWeek cunhou o termo “síndrome de Lordstown” para definir a militância de toda uma geração de trabalhadores industriais determinados a combater a exploração.

A Liga dos Trabalhadores (Workers League), antecessora do Partido Socialista pela Igualdade, esteve intensamente envolvida na luta em Lordstown e em muitas outras lutas dos trabalhadores da indústria automotiva durante esse período. Em um panfleto de 1973, Dos Protestos Sentadosa Lordstown, a Liga dos Trabalhadores apontou para o “estado virtual de guerra civil” entre os trabalhadores automotivos e a GM e observou que “a seção mais volátil e militante do UAW, representada pelos trabalhadores mais jovens”, tinha “ forçado a relutante liderança do UAW a chamar uma greve”.

Em novembro de 1973, o jornal do partido, o Bulletin, elaborou a defesa dos “Quatro de Lordstown”, que foram enquadrados pela GM e pelas autoridades locais e presos sob falsas acusações.

Durante esse período, embora os trabalhadores tenham entrado em conflito de maneira consistente com a direção do sindicato, toda sua corrupção e sua colaboração com os patrões das montadoras, os trabalhadores ainda viam os sindicatos como suas organizações. Apesar do caráter burocratizado dos sindicatos, os trabalhadores ainda podiam obter ganhos durante esse período de relativo boom econômico e domínio industrial dos EUA.

O mecanismo político básico por meio do qual o UAW e a central sindical AFL-CIO subordinaram a classe trabalhadora ao capitalismo e ao imperialismo estadunidense foi a aliança dos sindicatos com o Partido Democrata e sua oposição a um movimento politicamente independente da classe trabalhadora. É por isso que a Liga dos Trabalhadores, em sua luta para construir uma nova liderança revolucionária nos sindicatos, colocou no centro de sua luta contra a burocracia sindical a exigência de que os sindicatos rompessem com o Partido Democrata e construíssem um Partido dos Trabalhadores com um programa socialista. Essa tática perdeu sua viabilidade à medida que os sindicatos se transformaram em armas diretas das corporações e do Estado para reprimir a luta de classes.

No final da década de 1970, a classe dominante estadunidense respondeu à crescente perda de seu domínio econômico global pondo fim à sua política de relativo compromisso de classe e desencadeando uma guerra total para recuperar todos os ganhos obtidos pelos trabalhadores durante décadas de lutas. Explorando os avanços nas telecomunicações e no transporte, as corporações sediadas nos EUA mudaram a produção para países com baixos salários, enquanto o fechamento de fábricas e as demissões em massa foram usados para cortar salários e benefícios dos trabalhadores nos EUA. O resgate da Chrysler em 1979-80 foi seguido pela greve dos controladores de voo da PATCO, que foi esmagada pelo governo Reagan em 1981, e uma década de ataques violentos para quebrar greves e falir sindicatos.

A globalização da produção capitalista e o crescimento da produção transnacional minaram completamente os sindicatos, que protegiam o mercado de trabalho nacional. No entanto, a catástrofe que se abateu sobre os trabalhadores dos EUA, assim como os trabalhadores em todo o mundo, não foi o resultado inevitável de processos econômicos.

Todas as vezes, os esforços dos trabalhadores da indústria automotiva e de outros setores para resistir ao ataque aos empregos e às condições de trabalho e de vida foram sabotados pelo UAW e outros sindicatos, que isolaram e derrotaram greves e conspiraram com os empregadores no fechamento de fábricas, na imposição de demissões em massa e para enquadrar e oprimir militantes trabalhadores.

No início da década de 1980, o UAW adotou oficialmente a política corporativista de “parceria capital-trabalho” como seu princípio orientador. Rejeitando a luta de classes por considerá-la ultrapassada, o UAW se propôs a esmagar qualquer resistência às montadoras dos Estados Unidos para torná-las mais competitivas contra seus rivais asiáticos e europeus. Isso foi acompanhado pela promoção do racismo e do chauvinismo nacional, que levou ao assassinato em 1982 do sino-estadunidense Vincent Chin por um capataz da Chrysler e seu enteado que havia sido demitido.

A seção 1112 do UAW, em Lordstown, tornou-se o modelo para o conluio capital-trabalho. Como constatou de maneira clara um artigo do New York Times de janeiro de 2010, intitulado “Um UAW antes desafiador agora foca no sucesso da GM”, os dirigentes do UAW em Lordstown, Detroit e outras cidades onde os confrontos com a administração já foram comuns decidiram que sua única chance de sobreviver em uma economia global é trabalhar com seus empregadores e não contra eles.”

“Todo mundo chegou à conclusão de que a administração não é o inimigo, e o sindicato não é o inimigo”, disse Jim Graham, presidente da seção 1112 do UAW, ao Times, acrescentando que “o inimigo é a concorrência estrangeira”.

As intermináveis retiradas de direitos impostas aos trabalhadores nunca salvaram um único emprego. Desde 1979, o número de membros do UAW empregados pela GM, Ford e Chrysler caiu de 750.000 para 150.000. Em troca de sua traição aos trabalhadores, no entanto, o UAW recebeu bilhões de dólares dos patrões da indústria automotiva, que foram canalizados para centros de capacitação conjuntos e para o fundo de assistência médica dos aposentados controlado pelo UAW, que possui 100 milhões de ações da GM, avaliadas em cerca de US$ 4 bilhões.

Executivos da Fiat Chrysler pagaram milhões em subornos ilegais para representantes do UAW nas negociações com a empresa ao longo últimos 10 anos que concordaram em cortar pela metade o salário de novos contratados, abolir o dia de trabalho de oito horas e expandir drasticamente o número de trabalhadores temporários de meio-período que pagam as contribuições ao UAW, mas não tem direitos.

O fechamento da fábrica em Lordstown é o resultado trágico de quase meio século de intermináveis traições. Os sindicatos há muito tempo deixaram de ser organizações da classe trabalhadora e foram transformados em ávidos parceiros das empresas na exploração e empobrecimento da classe trabalhadora.

Enquanto os trabalhadores da indústria automotiva se preparam para as batalhas futuras, incluindo a resistência ao fechamento de outras fábricas e o novo contrato que será negociado neste verão, eles devem rever essa história e tirar as necessárias conclusões. Os trabalhadores devem tirar a luta das mãos dos corruptos sindicatos direitistas. Novas organizações de luta, os comitês de fábrica de base, devem ser construídas, independentes do UAW e baseadas em uma perspectiva e estratégia completamente diferentes.

A única resposta ao assalto global aos empregos e às condições de trabalho e de vida realizados pelas gigantes empresas automotivas transnacionais e seus investidores de Wall Street é a unidade dos trabalhadores de todo o mundo e a rejeição da competição promovida pelas empresas e sindicatos. A revolta dos trabalhadores de empresas maquiladoras em Matamoros, no México, que se rebelaram contra os baixos salários e condições de trabalho precárias impostos pelos sindicatos, mostra que os trabalhadores no México, China e outros países não são inimigos dos trabalhadores dos EUA, mas seus aliados e irmãos de luta.

A mobilização mais ampla dos trabalhadores da indústria automotiva, incluindo a organização de greves, ocupações de fábricas e protestos em massa, e a luta para unirem-se a todos os trabalhadores em todo os EUA e ao redor do mundo, devem se fundir a uma nova estratégia política socialista. A classe trabalhadora deve rejeitar o “direito” dos exploradores capitalistas de fechar fábricas e destruir as vidas e comunidades inteiras de trabalhadores. Em vez disso, corporações gigantes como a GM devem ser transformadas em empresas públicas de propriedade coletiva e controladas democraticamente pelos trabalhadores, como parte da reorganização da economia mundial para atender as necessidades humanas, e não o lucro corporativo.

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