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Governo da Nova Zelândia proíbe manifesto do terrorista fascista Brenton Tarrant

Publicado originalmente em 26 de Março de 2019

O manifesto escrito pelo fascista australiano Brenton Tarrant, que matou cinquenta pessoas e feriu outras cinquenta no atentado que realizou contra duas mesquitas em Christchurch, foi oficialmente proibido na Nova Zelândia.

Em 23 de março, o chefe dos censores do país, David Shanks, anunciou que o documento de 74 páginas, intitulado “The Great Replacement” (“A Grande Substituição”), foi considerado “censurável” pela Lei de Classificação de Filmes, Vídeos e Publicações. Shanks instruiu qualquer um na Nova Zelândia que baixou ou imprimiu o manifesto, publicado por Tarrant na internet pouco antes do atentado de 15 de março, que o destruísse. A posse do manifesto pode levar a uma sentença de até 10 anos de prisão e qualquer um que o compartilhe pode ser preso por 14 anos. Por enquanto, o documento ainda pode ser acessado e lido legalmente em outros países, incluindo a Austrália, mas a decisão da Nova Zelândia estabelece um precedente perigoso.

A supressão do documento é um enorme ataque aos direitos democráticos. A proibição é uma decisão altamente política: faz parte dos esforços do governo e da elite dominante de suprimir a discussão pública sobre as raízes do atentado terrorista e, especialmente, encobrir o papel que o estado e os partidos políticos, tanto na Nova Zelândia quanto ao redor do mundo, tiveram para criar as condições para o desenvolvimento do fascismo.

Não são a internet e as redes sociais que criaram uma audiência para a ideologia fascista e estimularam atos de violência, mas, sim, a agitação sistemática da xenofobia anti-imigração por parte dos governos há décadas, em particular a difamação dos muçulmanos como parte da falsa guerra contra o terror dos EUA.

A proibição do manifesto tem o objetivo de impedir a discussão do fato de que muitos dos pontos de vista de Tarrant não são muito diferentes daqueles encontrados em governos e parlamentos em todo o mundo. O manifesto contém uma retórica anti-imigrante e racista muito semelhante à utilizada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que Tarrant saúda como um “símbolo da renovação branca”. Tarrant repetidamente descreve os imigrantes como “invasores”, a mesma palavra utilizada por Trump para estimular a violência contra refugiados. O discurso anti-muçulmano de Tarrant também se assemelha à retórica política dos partidos de extrema direita em toda a Europa, bem como do partido Uma Nação da Austrália e do partido Nova Zelândia Primeiro, que faz parte do governo liderado pelos trabalhistas em Wellington.

Como Tarrant, o líder do NZ Primeiro, Winston Peters, tentou aumentar a ansiedade sobre a “substituição” de neozelandeses por imigrantes, especialmente muçulmanos e asiáticos.

A proibição abre caminho para que o Estado da Nova Zelândia suprima outras publicações políticas, especialmente de esquerda e marxistas, que foram fortemente censuradas na Primeira Guerra Mundial e na Segunda Guerra Mundial. À medida que a crise econômica mundial acelera e a Nova Zelândia se alinha mais de perto com as ameaças dos EUA contra a Rússia e a China, o massacre de Christchurch tem sido utilizado para justificar a censura.

Após o atentado terrorista, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, denunciou “todo tipo de extremismo”, enquanto o primeiro-ministro australiano Scott Morrison defendeu a repressão ao “extremismo da direita e da esquerda”. Exigências estão sendo feitas para que conteúdos “extremistas” sejam removidos do Facebook, que já censurou o World Socialist Web Site e muitos sites de esquerda.

Longe de impedir a circulação do manifesto entre seu público-alvo, a proibição só aumentará seu apelo nos círculos de supremacistas brancos ao redor do mundo. Shanks admitiu à TVNZ que sua decisão daria ao documento “prestígio e atração” entre os integrantes desses círculos.

A legalidade da proibição não é de todo clara. A Nova Zelândia não tem nenhuma lei específica contra o “discurso de ódio” e livros como o Mein Kampf de Hitler podem ser distribuídos. Segundo a Lei da Declaração de Direitos (1990), “Toda pessoa tem direito à liberdade de expressão, incluindo a liberdade de buscar, receber e transmitir informações e opiniões de qualquer natureza.” Os direitos estão “sujeitos a apenas tais limites razoáveis prescritos por lei como podem ser comprovadamente justificados em uma sociedade livre e democrática”.

De acordo com a Lei de Classificação, uma publicação pode ser classificada como censurável e efetivamente proibida “se ela .. trata de temas como sexo, horror, crime, crueldade ou violência de tal maneira que a disponibilidade da publicação possa ser prejudicial ao bem público”. A decisão fica a critério do censor chefe e sua equipe.

Justificando sua proibição, Shanks disse que, além de possuir uma ideologia odiosa, o manifesto de Tarrant era “material promocional terrorista” que exortava outros atos de violência contra grupos e indivíduos específicos. Falando à TVNZ, Shanks rejeitou os argumentos de que o público deveria ter o direito de ter acesso ao manifesto para ajudar a entender a pior atrocidade terrorista da Nova Zelândia. “Este é um lugar muito pobre para tentar entender o que aconteceu”, ele disse.

Jornalistas e pesquisadores que queiram estudar o documento devem solicitar ao “Escritório de Classificações” uma “permissão” para acessá-lo por um tempo limitado, que é determinado pelo censor. Em um ameaçador comunicado de imprensa, Shanks disse que “o uso de trechos em reportagens da mídia não pode, por si só, constituir uma violação da [Lei], mas considerações éticas certamente serão aplicadas. Um cuidado real deve ser tomado ao publicar notícias sobre essa publicação, uma vez que a divulgação generalizada na mídia ... era claramente o que o autor estava apostando, a fim de espalhar sua mensagem.” Esta declaração tem o objetivo de intimidar qualquer um que pretenda noticiar o conteúdo do manifesto, que será marcado como alguém ajudando o terrorista de extrema direita.

Um porta-voz da Coalizão de Liberdade de Expressão da Nova Zelândia, o advogado Stephen Franks, denunciou a proibição como “um uso totalmente impróprio dos poderes de censura”. A Coalizão pediu que “cada cidadão” possa ter o direito de “se envolver, ouvir, ler e rejeitar o mal por conta própria”. Poucos jornalistas também se opuseram à proibição. O Partido Verde, que faz parte do governo de coalizão, permaneceu em silêncio, assim como as organizações de pseudo-esquerda.

A maioria dos comentaristas na mídia elogiaram a decisão de Shanks. Um editorial do Christchurch Press rejeitou o argumento de que a proibição “sufoca o debate sobre o atirador, seus motivos e como os futuros maus atores podem ser detidos”. Ele declarou: “O debate não é pior porque não podemos mais possuir ou distribuir o documento. Seu conteúdo é bem compreendido pelo público.”

Isso é completamente falso. De fato, a mídia tem desempenhado um papel importante em encobrir o significado do manifesto. O documento, por exemplo, deixa claro que Tarrant é um fascista altamente consciente, simpático a certos políticos de extrema direita e possui conexões internacionais a muitos grupos nacionalistas. Ele não é um “lobo solitário”, como é afirmado pelo governo e por grande parte da mídia.

O manifesto também revela a simpatia de Tarrant por militares e policiais e afirma que centenas de milhares de pessoas nas forças armadas europeias estão em grupos nacionalistas. Esta passagem, que levanta questões extremamente sérias sobre se Tarrant teve alguma assistência de membros dessas agências estatais, não recebeu nenhuma atenção da mídia neozelandesa ou australiana. Grupos fascistas floresceram em ambos os países sem o impedimento da polícia e das agências de inteligência, que ignoraram os repetidos alertas de violência neonazista nos anos que antecederam o atentado de Tarrant.

Houve um completo silêncio na mídia sobre as ameaças de Tarrant contra os marxistas e os comunistas, que reforça que o fascismo é uma ferramenta utilizada pela burguesia para esmagar a classe trabalhadora, especialmente seus elementos socialistas mais conscientes. A supressão do manifesto tem o objetivo de encobrir o fato de que, embora o fascismo ainda não seja um movimento de massas, à medida que os trabalhadores e a juventude entram em luta contra a austeridade e a guerra, a classe capitalista recorrerá cada vez mais às forças fascistas para tentar defender seu domínio.

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