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Políticos e imprensa pedem por militarização das escolas e censura após tiroteio em escola brasileira

Publicado originalmente em 21 de Março de 2019

No Brasil, um dos países mais desiguais e violentos do mundo, a população ficou chocada na quarta-feira da semana passada com a brutalidade de um tiroteio em uma escola na cidade de Suzano, que faz parte da região industrial ao redor de São Paulo. Dois ex-alunos da Escola Estadual Raul Brasil, um de 17 e outro com 25 anos de idade, abriram fogo durante o intervalo, matando cinco estudantes e duas funcionárias da escola. Depois, o mais jovem atirou em seu cúmplice e se matou enquanto a polícia chegava.

Logo se descobriu que um assassinato minutos antes, do tio do adolescente, havia iniciado o massacre. Nesta semana, a polícia anunciou a detenção preventiva de outro jovem de 17 anos, acusado de ajudar a organizar o massacre.

Conforme as investigações da polícia e da mídia sobre os motivos do massacre e os perfis dos atiradores começaram a aparecer, rapidamente ficou claro que os dois jovens haviam sofrido uma profunda alienação social e marginalização durante grande parte de suas vidas. Apesar da diferença de idade, eles eram amigos desde criança e passavam grande parte do tempo juntos em uma lan house local jogando vídeo game, principalmente jogos de tiros, segundo funcionários ouvidos pelos investigadores, assim como a maioria daqueles que frequentam o estabelecimento.

Enquanto o atirador mais velho, Luiz Henrique de Castro, tinha se formado na escola, o adolescente, Guilherme Taucci de Monteiro, a havia abandonado um ano atrás, dizendo aos pais e avós, com quem vivia, que não conseguia aguentar o sentimento de estranheza e exclusão social. Sua família, ela própria sob considerável estresse social por sua mãe estar desempregada há dois anos e também ser viciada em drogas, foi incapaz de ajudar. As condições afligindo sua família são comuns na cidade, que fica no centro da faixa desindustrializada ao extremo-leste da região metropolitana de São Paulo, na qual 25% das famílias recebem auxílios governamentais devido à pobreza, além de a indústria e o comércio estarem enfrentando uma lenta recuperação depois de um colapso de 43%.

De acordo com familiares, além do longo acúmulo de angústia e aflição de Monteiro, a morte da sua avó três meses atrás o mergulhou no que parecia ser uma severa depressão.

Muitas evidências, incluindo postagens nas redes sociais, também mostraram que os atiradores se aproximaram cada vez mais de meios de extrema direita, incluindo de defensores online da violência policial generalizada no Brasil e instigadores de ameaças violentas contra figuras públicas associadas com a esquerda, além daquelas na mira do próprio presidente fascista Jair Bolsonaro.

Em algum ponto, Monteiro começou a adotar símbolos neonazistas americanos, incluindo a balaclava de caveira que vestiu quando invadiu a Escola Raul Brasil, e que é utilizada por membros da “Divisão Atomwaffen” neonazista nos Estados Unidos. Uma linha ativa de investigação está sendo seguida sobre qual era a extensão em que os atiradores estavam envolvidos com “chans” da “dark web” – como aqueles utilizados pelo terrorista fascista de Christchurch na Nova Zelândia, onde, depois do massacre, monitores detectaram não apenas mensagens de comemoração, mas também o surgimento de mensagens atribuídas aos atiradores brasileiros.

Nas reações oficiais de autoridades e da mídia, as questões sociais mais amplas foram ignoradas. Para elas, nenhuma palavra era necessária sobre o apartheid social brasileiro que está provocando níveis de mortes de jovens comparáveis a uma guerra civil através das “guerras do tráfico”, incontáveis assassinatos policiais patrocinados pelo estado e o aprisionamento de 700 mil pessoas, que vivem com medo constante de serem decapitadas em outra revolta nas verdadeiras masmorras que constituem o sistema prisional do país.

Enquanto as autoridades municipais e estaduais publicaram imediatamente declarações simbólicas de condolências, o presidente fascista Jair Bolsonaro levou seis horas para postar uma declaração nas redes sociais, chamando previsivelmente o massacre de “uma monstruosidade e covardia sem tamanho”. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, publicou uma declaração descompromissada em que alegou absurdamente que “violências como essa não fazem parte da nossa cultura”.

Ao mesmo tempo, no Congresso, políticos reduziram o massacre às questões do controle das armas ou de armar os professores. Líderes e membros do Congresso do PT e do PSOL, agindo com a mentalidade de pequenos burocratas do Estado, publicaram declarações pedantes, temperadas com psicanálise barata, sobre ser necessário “dar um basta ao culto da violência, que apresenta armas como ‘ideal de força’”.

Muito mais significativa, entretanto, foi a reação falida e reacionária do que se passa por imprensa “progressista”, conforme expresso nas páginas de opinião da Folha de S. Paulo, onde o consenso era de que fazer reportagens sobre o assunto apenas encorajava tragédias futuras, e que tentar refletir sobre questões subjacentes mais amplas como a desigualdade, o desemprego e as relações de maneira geral violentas sob o capitalismo era uma distração dos problemas do “patriarcado” e do “privilégio”, assim como do “sofrimento das vítimas”.

Tais opiniões foram expressas contra o sinistro pano de fundo de uma declaração pelo Ministério Público de São Paulo, anunciando que está buscando acusar qualquer um envolvido no ataque de terrorismo, aplicando com toda a força a draconiana lei antiterrorismo de 2016 aprovada pelo PT. A medida criaria um precedente para uma caça às bruxas a centenas de milhares de pessoas compartilhando, de uma forma ou de outra, material relacionado a armas que o Ministério Público considerasse similar àquele compartilhado pelos atiradores.

Expressando o giro à direita da classe média alta, o crítico cultural Nelson de Sá reagiu rapidamente à tragédia com a linguagem inconfundível própria do movimento “#MeToo”, escrevendo: “O maior aprendizado por que passou o jornalismo americano e que segue em falta no Brasil é a identificação dos protagonistas nas tragédias: as vítimas”. Em outras palavras, qualquer tentativa de entender o que motivou dois jovens a matar outros e então tirar suas próprias vidas é proibida, e o público deve aceitar que tais tragédias simplesmente acontecem.

Outro texto reacionário foi escrito pela ombudsman do jornal, que ganhou notoriedade durante a eleição por criticar o conselho editorial da Folha por não classificar Bolsonaro como um político de extrema direita. Defendendo a linha de raciocínio de Sá, ela relacionou a tragédia de Suzano com o ataque de Christchurch, perguntando retoricamente sobre o manifesto do fascista australiano: “Qual a importância de publicar avaliação amadorística sobre os efeitos da mestiçagem no desenvolvimento [nacional]?” Em outras palavras, o público brasileiro não deve ser alertado do perigo fascista internacional.

Outro texto de alta visibilidade publicado pela Folha foi um artigo do New York Times de 2018 de autoria de Frank Bruni que culpa a internet por todas as tragédias desse tipo – assim como a eleição de Bolsonaro – e conclui com um chamado à censura: “não sei exatamente como poderemos enquadrar o livre discurso e a liberdade de expressão – que é primordial – com um policiamento melhor da internet, mas estou certo de que devemos abordar esse desafio com mais urgência do que vem sendo o caso até agora. A democracia está em jogo. E vidas também.”

Essas camadas privilegiadas, com total desprezo pelo público em geral e pela classe trabalhadora em particular, estão se deslocando cada vez mais para a direita. Elas estão atemorizadas que essas tragédias supostamente incompreensíveis estejam pressionando amplas camadas da população a ver e reagir contra o todo da irracionalidade capitalista, conforme mostrado pela enorme demonstração de solidariedade aos jovens e crianças mortos.

Quinze mil pessoas participaram do velório coletivo das vítimas. Em relação aos atiradores, um pai de uma vítima disse à imprensa: “Não tenho nem que pensar em perdoar. São duas crianças também”. Ele acrescentou: “A solução começa na família, mas se as famílias não receberem suporte, como a gente vai fazer?”

O exército de pseudo-esquerdistas pequeno-burgueses das políticas de identidade está determinado a suprimir tais questões. Sua resposta profundamente reacionária inclui a asserção pelo Vice News que o ataque era típico de homens que “se sentem injustiçados por não receberem o que lhes foi prometido: um emprego importante, salários altos e sexo com mulheres lindas.”

Da mesma forma, Marcelo Hailer, da Revista Fórum, afirmou que “A masculinidade assassinou os estudantes de Suzano”, acrescentando que ela “promete um mundo de conquistas aos homens heterossexuais”.

Nunca ocorre a esses misantropos que muito mais do que “um mundo de conquistas” está faltando para milhões de jovens – particularmente em cidades desindustrializadas como Suzano. Cada vez mais, a conclusão lógica dessa interpretação pseudo-esquerdista da tragédia coincide com aquela da extrema direita – os jovens que executaram os assassinatos eram “monstros”.

Uma ruptura com tal visão reacionária e com as organizações de pseudo-esquerda que as promovem é cada vez mais urgente, conforme a extrema direita procura alcançar abertamente jovens no Brasil e internacionalmente antecipando grandes batalhas de classe, e o governo Bolsonaro busca reunir uma base de extrema direita fazendo apelos constantes para que pais, e mesmo estudantes, denunciem a “doutrinação marxista” por professores nas escolas e universidades.

Essa campanha está sendo coordenada em estreita colaboração com a extrema direita internacional. Isso foi expresso na visita de Bolsonaro aos EUA, que incluiu encontros com Steve Bannon e o charlatão fascista radicado na Virgínia, Olavo de Carvalho.

Apoiados por poderosos patrocinadores corporativos, direitistas apoiando essa campanha já empurraram o PT e a pseudo-esquerda para fora de duas importantes organizações estudantis, no Rio Grande do Sul e em Brasília, enquanto os apoiadores de Bolsonaro acabam de concluir seu primeiro “Encontro da União Nacional dos Estudantes Conservadores”, exaltando os assassinos da ditadura militar e prometendo aumentar a caça às bruxas contra o socialismo.

Não há dúvida de que tal campanha fascista teve seu papel em canalizar a alienação social dos dois atiradores para tal comportamento antissocial extremo.

A tragédia de Suzano expôs a atitude evasiva e descompromissada do PT e seus satélites em relação à questões mais amplas, o que em si facilitou a perseguição das autoridades ao socialismo. Apesar de alegarem ser uma oposição “antifascista” a Bolsonaro, essas organizações nunca perderam uma oportunidade de responder aos discursos raivosos e às ameaças da extrema direita feitos por Bolsonaro e seus apoiadores se dissociando completamente do socialismo.

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