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Centenas de motoristas da Uber e Lyft entram em greve em Los Angeles

Publicado originalmente em 27 de Março de 2019

Na segunda feira, 25 de março, centenas de motoristas da Uber e Lyft em Los Angeles realizaram uma greve de 25 horas contra as precárias condições de trabalho e a redução salarial planejada pelos aplicativos. Organizada pelo grupo “Rideshare Drivers United”, a paralisação aconteceu depois do anúncio recente da Uber de reduzir em 25% o valor da milha (1,6 km) pago aos motoristas em Los Angeles e parte do condado de Orange.

Os motoristas querem o cancelamento do corte de 25% e a implementação de uma taxa mínima de 27,86 dólares (107,97 reais) por hora. Eles também estão exigindo que as comissões de carona compartilhada sejam limitadas a 10% por viagem, que padrões de emissão sejam instaurados para todos os próximos veículos adicionados à plataforma, que haja um limite no número total de veículos operando em uma dada área e que uma sobretaxa na tarifa seja implementada indexada ao custo do combustível.

A redução do valor da milha pela Uber reduziria o valor pago aos motoristas de 80 para 60 centavos de dólares (de 3,10 reais para 2,33 reais) por milha. Os motoristas também estão revoltados porque só foram avisados da redução do valor da milha uma hora antes do anúncio público. As taxas pagas para os motoristas do aplicativo concorrente, Lyft, em Los Angeles não são reajustadas há mais de 12 meses.

O “Rideshare Drivers United” estima que existem mais de 100 mil motoristas de aplicativos apenas em Los Angeles. Para aproximadamente 30 mil deles, esse serviço é a principal ou a única fonte de renda.

Em setembro do ano passado, a Uber havia aumentado o valor pago por milha para 80 centavos de dólar (3,10 reais). A empresa justificou a redução do valor da milha em uma declaração de imprensa que essencialmente dizia aos motoristas que eles sempre podem compensar a redução da milha trabalhando mais. Segundo a declaração, “essas mudanças vão tornar os valores pagos comparáveis aos de setembro, enquanto darão aos motoristas mais controle sobre como ganham ao permiti-los construir um modelo que melhor se encaixa na agenda deles”.

No ano passado, a cidade de Nova York aprovou um salário mínimo de 17,22 dólares (66,73 reais) por hora para os motoristas da Uber. Em 2018, vários motoristas de táxi se suicidaram após serem jogados na ruína financeira, um resultado do crescimento das empresas de transporte por aplicativo, que lucram enormemente explorando ainda mais os trabalhadores, com baixos salários e jornada de trabalho temporária.

Nova York também limitou as licenças de veículos para novos motoristas de aplicativos, uma medida que deve expirar em agosto. No entanto, a Uber entrou com uma ação em fevereiro esperando derrubar o limite antes de agosto. A Lyft, que foi saudada pela mídia como uma opção mais favorável aos trabalhadores em relação à Uber, também entrou na justiça em fevereiro contra a lei que instituiu o salário mínimo para os motoristas de aplicativo.

Ambas as empresas estão disputando o controle do mercado global de transporte por aplicativo.

Ao mesmo tempo que seus motoristas entram em greve e protestam em Los Angeles, a Uber anunciou que fecharia um acordo de 3,1 bilhões de dólares (12 bilhões de reais) nesta semana para adquirir a Careem Networks, com sede em Dubai, para expandir seus negócios no Oriente Médio. Essa aquisição ocorre após a Uber comprar

37% das ações da subsidiária russa Yandex, 28% da Grab do Sudeste Asiático e 20% da Didi Chuxing da China. Espera-se que a Uber realize sua oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) de ações na bolsa ainda em abril.

A concorrente Lyft abrirá seu capital na bolsa na sexta-feira, 29 de março. Espera-se que outras empresas gigantes de tecnologia sigam o exemplo da Lyft e da Uber, como o Pinterest, Postmates e Slack.

Investimentos de capital de risco dos EUA alcançaram um recorde histórico de 130 bilhões de dólares em 2018. Ao mesmo tempo, 83% das empresas listadas nos EUA de fato perderam dinheiro no ano anterior ao de suas estreias na bolsa, um outro recorde histórico. O recorde anterior havia sido alcançado em 2000 quando a bolha ponto-com estourou. A Lyft perdeu 1 bilhão de dólares em 2018, enquanto a Uber opera com uma perda quase igual devido em parte a massivos investimentos em veículos autônomos assim como aquisições de empresas de transporte por aplicativo concorrentes.

Ainda assim, os executivos da Uber e Lyft ganharão milhões de dólares ou mais com suas respectivas aberturas de capital na bolsa. Apenas no caso da Lyft, avalia-se que inicialmente seu valor de mercado chegue a 23 bilhões de dólares (89 bilhões de reais), e espera-se que os co-fundadores, Logan Green e John Zimmer, ganhem centenas de milhões de dólares cada.

As fortunas acumuladas por uma pequena camada de executivos e investidores contrasta com as condições vividas pelos motoristas dos aplicativos.

O motorista da Uber nos EUA, por exemplo, ganha em médica apenas 9,21 dólares (35,69 reais) por hora, de acordo com um relatório publicado pelo Instituto de Política Econômica em maio de 2018. Descontando os gastos com combustível, o custo do carro e os gastos com manutenção, o motorista recebe em média apenas 3 dólares (11,63 reais) por hora. Motoristas têm relatado que não ganham o bastante para pagar o aluguel e são obrigados a permanecer sem teto mesmo trabalhando.

A fim de reduzir a raiva crescente em relação aos baixos salários, a Uber ofereceu algumas opções de ações de longo prazo para os motoristas antes da IPO; no entanto, essa iniciativa é quase totalmente insignificante, pois apenas 4% dos motoristas da Uber continuam dirigindo para a empresa após apenas um ano nessa função.

O crescimento de empresas como Uber, Lyft, Task Rabbit, Airbnb e Postmates é parte de uma tendência geral no mercado de trabalho estadunidense e mundial. Benefícios como seguro de saúde, férias pagas, aposentadorias são considerados incompatíveis com os lucros das empresas de tecnologia, que utilizam modernas tecnologias, como smart phones e GPS para precarizar ainda mais a força de trabalho.

Nas últimas duas décadas, o trabalho terceirizado e temporário tem aumentado de maneira significativa. Uma pesquisa recente da NPR Marist descobriu que mais de 20% da força de trabalho estadunidense, ou 30 milhões de pessoas, pode ser classificada como autônoma, o que representa aproximadamente o dobro de trabalhadores autônomos em relação a 2005. Um pouco mais da metade dos trabalhadores autônomos recebe plano de saúde de seus empregadores.

A luta dos motoristas da Lyft e Uber é mais do que justificável e deve ser realizada de maneira unificada contra as gigantes empresas de tecnologia. Entretanto, essa luta precisa ser organizada independentemente dos sindicatos, que apenas buscam utilizar as organizações criadas pelos trabalhadores para aumentar suas receitas ao invés de defender os trabalhadores contra as empresas.

A experiência dos caminhoneiros como trabalhadores autônomos, desde o final dos anos 1970, deve ser encarada como uma importante lição para os motoristas de aplicativos. Durante todo esse tempo, o Teamsters e outros sindicatos representando os caminhoneiros não fizeram nada para lutar contra o grande número de horas de trabalho e as condições de pobreza vividas pelos caminhoneiros, apesar do importante papel deles na indústria de logística e na economia como um todo. A tarefa crucial para os motoristas da Uber e Lyft é expandir suas lutas para incluir os caminhoneiros, trabalhadores automotivos, trabalhadores do setor de tecnologia e a classe trabalhadora como um todo.

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