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Perspectivas

O “socialismo” nacionalista de Bernie Sanders

Publicado originalmente em 6 de Maio de 2019

Nas etapas iniciais da campanha eleitoral de 2020, o senador de Vermont, Bernie Sanders, realizou uma significativa guinada para a direita. Ele adotou completamente o nacionalismo econômico e procurou torná-lo um pilar de sua campanha para a indicação à presidência pelo Partido Democrata. Essa é uma posição profundamente reacionária e demonstra o abismo intransponível entre Sanders, que se considera um “socialista democrático”, e o genuíno socialismo, que está indiscutivelmente comprometido com a unidade internacional da classe trabalhadora.

Karl Marx, o fundador do socialismo científico, proclamou há muito tempo que o trabalhador não tem país. Mas Bernie Sanders assume a posição oposta, defendendo os interesses nacionais do imperialismo dos EUA. Seu país é o de Wall Street, do Pentágono, da CIA e das empresas estadunidenses.

Na semana passada, Sanders atacou o ex-vice-presidente Joe Biden, um de seus principais opositores à indicação à presidência pelo Partido Democrata, denunciando sua sugestão de que os Estados Unidos não precisam se preocupar com a possibilidade de empresas chinesas derrotarem empresas estadunidenses no mercado mundial. “Eles não são malvados”, disse Biden. “Mas adivinhem, eles não são páreos para nós.”

Biden estava defendendo uma versão ligeiramente diferente do chauvinismo reacionário, que é uma característica da política capitalista estadunidense. “Não se preocupem, podemos vencê-los facilmente”, ele ostentou.

Sanders se opôs a Biden em um tuite: “Desde o acordo comercial com a China [em 2000] que eu votei contra, os EUA perderam mais de 3 milhões de empregos industriais. Está errado fingir que a China não é um dos nossos principais concorrentes econômicos. Quando estivermos na Casa Branca, venceremos essa competição consertando nossas políticas comerciais.”

Sanders, portanto, posiciona-se como defensor dos trabalhadores estadunidenses em um conflito com os trabalhadores chineses em relação aos empregos industriais. O assim chamado “socialista” chegou ao ponto de criticar o presidente Trump em um comício em 13 de abril por supostamente adotar uma linha muito branda com a China nas atuais negociações comerciais. “Por uma vez em sua vida”, disse Sanders, “cumpra suas promessas de campanha ... volte para o que foi planejado.”

Em 29 de abril, Sanders lançou sua plataforma comercial, solicitando a renegociação de todos os acordos comerciais dos EUA e exigindo que a China seja considerada uma manipuladora de moeda, algo que sucessivas administrações dos EUA ameaçaram fazer, incluindo a de Trump, mas nunca cumpriram, pois a China é o maior detentor de títulos do governo dos EUA.

Depois de divulgar seu plano comercial, Sanders disse: “Precisamos de um presidente que realmente lute pelos trabalhadores estadunidenses, que cumpra suas promessas e enfrente as gigantescas corporações que fecham fábricas para enviar empregos para o exterior”. Essas palavras poderiam ter sido ditas pelo próprio Trump.

Sanders sempre foi um nacionalista econômico, se opondo ao NAFTA e a outros acordos comerciais do ponto de vista da burocracia sindical, que procura convencer os trabalhadores estadunidenses que os trabalhadores mexicanos são seus inimigos, “roubando [seus] empregos”.

Dessa forma, os políticos capitalistas e os dirigentes sindicais procuram dividir a classe trabalhadora em nacionalidades, colocando trabalhadores nos Estados Unidos contra os do Canadá e do México, assim como na China, Japão e Europa, e incitando uma corrida sem fim à medida que os trabalhadores são intimidados a aceitar uma redução nos salários, cortes de benefícios e a precarização das condições de trabalho cada vez maiores, alegando que isso é a única coisa que se pode fazer para evitar que os empregadores se mudem para o exterior.

Porém, a única alternativa contra isso é a luta para unir a classe trabalhadora em uma base internacional, em uma luta comum contra as corporações multinacionais, os vários estados capitalistas e o capitalismo global como um todo. Nessa luta, o proletariado chinês, o maior do mundo, é objetivamente um grande aliado da classe trabalhadora estadunidense, enfrentando duras batalhas contra alguns dos mesmos gigantes corporativos transnacionais que exploram os trabalhadores estadunidenses.

Na campanha eleitoral de 2020, a defesa de Sanders do nacionalismo econômico faz parte de um esforço sistemático de sua parte para demonstrar à classe dominante que ele é um instrumento confiável para sua política externa imperialista e neocolonialista, ajudando a promover uma febre anti-China e se alinhar (com pequenas reservas) à operação de mudança de regime de Trump na Venezuela.

Um perfil recente na revista New Yorker relatou Sanders recrutando um grupo de assessores de política externa retirados do mundo dos think tanks imperialistas, na maior parte indivíduos punidos pelo fracasso das guerras no Iraque, Afeganistão e Síria, e, portanto, mais cautelosos em relação ao envio de militares dos EUA ao exterior. Esses assessores incluem Robert Malley, que coordenou a política do Oriente Médio para o Conselho de Segurança Nacional no governo Obama; Suzanne DiMaggio, do Carnegie Endowment for International Peace; e Vali Nasr, reitor da Escola de Estudos Avançados Paul H. Nitze da Universidade Johns Hopkins (e herdeiro de uma família intimamente ligada ao Xá do Irã).

O perfil da New Yorker observa astutamente: “Talvez meia dúzia de pessoas, talvez menos, podem de fato se imaginarem como o próximo Presidente dos Estados Unidos, e Sanders é o caso com as maiores chances, tirando o atual presidente. No momento, as pressões do poder parecem estar funcionando sobre ele; a figura de pregador de fogo está sendo retirada, e ele está tocando notas de cautela.”

Nos últimos nove meses, o World Socialist Web Site denunciou o tributo de Sanders ao falcão de guerra John McCain; sua celebração da decisão de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, de pagar aos trabalhadores da Amazon uma miserável quantia de US$ 15 por hora (em muitos casos, um corte salarial por causa da perda de outra compensação); seu apoio às provocações dos EUA contra a Venezuela; seu alarde em ser o melhor construtor do Partido Democrata; sua oposição, junto com Trump, às “fronteiras abertas” e seu alerta de que a chegada de refugiados empobrecidos ameaçaria os padrões de vida dos trabalhadores estadunidenses; e seu silêncio público criminoso sobre a prisão pela polícia britânica do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que agora enfrenta a possibilidade de ser extraditado para os Estados Unidos e ser condenado a pena de morte por espionagem e conspiração.

O nacionalismo de Sanders e seu apoio à política externa da classe dominante estadunidense expõem o caráter fraudulento de seu suposto “socialismo”. É impossível se opor à “classe bilionária” em casa enquanto apoia sua política no exterior. A guerra – e essa é a extensão lógica das exigências de Sanders de uma política econômica agressiva contra a China – é inevitavelmente acompanhada de repressão interna e reação social.

Os Socialistas Democráticos dos EUA (DSA, na sigla em inglês), a revista Jacobin, a Socialist Alternative e o resto dos defensores da pseudo-esquerda de Sanders saúdam sua candidatura com o objetivo de reviver a “esquerda” nos EUA – ou seja, reviver o Partido Democrata pintando-lhe de “esquerda”. O Partido Socialista pela Igualdade alerta os trabalhadores e a juventude que a campanha eleitoral de Sanders em 2020, como a sua anterior há quatro anos, tem o objetivo de aprisionar o movimento da classe trabalhadora dentro dos limites desse partido capitalista de direita e bloquear o surgimento de um genuíno movimento político de massa independente dos trabalhadores, que lute por um programa socialista e contra a guerra.

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