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Perspectivas

Casa Branca e Google lançam guerra tecnológica contra China

Publicado originalmente em 21 de Maio de 2019

Na segunda-feira, o Google, o monopólio de pesquisas na internet e softwares para smartphones, anunciou que bloquearia o acesso de telefones da Huawei a partes críticas do sistema operacional Android, o que na prática terminaria os negócios da Huawei fora da China.

Além dessa medida, as fabricantes de hardware estadunidenses Qualcomm, Broadcom e Intel anunciaram que não venderiam mais componentes para a empresa chinesa, sem os quais ela não conseguiria produzir quaisquer smartphones de sua linha atual ou sistemas de infraestrutura de TI.

Essas ações ocorreram depois que o Departamento de Comércio dos EUA adicionou a Huawei a sua “lista de entidades restritas” sob o pretexto de que ela estava “envolvida em atividades que são contrárias à segurança nacional dos EUA ou a seus interesses de política externa.”

As empresas acataram a medida explicitamente protecionista de Trump, que terá sérias consequências para seus próprios negócios, sem protestar. Quaisquer que sejam os problemas que as empresas venham a ter com a guerra comercial de Trump, eles serão mais do que compensados pelo favorecimento do governo estadunidense e pela garantia de tratamento regulatório preferencial, além de lucrativos contratos militares de bilhões de dólares.

Huawei anuncia o smartphone dobrável Mate X em fevereiro

Em um apreensivo editorial, que refletia a hesitação da classe dominante britânica sobre a guerra dos EUA contra a Huawei, o Financial Times não economizou palavras. Os EUA estariam com medo de que a “tecnologia [chinesa] possa superar a estadunidense”, escreveu o jornal. O Financial Times concluiu de maneira clara: “De fato, os passos dos EUA parecem ser parte de uma tentativa de conter a ascensão chinesa”.

Com as vendas de telefones da Apple e Samsung caindo rapidamente, a Huawei estava prestes a se tornar a maior vendedora de smartphones até o final do ano, além de ser a maior provedora global de equipamentos de telecomunicação 5G.

Ao longo de apenas alguns anos, a Huawei se tornou a empresa mais dinâmica no altamente competitivo e lucrativo mercado global de smartphones. Suas vendas de telefones cresceram 50% ao longo dos últimos 12 meses.

A Huawei não apenas tem produzido a câmera de telefone mais bem avaliada por duas gerações consecutivas, de acordo com o DxOMark. Com o lançamento problemático do smartphone dobrável Galaxy Fold da Samsung, a Huawei também esta prestes a iniciar as vendas em massa do primeiro telefone que se transforma em tablet, dominando um segmento de mercado que a Apple, a anterior líder da indústria, nem mesmo tentou entrar.

Entretanto, a inclusão da Huawei em uma lista negra pela administração Trump, e a cooperação do Google e de outras grandes empresas de tecnologia, significará na prática a destruição da Huawei como uma competidora no mercado global de smartphones. Mesmo que seja capaz de produzir telefones sem depender de componentes vendidos por empresas estadunidenses, eles estarão restritos ao mercado chinês. As medidas tomadas pelos EUA, disse um analista ao Financial Times, “provavelmente custarão para a Huawei todas as suas vendas fora da China”.

Ninguém sabe quais serão as consequências desse novo ataque na guerra comercial global. O desenvolvimento da internet e o lançamento da economia de aplicativos pela Apple em 2007 ocorreu durante um período de globalização e integração internacional. Entretanto, a internet e a indústria de tecnologia global estão se tornando fragmentadas sobre as fronteiras nacionais em meio ao crescimento do protecionismo e da guerra comercial.

Em um claro alerta sobre as potenciais implicações do colapso das relações entre EUA e China, o Morgan Stanley previu que, apesar de uma flexibilização da política monetária pelo Fed, o banco central dos EUA, a ação contra a Huawei provavelmente resultaria em uma “recessão completa” nos Estados Unidos.

O anúncio pela Casa Branca na semana passada de novas restrições contra a Huawei e fato do Google ter concordado com elas ocorre depois do fracasso quase total dos esforços dos EUA em impedir seus aliados de comprarem equipamentos de comunicação da Huawei. O Reino Unido, Alemanha, Índia e vários outros países rejeitaram os esforços de Washington para forçá-los a banir equipamentos de telecomunicação 5G da Huawei, que são universalmente considerados superiores aos seus competidores ocidentais.

Em resposta, os EUA simplesmente aumentaram sua ofensiva, levando ao que foi “na prática o início de uma guerra fria tecnológica”, disse um analista ao Financial Times. O New York Times chamou a ação do início de uma “cortina de ferro digital”.

A grande e súbita intensificação da guerra comercial entre os EUA e a China foi uma surpresa para muitos. “A ação da administração Trump é muito maior do que muitos chineses esperavam”, disse um analista ao Times. “... Também aconteceu muito mais cedo. Muitas pessoas perceberam somente agora que é pra valer”.

O crescente conflito entre os Estados Unidos e a China gira em torno de esforços dos EUA para impedir a entrada das corporações chinesas nos segmentos de manufatura de alto valor previamente dominados pelos EUA e membros da União Europeia, como a Alemanha. No ano passado, a administração Trump reduziu a duração dos vistos para pós-graduandos chineses estudando robótica, aviação e manufatura de alta tecnologia. Ao mesmo tempo, um grupo de congressistas está pressionando para que aumente ainda mais as restrições sobre os vistos de estudantes chineses.

O vice-presidente dos EUA, Mike Pence

Em novembro, o vice-presidente Mike Pence anunciou o que muitos chamaram de uma nova Guerra Fria entre os Estados Unidos e a China, exigindo que a China abandonasse seus esforços para entrar nas “mais avançadas indústrias do mundo, incluindo a robótica, biotecnologia, e a inteligência artificial”, que ele chamou de “pontos alto dominantes da economia do século XXI”.

Desde então, negociadores estadunidenses e chineses haviam discutido intensivamente um possível acordo para parar a agressiva guerra comercial. Mas as discussões desmoronaram, uma vez que se tornou claro para os negociadores chineses que os Estados Unidos estavam exigindo o que a China não poderia oferecer: o verdadeiro desmonte do seu setor de manufatura de alta tecnologia.

Comentando sobre o anúncio da semana passada, o China Daily declarou: “Com seu tratamento da Huawei, o governo dos EUA revelou toda a sua feiura na forma de lidar com outros países: seu despotismo como a única superpotência do mundo, sem qualquer respeito pelas regras, sua intimidação e falta de respeito pela dignidade dos seus parceiros comerciais, sua postura arrogante com o resto do mundo e seu egoísmo e falta de vontade de aceitar que é um membro de uma comunidade maior.”

Mas poderia a classe dominante chinesa ter esperado um resultado diferente? O imperialismo estadunidense não hesitou em tornar a China a fábrica de mão de obra barata do mundo, extraindo bilhões de dólares do suor de seu proletariado. Os EUA, entretanto, não permitirão que a China se torne uma potência econômica ao seu nível e utilizará todo o seu poder – desde o seu papel dominante no sistema financeiro global, até a sua rede de alianças e a ameaça de uma guerra nuclear em escala total – para assegurar seu domínio global.

A tentativa dos EUA de destruir a Huawei é apenas o prelúdio do quão longe ele irá para garantir sua hegemonia mundial. O país que deu ao mundo Hiroshima, Vietnã e a Guerra do Iraque está disposto a destruir mais do que apenas empresas. Está agora colocando em sua mira um país de 1,4 bilhão de pessoas, com consequências potencialmente devastadoras para toda a humanidade. A China, apesar de todo o seu alardeado crescimento econômico, permanece um país oprimido na mira do imperialismo.

Esses acontecimentos deveriam acabar com os argumentos acadêmicos da moda de que as categorias do marxismo – imperialismo, monopólio, exploração e o conflito entre a economia global e o sistema de estado-nação – foram superadas. De fato, apenas essas ferramentas analíticas explicam a fragmentação da economia global no século XXI e o ressurgimento do “conflito entre grandes potências”.

O argumento central do marxismo contemporâneo, tornado muito claro no século XX, é de que a revolução socialista é a única maneira de evitar uma nova guerra mundial, impulsionada pela luta desesperada entre os estados-nação capitalistas por mercados, lucros e influência.

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