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As eleições europeias e o ressurgimento da luta de classes

Publicado originalmente em 30 de Maio de 2019

As eleições europeias revelaram o profundo descrédito do establishment político e sua incapacidade de satisfazer as crescentes exigências da classe trabalhadora por mudanças políticas.

Em toda a Europa, os partidos tradicionais colapsaram de maneira nunca antes vista, em meio à crescente revolta social e protestos contra as políticas de austeridade e militaristas que eles têm realizado desde a criação da União Europeia em 1992. A soma dos votos dos tradicionais partidos conservador e socialdemocrata caiu para apenas 43% na Alemanha, 23% no Reino Unido, 15% na França e 32% na Itália. Os partidos aliados de “esquerda” da socialdemocracia, como A Esquerda, na Alemanha, a França Insubmissa (LFI), de Jean-Luc Mélenchon, e o espanhol Podemos sofreram todos grandes derrotas.

Os principais beneficiários das eleições europeias, no entanto, foram os partidos de extrema direita, como o Partido Brexit e o neofascista Reunião Nacional, da França, ou os partidos liberais pró-UE e verdes ligados à socialdemocracia. O crescimento no voto para esses partidos não resolverá nenhum dos problemas que levaram dezenas de milhões de eleitores em toda a Europa a abandonar os partidos tradicionais.

O quadro da política burguesa europeia ainda se move implacavelmente para a direita. A aristocracia financeira europeia, cujas fortunas foram salvas após o crash de 2008 pelo crescimento da dívida pública financiada pela draconiana austeridade, têm acumulado vasta riqueza e poder. Em meio a explosivos conflitos geopolíticos e econômicos que estão minando as fundações do capitalismo europeu – com as ameaças de um ataque dos EUA ao Irã, a continuação da mobilização militar da OTAN na Europa do Leste contra a Rússia, as ameaças de guerra comercial dos EUA contra a China e a Alemanha e a iminente saída do Reino Unido da UE –, as potências imperialistas europeias estão construindo seus exércitos e máquinas policiais. Isso determina a evolução da extrema direita na política europeia.

Essas políticas já provocaram um levante inicial de protestos sociais e greves. Este ano assistiu à primeira greve nacional de professores na Polônia desde a restauração stalinista do capitalismo em 1989, uma onda de greves em Portugal e o contínuo movimento dos “coletes amarelos” na França contra o presidente Emmanuel Macron, bem como a greve climática da juventude contra o aquecimento global. As eleições confirmaram que a classe dominante não pretende fazer concessões a esse movimento crescente da classe trabalhadora.

A campanha eleitoral desenvolveu-se dentro dos estreitos limites de um conflito entre partidos pró-UE, de um lado, e nacionalistas ou neofascistas, do outro. Depois de uma guinada à direita de toda a classe dominante europeia ao longo das últimas décadas, no entanto, pouco separa a UE em crise da “Europa das nações” proposta por neofascistas, como o ministro italiano do Interior, Matteo Salvini, ou a francesa Le Pen.

Partidos pró-UE – incluindo conservadores, socialdemocratas e aliados do governo grego do Syriza (“Coalizão Radical de Esquerda”) – investiram bilhões de euros nos exércitos, nos poderes policiais e em uma vasta rede de campos de concentração para refugiados fugindo das guerras da OTAN no Oriente Médio e na África, além de terem imposto um brutal programa de austeridade em seus países. Em meio aos crescentes conflitos entre os EUA e a União Europeia, a UE serve agora como estrutura para Paris e, acima de tudo, Berlim, que está rapidamente remilitarizando sua política externa com o objetivo de construir uma força militar europeia independente de Washington. Como resultado desse processo, os conflitos entre as forças pró-UE e mais explicitamente nacionalistas reduzem-se a pouco mais do que uma viciosa briga de frações da elite dominante europeia sobre as relações com a administração Trump e mudanças relacionadas aos alinhamentos entre grandes potências dentro da própria Europa.

O colapso dos partidos de governo tradicionais da Europa testemunha a falência do capitalismo europeu. Mas a classe trabalhadora não pode permanecer como espectadora em uma luta entre os defensores da máquina da UE e aqueles de uma “Europa das nações” de extrema direita, que, como Salvini na Itália, também está impondo austeridade e atacando os imigrantes de maneira cruel. Os defensores da UE e a extrema direita nacionalista estão se movendo rapidamente para formas de governo fascistas e autoritárias. Ao contrário da década de 1930, a classe dominante ainda não desenvolveu uma base social para um movimento de massas de apoio a políticas fascistas. No entanto, o perigo de tal desenvolvimento é claro. Contra esse perigo, o caminho a seguir é mobilizar a classe trabalhadora europeia e internacional para lutar com sua própria bandeira e seu próprio programa político.

Isso exige uma compreensão da dinâmica de classes da crise que está se desenrolando, o que requer a unificação internacional das lutas da classe trabalhadora, independentemente de todos os representantes políticos da burguesia e da classe média abastada. As eleições da UE testemunham de forma irrefutável o papel reacionário dessas classes sociais.

No Reino Unido, o Partido Brexit, de extrema direita e que é liderado por Nigel Farage, ficou em primeiro lugar com 31% dos votos, enquanto o Partido Conservador da primeira-ministra, Theresa May, caiu para apenas 9% dos votos, o que fez seu governo entrar em colapso. Farage conseguiu capitalizar o descontentamento social explosivo no Reino Unido principalmente por causa da falência do líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. Catapultado para o cargo de líder dos trabalhistas pela crescente raiva social, Corbyn cuidadosamente evitou convocar a classe trabalhadora para lutar contra May em solidariedade com as lutas em toda a Europa. Depois de fazer concessões intermináveis aos criminosos da Guerra do Iraque da ala direita de seu partido liderada por Tony Blair, Corbyn acabou reunindo-se este ano com May para apoiá-la na crise do Brexit.

Ao demonstrar o alinhamento de seu partido com os conservadores, deixando os trabalhadores que o apoiavam sem nenhuma perspectiva de luta, Corbyn deu a Farage a oportunidade de demagogicamente se colocar como o único opositor do governo May. A humilhação de Corbyn por Farage fez a votação do Partindo Trabalhista cair para 14%, que foi completada pela vitória do Partido Liberal Democrata no próprio distrito eleitoral de Corbyn, Islington.

Na Alemanha, os 43% de votos do governo da “Grande Coalizão” foi mais um repúdio popular à sua agenda de militarizar a política externa alemã e promover os professores de extrema direita para legitimar o hitlerismo, o militarismo e as formas ditatoriais de governo. Apesar desses laços estreitos entre o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), os partidos do governo e a constante promoção da extrema direita pela mídia, a votação de 10,5% da AfD foi superada pelos 22% do Partido Verde. Isso mostrou que existe uma ampla oposição ao neofascismo, bem como uma preocupação ecológica expressa nos protestos em massa contra a mudança climática.

O Partido Verde, no entanto, não é uma alternativa aos partidos da Grande Coalizão, com quem os verdes trabalham em estreita colaboração. Ele apoiou as guerras brutais da OTAN nos Bálcãs nos anos 1990 e juntou-se aos socialdemocratas para impor as odiadas leis de austeridade Hartz IV nos anos 2000. Agora, um de seus fundadores e principais líderes, o ex-estudante dos protestos de 1968, Daniel Cohn-Bendit, é um conselheiro próximo de Macron, ao mesmo tempo que o presidente francês reprime os “coletes amarelos”. Se os verdes chegassem ao poder, levariam adiante políticas indistinguíveis daquelas atualmente implementadas pela Grande Coalizão.

As eleições também expuseram toda uma série de partidos “populistas de esquerda” da classe média abastada formados por descendentes dos partidos stalinistas e dos renegados pequeno-burgueses do trotskismo. Suas tentativas de realizar políticas mais favoráveis para sua base social privilegiada, incluindo a burocracia sindical e acadêmicos de “esquerda”, são impotentes. Em poucos anos, uma amarga experiência mostrou que esses partidos da pseudo-esquerda servem quase exclusivamente para bloquear a oposição na classe trabalhadora.

No domingo, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, convocou novas eleições depois do Syriza ter sido superado pelo partido direitista Nova Democracia nas eleições para o Parlamento Europeu. Depois de ter flagrantemente traído sua eleição de 2015, quando prometeu acabar com a austeridade da UE e impôs bilhões em cortes sociais aos trabalhadores gregos, ao mesmo tempo que tem aprisionado dezenas de milhares de refugiados em ilhas gregas e vendido armas para a guerra saudita no Iêmen, Tsipras está novamente fazendo o que pode para entregar o poder para a direita. Mentindo do começo ao fim, ele prometeu, ao convocar novas eleições, que “nunca abandonaria a luta pela igualdade, solidariedade e justiça social”.

Na Espanha, o aliado do Syriza, Podemos, perdeu metade de suas cadeiras no Parlamento Europeu depois de apoiar um governo socialdemocrata pró-austeridade e não denunciar a repressão policial no referendo catalão de independência de 2017 e o consequente julgamento de prisioneiros políticos nacionalistas catalães. Seu líder, Pablo Iglesias, respondeu prometendo construir um novo governo de coalizão com os socialdemocratas, que por sua vez estão considerando uma aliança com o partido de direita Cidadãos.

A primeira colocação de Marine Le Pen na França, finalmente, é acima de tudo o produto do papel reacionário do partido França Insubmissa (LFI), de Jean-Luc Mélenchon, do pablista Novo Partido Anticapitalista (NPA) e dos sindicatos stalinistas. Tendo apoiado tacitamente Macron nas eleições presidenciais de 2017, eles foram virulentamente hostis aos protestos dos “coletes amarelos”. Apesar de ter recebido 7 milhões de votos em 2017, Mélenchon não convocou protestos em massa para defender os “coletes amarelos” contra a perversa onda de violência policial contra eles. Além disso, os sindicatos isolaram e acabaram com greves convocadas em solidariedade aos “coletes amarelos”.

Tudo isso permitiu que os neofascistas tomassem a iniciativa. Apesar de sua herança como os descendentes do regime de colaboração com os nazistas de Vichy, eles se colocaram cinicamente como os melhores opositores do odiado presidente Macron e como defensores do direito dos “coletes amarelos” de protestar – mesmo quando a polícia neofascista espancou e mutilou “coletes amarelos” nas ruas.

Esta eleição europeia ocorreu em um período de transição e crise, marcado pelo estado avançado de colapso da antiga elite dominante e as etapas iniciais do ressurgimento da luta de classes. Depois de décadas de reação política, os partidos socialdemocratas e da pseudo-esquerda romperam qualquer vínculo que possuíam com a classe trabalhadora ou o protesto social. Os trabalhadores não os veem mais como uma força de oposição e estão começando a tomar a luta em suas próprias mãos. O surgimento de protestos em massa e greves organizadas independentemente dos sindicatos nas redes sociais apontam para uma ampla guinada à esquerda da população, enquanto a elite dominante se desloca para a direita.

Esta situação confirma as perspectivas e análises do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI). A restauração stalinista do capitalismo não significou o “fim da história” e da era da luta de classes internacional contra o capitalismo aberta pela revolução de outubro de 1917 na Rússia. Além disso, o CIQI previu corretamente a forma que o ressurgimento da luta de classes tomaria: uma rebelião contra todas as velhas burocracias socialdemocratas, stalinistas e pablistas e seus aliados sindicais.

A revolução e o socialismo, concebidos como uma mudança fundamental que melhora as condições sociais da população trabalhadora, são cada vez mais populares em todo o mundo. No entanto, os trabalhadores e a juventude ainda estão nas etapas iniciais do processo de radicalização descrito por Leon Trotsky em sua grande História da Revolução Russa:

As massas iniciam uma revolução não com um plano preparado de reconstrução social, mas com um forte sentimento de que não podem suportar o antigo regime. Apenas as camadas orientadoras de uma classe têm um programa social, e mesmo isso ainda requer o teste de eventos e a aprovação das massas. O processo político fundamental da revolução consiste, assim, na gradual compreensão de uma classe dos problemas decorrentes da crise social – a orientação ativa das massas por um método de aproximações sucessivas.

Por enquanto, nas etapas iniciais do ressurgimento da luta da classe trabalhadora, muito ainda precisa ser esclarecido. A oposição ainda guarda os vestígios da era anterior, em que o que se passou por “esquerda” foi a política da classe média abastada, apresentada em termos populares e democráticos e em oposição à luta de classes. Os votos de protesto estão indo ou para os partidos verdes e liberais que prometem uma política capitalista mais humana, ou mesmo para neofascistas prometendo fazer o estado-nação proteger a população – e não para a revolução da classe trabalhadora internacional.

No entanto, os eventos estão aumentando rapidamente a consciência de classe, preparando mudanças explosivas na orientação política da classe trabalhadora. A radicalização dos trabalhadores e da juventude, juntamente com a impossibilidade de mudar a política sob o domínio ferrenho da aristocracia financeira, fortalecerá a posição do CIQI e seu chamado por uma política baseada na classe trabalhadora. As seções europeias do CIQI – o britânico Socialist Equality Party, o Parti de l’égalité socialiste francês e o Sozialistische Gleichheitspartei da Alemanha – participaram das eleições europeias para preparar tal desenvolvimento.

A experiência mostrará que o único caminho a seguir é a realização do programa e da perspectiva do CIQI: mobilizar todo o poder da classe trabalhadora internacional para expropriar a classe capitalista, tomar o poder político e construir o socialismo. A solução para a crise do capitalismo europeu não é nem a União Europeia nem uma fascista “Europa das nações”, mas a luta da classe trabalhadora para construir os Estados Unidos Socialistas da Europa.

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