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A greve nacional de 29 de maio e a crise econômica, política e social da Argentina

Publicado originalmente em 4 de Junho de 2019

No dia 29 de maio, os trabalhadores argentinos realizaram uma greve geral de 24 horas para protestar contra o colapso dos padrões de vida, o fechamento de fábricas e a destruição de empregos. A paralisação contou com a participação de setores-chave da classe trabalhadora, incluindo professores, trabalhadores dos portos e dos transportes, assim como metalúrgicos, trabalhadores automotivos e de outros setores industriais.

Essa foi a maior greve contra o governo do presidente Mauricio Macri – a quinta desde 2015 – e aconteceu logo após a greve geral de 30 de abril. A atividade econômica na cidade de Buenos Aires e nos subúrbios ao seu redor, onde moram 15 milhões de pessoas (um terço da população argentina) foi praticamente paralisada. A greve também teve ampla participação da região industrial que faz fronteira com o Rio Paraná, em Córdoba, Rosário e outros grandes centros urbanos e industriais.

Com essa última greve geral, a burocracia sindical da Argentina parece ter sinalizado o fim da trégua semiformal de anos com o governo Macri e uma guinada em direção à campanha eleitoral peronista de Alberto Fernandez e Cristina Fernandez de Kirchner, candidatos, respectivamente, à presidência e vice-presidência nas eleições de outubro deste ano. A realidade, entretanto, é que os sindicatos argentinos têm facilitado quase 20 anos de ataques contra os empregos e padrões de vida, tanto sob o governo Macri quanto sob os governos peronistas que o antecederam.

Pesquisas eleitorais atuais sugerem fortemente que a coalizão Cambiemos de Macri não será reeleita nas eleições nacionais de outubro. As condições de implosão econômica que resultaram na queda dos padrões de vida e aposentadorias, desemprego crescente e ataques contra as condições de trabalho, particularmente para a juventude, colocaram a classe trabalhadora e seções da pequena burguesia contra o governo de direita de Macri.

A greve geral de maio foi realizada para coincidir com o 50º aniversário do histórico Cordobazo, a rebelião da classe trabalhadora de maio de 1969 na cidade industrial de Córdoba. A rebelião de Córdoba, e outras rebeliões urbanas da classe trabalhadora, marcaram o início do fim da sanguinária ditadura militar de Juan Carlos Onganía (1966 – 1970).

Na ausência de uma liderança revolucionária, e traídos pelo peronismo, stalinismo, castrismo e morenismo, em 1969, os trabalhadores argentinos não conseguiram ir além da derrubada do regime de Onganía. Sete anos depois, um regime fascista-militar muito mais repressivo tomaria o poder na Argentina, matando, aprisionando e torturando dezenas de milhares de trabalhadores.

A greve geral da semana passada e todas aquelas que a antecedeu (tanto sob os governos peronistas empresariais de Nestor Kirchner e Cristina Fernandez, quanto sob o atual governo da coalizão de direita Cambiemos) tomaram a forma de rituais cínicos, que têm o objetivo de desviar a militância da classe trabalhadora em direção ao controle do aparato sindical e da classe dominante da Argentina.

As duras políticas de austeridade impostas pelo governo desde 2015 e intensificadas por um acordo com o FMI têm causado cortes orçamentários e aumentos regressivos nos preços dos alimentos, itens de necessidades básicas e combustível que superam as taxas de inflação. Essas políticas têm o objetivo de transferir recursos da classe trabalhadora e da classe média baixa para a oligarquia argentina e o setor financeiro, tanto nacional quanto internacional, o que tem empurrado milhões de trabalhadores, jovens e aposentados para baixo da linha de pobreza.

Em março, um estudo conduzido pelo Observatório da Dívida Social, da Universidade Católica Argentina (UCA), revelou a gravidade da situação. O relatório indicou que entre 2017 e 2018 a “pobreza multidimensional” (que utiliza seis variáveis para medir a pobreza: alimentação, saúde, educação, emprego, segurança social e moradia) aumentou de 26% para 31,3% das famílias, atingindo aproximadamente 13 milhões de pessoas.

Agustín Salvia, que coordenou o estudo da UCA, disse para o blog de notícias de Buenos Aires, Infobae, que “o estudo indica um forte aumento na pobreza multidimensional no contexto da inflação e estagnação econômica. Em essência, por trás desse aumento está o colapso da renda familiar, devido à queda nos salários, desemprego crescente e o aumento dos empregos temporários e de meio-período.”

Salvía informou que 20% dos trabalhadores não possuem empregos formais estáveis: “Essa camada social, aproximadamente 20% da população, foi marginalizada. Apesar de ainda receber alguma assistência financeira, lhes são negadas medidas efetivas para o desenvolvimento econômico, social e humano; medidas que são ausentes da agenda e do debate político”.

Os números da UCA revelam uma situação devastadora.

De acordo com a taxa oficial de desemprego, mais de 9% da força de trabalho está desempregada. Essa é apenas a ponta do iceberg: mais de 34% dos trabalhadores estão subempregados e dependem de empregos contingentes ou temporários, particularmente entre trabalhadores jovens (era 33,5% em 2017).

Seis milhões de argentinos, ou 7,9%, não possuem o suficiente para se alimentar (era 6,2% no fim de 2017). Para outros 28,2% faltam recursos suficientes para cuidados médicos e remédios (era 26,6% em 2017).

A porcentagem de pessoas vivendo em moradias inadequadas (incluindo casebres em favelas e habitações superlotadas, ou em lugares sem tratamento de água e esgoto) subiu para 27,1% em 2018.

O relatório da UCA também chamou a atenção para a piora da educação argentina. Às crianças estão agora sendo negadas o direito a escolas primárias e secundárias decentes. Além disso, centenas de milhares de estudantes vão com fome para as escolas todos os dias.

A crise educacional argentina não é nova; um estudo estatístico de 2018 realizado pela historiadora da educação, Rómina de Luca, relata que, desde 2012, sob os governos dos Kirchner, apenas 40% dos estudantes de sétima série completam a 12ª série (a última série da educação secundária superior, que antecede o ensino superior). Apesar desse fenômeno ser parcialmente compensado por um aumento na participação escolar de adultos, as taxas de analfabetismo funcional têm aumentado.

Os mais afetados são a população da região industrial ao redor de Buenos Aires, onde a taxa de “pobreza multidimensional” está agora em 41,1% (era 34,9% em 2017). Os 41% dos que abandonam a escola na Grande Buenos Aires são considerados analfabetos funcionais.

As centrais sindicais oficiais não organizaram comícios para a greve de 29 de maio. Em Buenos Aires, houve passeatas da periferia para o centro da cidade e confrontos com a polícia, que tentou bloquear os protestos.

Os manifestantes, muitos dos quais se reuniram no centro de Buenos Aires, foram organizados por grupos da pseudo-esquerda argentina, como a Frente de Izquierda y de los Trabajadores (FIT), o Movimiento Socialista de los Trabajadores (MST) e também dissidentes sindicais; eles carregavam cartazes denunciando as condições sociais – em um deles estava escrito “Macri é igual a fome” – e saudando a “onda verde” de ativistas pró-aborto que tinham se manifestado dias antes.

Essas tendências políticas estão propondo construir uma frente eleitoral ampla para as eleições de outubro, criando as bases para a versão argentina do partido espanhol Podemos, ou o Syriza grego, para estrangular e trair as lutas da classe trabalhadora.

Os trabalhadores na Argentina enfrentam a mesma realidade que os trabalhadores em todo o mundo, seja no Brasil, Venezuela, México, Turquia, EUA ou em qualquer país europeu: desemprego, fome e a destruição dos direitos democráticos, que não pode ser resolvida com greves e protestos nacionais, nem com os programas reformistas nacionais promovidos pela pseudo-esquerda.

Após a greve geral da semana passada, as questões de classe que foram levantadas pelo Cordobazo de 1969, e que hoje estão colocadas de uma maneira muito mais aguda, exigem urgentemente a construção de uma liderança socialista revolucionária, baseada na união internacional das lutas da classe trabalhadora, para educar e liderar a luta da classe trabalhadora, e pôr fim ao capitalismo e construir uma sociedade socialista.

Para isso, a tarefa central na Argentina e na América Latina é a construção de seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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