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Teórico referência do PT ataca “lixo branco” brasileiro

Publicado originalmente em 5 de Junho de 2019

Em 28 de maio, o professor universitário antimarxista Jessé Souza, atualmente considerado uma das principais referências teóricas do Partido dos Trabalhadores (PT), escreveu um ataque reacionário contra a classe trabalhadora brasileira, que foi reproduzido por todos os apoiadores da mídia online do PT e, acima de tudo, pelo seu porta-voz, o Brasil247.

O momento do artigo – intitulado “Bolsonaro é o Racista-Chefe da Ku Klux Klan do ‘lixo branco’” – foi significativo. Ele foi publicado dois dias depois de milhares de elementos de extrema direita de classe média alta terem saído às ruas do país em defesa da odiada “reforma da previdência” do presidente Jair Bolsonaro, e dois dias antes de centenas de milhares de estudantes voltarem às ruas para protestar contra o governo e seu ataque à educação pública.

Souza parte furiosamente contra o que ele chama de brancos cujo “cotidiano”, ele reconhece, “não difere muito da vida do negro e do pobre brasileiro” e que “moram eventualmente no mesmo bairro e passam privações materiais.” No entanto, ele os responsabiliza pela chegada ao poder do fascista Bolsonaro no Brasil.

Deixando claro que ele coloca aspas na tradução para o português de “white trash” exclusivamente devido ao termo ser anteriormente desconhecido no léxico da política brasileira, ele esclarece sua intenção de elevar o insulto estadunidense de 100 anos a uma categoria sociológica. O que aconteceu no Brasil, ele insiste, é “precisamente o caso do ‘lixo branco’ que ajudou a eleger Trump”.

Mais tarde, desconsiderando o papel da classe dominante brasileira em pavimentar o caminho para a ascensão de Bolsonaro, Souza argumenta sem rodeios: “Embora a elite e a classe média real e canalha também tenham votado nele [Bolsonaro], sua base real de apoio é o ‘lixo branco’ brasileiro, próximo do negro e por conta disso ávido para criminalizá-lo, estigmatizá-lo como bandido e por assassiná-lo impunemente.”

Brancos pobres no Brasil, ele argumenta, são tomados por um ódio racial incontrolável que deu a Bolsonaro sua base política. Segundo Souza, “Bolsonaro é o líder da Ku Klux Klan e do ‘lixo branco’ brasileiro. É isso que o define e o explica mais do que qualquer outra coisa.”

O momento da publicação do artigo – que é um resumo dos recentes livros de Souza, que são “fortemente recomendados” pelo ex-presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, em cartas ao público escritas da prisão – tem claramente a intenção de afastar a juventude brasileira que inicia sua luta contra o governo Bolsonaro de amplas camadas da classe trabalhadora. Isso, por sua vez, faz parte dos esforços do PT em desviar a oposição cada vez maior ao governo.

O ataque de Souza não é de forma alguma um fenômeno isolado. Ele marca uma guinada acentuada à direita de seu meio social de classe média alta pró-PT, que não pode conter seu ódio aos trabalhadores, a ponto de importar dos EUA categorias atrasadas como “lixo branco”. Entre esses ataques estão as tentativas das classes dominantes francesas de retratar os “coletes amarelos” como antissemitas e a caça às bruxas do movimento #MeToo, além de outras histerias nos EUA, que possuem o objetivo de estigmatizar as grandes massas da população trabalhadora como misógina e racista.

No Brasil, a motivação para tal campanha é o fato de que nos seis meses desde a posse de Bolsonaro, a tese do PT de que o presidente se apoia na apatia e no atraso dos trabalhadores brasileiros entrou em colapso, juntamente com os próprios índices de aprovação de Bolsonaro.

Nos últimos anos, Souza, que foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) até o afastamento de Dilma Rousseff (PT) pelo processo de impeachment, têm sido o teórico político oficial do Partido dos Trabalhadores, que foi abraçado pela base política de classe média alta do partido precisamente por causa de seus ataques contra a classe trabalhadora brasileira diante da deserção em massa dos trabalhadores do PT.

Essa deserção ocorria à medida que os governos do PT adotavam sucessivas medidas de austeridade, colocando o peso total da crise econômica brasileira nas costas dos trabalhadores, especialmente a partir de 2011. A campanha de difamação contra a classe trabalhadora foi amplamente acelerada após os maciços protestos de 2013 contra o governo do PT, os maiores desde aqueles que levaram à queda da ditadura militar de 1964-1985 apoiada pelos EUA e o estabelecimento do sistema político que o PT terminaria governando por 13 anos.

As conclusões anti-classe trabalhadora de Souza são consequência de sua concepção moralista ferozmente antimarxista que ele introduz no começo do artigo. Segundo ele, “Minha tese é a de que a escravidão, tanto no seu sentido econômico de exploração do trabalho alheio como no seu sentido moral e político de produção de distinções sociais, se manteve ‘na prática’ inalterado desde a abolição da escravatura” no Brasil.

Por trás dessa tese aparentemente radical e pretensiosamente grandiosa – que fez um de seus livros, A Elite do Atraso, ser o segundo livro de não-ficção mais vendido no Brasil no ano passado –, há uma mistura de nacionalismo radical e anticomunismo. Como os descendentes políticos do final do século XIX da aristocracia estadunidense, que faziam livre uso do insulto “lixo branco”, diriam – e seriam imitados por suas contrapartidas brasileiras – o “problema de classe” é um problema estrangeiro – importado da Europa – sem relevância social no Brasil.

Para Souza, raça, não classe, é a linha divisória fundamental da sociedade brasileira. A força motriz do desenvolvimento do país não é a luta entre a classe trabalhadora brasileira e a classe capitalista alinhada com o imperialismo mundial, mas, sim, no ódio supostamente irreprimível dos brancos pobres em relação aos negros pobres.

No período que antecedeu a eleição brasileira em 2018, Souza, que fez seu doutorado na Alemanha e seu pós-doutorado na New School for Social Research de Nova Iorque, afirmou que, em um momento em que os fascistas mais ocupavam cargos públicos na Europa e na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial, o “combate ao fascismo na Alemanha é política de estado”. As implicações dessa afirmação são claras: se o “estado” luta contra o fascismo e ele acaba invadindo o parlamento de qualquer jeito, é a classe trabalhadora que é responsável por isso.

Desde a posse de Bolsonaro, o tema persistente na mídia pró-PT é que o presidente fascista é um lunático, e as classes dominantes tiveram tempo de se arrepender e pelo menos apoiar os generais “racionais” ao seu redor. Os porta-vozes do PT começaram a inventar relatos de “guerras” e “divisões” dentro do governo Bolsonaro, segundo as quais os militares resistiam às “tentativas de Bolsonaro de tornar o Brasil uma colônia dos EUA”. Com manchetes relatando há meses os contatos de Bolsonaro com o imperialismo estadunidense sobre uma possível intervenção na Venezuela, os porta-vozes do PT chegaram a alegar que Bolsonaro estava “rompendo com a tradição brasileira de pacifismo” sustentada “desde o Império” – argumento anteriormente confinado aos círculos monarquistas mais reacionários.

Da mesma forma, o PT tem centrado seu fogo nas políticas fascistas de Bolsonaro que supostamente estão interrompendo os laços estabelecidos pelo ex-presidente Lula com o capitalismo mundial e estão fazendo com que “as multinacionais fujam do país”. Que a política pró-imperialista do PT foi fundamental para afastar os trabalhadores do partido é totalmente ignorada; em oposição, o partido defende essas políticas de maneira ainda mais agressiva.

A erupção da oposição social em massa contra o governo Bolsonaro nos dias 15 e 30 de maio expôs a verdadeira razão de sua eleição: uma rejeição massiva do establishment político em meio a um movimento de esquerda da classe trabalhadora que não encontrou vazão política.

À medida que isso se torna cada vez mais claro, figuras pró-PT como Souza estão trabalhando cada vez mais para difamar a classe trabalhadora como racista e atrasada. Ele, porém, não está de jeito nenhum sozinho.

A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado – que passou os meses de fevereiro e março visitando universidades dos EUA para “explicar o fenômeno Bolsonaro” – escreveu um artigo para o Intercept Brasil supostamente com o objetivo de analisar a crescente oposição popular a Bolsonaro, mas que serviu para o oposto.

Segundo ela, as pessoas votaram em Bolsonaro “por causa da corrupção, para ... conseguir emprego”, contra “a ditadura gayzista” e “resolver a unha encravada. Tudo. Tudo o que chegava pelo WhatsApp.”

Esse claro desdém pelo que moveu a minoria de trabalhadores que realmente votou em Bolsonaro – retratando-os como um bando de intolerantes que temem “uma ditadura gayzista” – têm impelido esses círculos ao ponto de estarem espalhando propaganda de Bolsonaro. A alegação do governo de que os caminhoneiros sairiam às ruas em defesa de Bolsonaro na manifestação de 26 de maio foi levada a sério e amplificada pela mídia ligada ao PT, como o Brasil247.

A denúncia da falida tese pequeno-burguesa da popularidade de Bolsonaro entre os trabalhadores – com os caminhoneiros não participando da manifestação de 26 de maio – sem dúvida impeliu um furioso Souza a dobrar sua calúnia da classe trabalhadora atacando-a de “lixo branco”.

Essas “análises” reacionárias têm sua origem, inevitavelmente, no enorme desprezo pelo socialismo e por qualquer oposição ao sistema capitalista, que foram claramente expressos nas recentes manifestações contra o governo Bolsonaro.

Além da oposição aos cortes na educação, as manifestações de 15 e 30 de maio foram um repúdio furioso à cruzada de extrema direita do governo Bolsonaro contra o “marxismo cultural”, uma campanha ideológica que reflete os temores da classe dominante brasileira pelo crescente interesse pelo socialismo entre a juventude. Ao implementar uma brutal política de austeridade, o governo de extrema direita sabe que está provocando uma reação de esquerda entre trabalhadores e estudantes, ao mesmo tempo que está realizando um apelo fascista para se preparar adequadamente a essa reação.

Por isso, o ministro da educação afirma que as escolas e universidades são “dominadas pelos comunistas” e pediu aos estudantes para filmarem e denunciarem publicamente a suposta “doutrinação” de professores. O governo impôs censura aos departamentos de comunicação de inúmeras agências governamentais que afirma serem dominadas por esquerdistas.

No entanto, entre a “esquerda” brasileira, nem as ameaças fascistas do governo Bolsonaro nem a resposta socialista das massas são tomadas com o mínimo de seriedade. Por exemplo, o mais feroz defensor do PT, João Filho, escrevendo para o Intercept Brasil, chegou ao ponto de chamar o anticomunismo do governo de uma “viagem lisérgica”. Em outras palavras, o crescimento da influência socialista entre as massas não seria motivo de preocupação entre os fascistas brasileiros. Na medida em que o governo afirma que “o socialismo não tem lugar no Brasil”, todos concordam e querem seguir em frente.

Denunciar essas forças políticas, que alegam falar em nome de estudantes e trabalhadores, é a primeira tarefa para mobilizar um movimento político independente da classe trabalhadora contra o governo Bolsonaro e o sistema capitalista que tanto ele como o PT defendem.

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