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Perspectivas

Protestos em massa estouram em Hong Kong

Publicado originalmente em 10 de Junho de 2019

Uma manifestação e passeata de massas pelas ruas de Hong Kong ontem contra as mudanças planejadas de sua lei de extradição são um sinal claro da radicalização política crescente de amplas camadas da população determinada a defender direitos democráticos básicos.

As emendas propostas à Lei dos Foragidos expandiriam os atuais acordos de extradição para incluir a China. Esse projeto de lei provocou grande preocupação de que o regime de Pequim poderia usar suas medidas para entregar para a China continental, sob falsas acusações, dissidentes políticos, religiosos e, de fato, qualquer um considerado uma ameaça, que poderiam ser julgados e presos.

De acordo com os organizadores, mais de um milhão de pessoas participaram dos protestos de ontem – quase uma em cada sete pessoas de Hong Kong, que possui 7,4 milhões de habitantes. Os manifestantes carregavam faixas e cartazes que diziam “Não à extradição para a China!” e “Demita-se Carrie Lam!”, que é a chefe do poder executivo e a responsável pelas emendas.

Manifestantes em Hong Kong (Crédito: Twitter: Denise Ho)

Estavam presentes na enorme manifestação diversas organizações estudantis, trabalhadores migrantes do sul da China, partidos políticos, grupos religiosos e organizações sem fins lucrativos, assim como centenas de milhares de pessoas contrárias às emendas. Ao menos 90 lojas fecharam as portas para permitir que seus funcionários participassem dos protestos.

Manifestantes gritando “Abram as ruas!” passaram por cima das barricadas policiais e cercaram o prédio do Conselho Legislativo de Hong Kong, onde a proposta de lei será discutida novamente na quarta-feira. Cinco horas depois da passeata começar, o complexo do Conselho Legislativo ainda estava cercado enquanto os organizadores previam novos protestos. Nas primeiras horas de hoje, a polícia usou cassetetes e sprays de pimenta para dispersar violentamente os manifestantes que ainda se aglomeravam ao redor do prédio.

Protestos menores ocorreram em 29 cidades ao redor do mundo, incluindo Nova York, São Francisco, Sydney, Tóquio, Toronto e Taipé exigindo que o projeto de lei fosse retirado. “Eu estou aqui hoje porque eu tenho medo de ser extraditado para a China continental por crimes que não cometi”, disse Henry Lee, um honconguês atualmente morando em Melbourne, ao South China Morning Post.

As manifestações de ontem são as últimas de uma série de protestos cada vez maiores desde que o projeto de lei de extradição foi apresentado em fevereiro, apesar das garantias de Lam de que dissidentes políticos e religiosos não estariam em risco e a independência dos tribunais de Hong Kong estaria garantida. Os temores dos manifestantes têm aumentado à medida que o executivo tem forçado a aprovação de emendas pelo Conselho Legislativo, atropelando a análise delas por um comitê. As tensões entre o governo e a oposição levaram a conflitos físicos entre deputados por conta dos métodos antidemocráticos do governo.

A vigília anual em Hong Kong de 4 de junho para marcar o massacre na Praça da Paz Celestial de 1989 atraiu uma multidão recorde este ano, com mais de 180 mil pessoas preenchendo todos os seis campos de futebol e áreas adjacentes do Parque Victoria da cidade. Os manifestantes opuseram-se não só à repressão militar bárbara de Pequim de 30 anos atrás, mas também contra o projeto de lei de extradição. Sem dúvida, a manifestação de 4 de junho incluiu aqueles que fugiram para Hong Kong em 1989 e temem serem presos e enviados de volta ao continente.

O Reino Unido devolveu sua ex-colônia à China em 1997 diante da condição de que Hong Kong seria uma Região Administrativa Especial (RAE) com um grande grau de autonomia sob a miniconstituição da cidade, a Lei Básica. A política de Pequim de “Um país, dois sistemas” manteve as relações de propriedade capitalistas em Hong Kong, que, por sua vez, tiveram uma função chave para o Partido Comunista Chinês (PCC) conforme acelerava a restauração capitalista no continente. Corporações estrangeiras e também chinesas instalaram-se em Hong Kong, onde suas operações na China estariam certamente garantidas sob a lei comercial há muito tempo já estabelecida.

Apesar de suas alegações de obedecer a autonomia de Hong Kong, o regime do PCC tentou repetidamente atacar os direitos democráticos para suprimir a oposição política a sua porta. Em 2003, meio milhão de pessoas protestaram em Hong Kong para se opor à proposta de lei de segurança nacional, que na prática teria estendido as medidas de estado policial para a cidade. O projeto de lei foi engavetado indefinidamente.

Em 2014, protestos em massa aconteceram por conta dos planos de Pequim de manter forte controle sobre a escolha do chefe do executivo de Hong Kong, que possui amplos poderes na administração da cidade. Ao mesmo tempo que opositores liberais burgueses, como o fundador do Partido Democrata, Martin Lee, estavam prontos para chegar a um acordo com Pequim, grupos estudantis saíram às ruas para exigir eleições democráticas, provocando ocupações nas ruas que duraram semanas antes de irem diminuindo aos poucos e serem suprimidas pela polícia. Pequim não fez quaisquer mudanças no seu poder de veto altamente restritivo de candidatos para o posto de chefe do executivo.

Para que os protestos atuais contra o projeto de lei de extradição avancem, devem ser aprendidas as lições das experiências passadas. A principal delas é a perspectiva política pela qual é preciso lutar.

O fracasso do movimento “Occupy” de 2014, também conhecido como “Movimento dos Guarda-Chuvas”, não foi resultado da falta de determinação ou coragem dos seus jovens participantes. Ao invés disso, ele surgiu do fato de que seus líderes da Federação de Estudantes e Acadêmicos de Hong Kong, ao mesmo tempo que eram mais militantes em suas táticas e mais diretos em suas exigências, não possuíam uma alternativa política aos liberais conservadores como Martin Lee.

Novamente, figuras do Partido Democrata tais como Lee lideram os protestos atuais contra o projeto de lei de extradição. Essas figuras estão alinhadas com seções da elite empresarial de Hong Kong que têm se oposto ao projeto de lei, pois temem que ele possa minar os tribunais e a atração de Hong Kong como plataforma para investimentos na China.

Lee e seus aliados também estão promovendo a perigosa ilusão de que os Estados Unidos podem ser aliados na luta por direitos democráticos em Hong Kong. No mês passado, Lee liderou uma delegação que viajou a Washington para se encontrar, entre outros, com o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, assim como a Comissão Executiva do Congresso dos EUA sobre a China. A administração Trump não possui a menor preocupação em defender os “direitos humanos” em Hong Kong ou em qualquer outro lugar, mas buscará explorar o movimento como parte do seu enfrentamento e escalada militar cada vez mais agressivos contra Pequim.

Hong Kong é uma das cidades mais socialmente polarizadas do mundo e está se tornando mais desigual a cada ano. A economia é dominada por um punhado de multibilionários, enquanto a maioria da população luta para ter um lugar onde morar, com muitas pessoas sendo forçadas a viver em moradias improvisadas, como as “casas-caixão”.

A luta por direitos democráticos básicos em Hong Kong precisa se basear na classe trabalhadora e estar conectada com a luta mais ampla contra a austeridade e por direitos sociais básicos, como empregos e salários dignos. Isso significa uma luta política baseada em um programa socialista contra a dominação dos protestos atuais por figuras como Lee e outros defensores do capitalismo, que são organicamente hostis a qualquer mobilização da classe trabalhadora.

Isso também significa rejeitar todos aqueles que baseiam sua oposição às leis de extradição no paroquialismo de Hong Kong e incitam uma hostilidade não apenas ao regime do PCC, mas aos chineses em geral. A luta por direitos democráticos em Hong Kong avançará somente se unir-se aos trabalhadores chineses e apoiá-los nas lutas por seus direitos democráticos e sociais.

Acima de tudo, uma liderança revolucionária precisa ser construída na classe trabalhadora baseada nas lições históricas da longa luta do movimento trotskista pelo internacionalismo socialista contra o stalinismo em todas as suas formas, incluindo o maoísmo, que é responsável pelo regime de estado policial em Pequim. Essa é a perspectiva pela qual o Comitê Internacional da Quarta Internacional luta.

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