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Centrais sindicais brasileiras sabotam greve geral de um dia

Publicado originalmente em 20 de Junho de 2019

Na sexta-feira passada, trabalhadores e jovens realizaram paralisações parciais e manifestações em 380 cidades em todo o Brasil. A tão esperada greve geral de um dia havia sido convocada no ato unificado de 1˚ de maio pelas centrais sindicais brasileiras, que possuem cerca de 45 milhões de trabalhadores em sua base, e teve o objetivo de liberar a pressão social em meio à crescente oposição popular às medidas de austeridade do governo do presidente fascista Jair Bolsonaro.

A agitação tem crescido em particular contra a tão odiada “reforma” da previdência, que o governo espera desviar pelo menos R$ 1,2 trilhão dos bolsos de trabalhadores e pensionistas para os cofres do capital financeiro nos próximos dez anos.

Fernando Haddad, candidato à presidência do PT em 2018, fala a um grupo de apoiadores

No entanto, a greve não conseguiu paralisar setores-chave da economia brasileira, como transporte, metalurgia e extração de petróleo, na maior parte do país. Isso aconteceu apesar da baixa popularidade de Bolsonaro, que possui o menor índice de aprovação de qualquer presidente eleito na história do país nos primeiros meses de governo, e da participação de milhões de trabalhadores e jovens em manifestações contra o governo no mês passado.

O pano de fundo da greve foi destacado por um editorial no dia seguinte do jornal O Estado de S. Paulo, intitulado “Economia em queda livre”, prevendo que o crescimento econômico será nulo em 2019 e o desemprego permanecerá em 13%.

No entanto, piquetes e manifestações foram sabotados pela maior central sindical brasileira, a CUT, que é controlada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), cujo presidente, Vagner Freitas, disse aos trabalhadores que “greve geral ... é dia de ficar em casa”, bem como pela decisão de última hora da segunda maior central sindical do país, a UGT, de suspender as greves planejadas no transporte coletivo nas grandes cidades. Enquanto dispersos bloqueios de estradas e avenidas aconteciam pelo Brasil, grandes paralisações atingiam apenas escolas e universidades. Houve pouca adesão de bancários e funcionários públicos, enquanto trabalhadores da perfuração de petróleo, de portos e aeroportos não entraram em greve, e o varejo, assim como a indústria, foram pouco afetados pela greve geral.

Em São Paulo, o presidente do sindicato de motoristas de ônibus admitiu à imprensa que cancelou a greve às 3 horas da manhã, após um simples “pedido” do prefeito em uma reunião realizada nas primeiras horas da manhã. O pedido foi aceito para não atrapalhar o jogo de abertura da Copa América na noite de sexta-feira, quando o Brasil enfrentou a Bolívia em frente ao presidente Bolsonaro e a um público abastado, que pagou por ingressos cujos preços eram a metade do salário mínimo nacional.

No final do dia, os organizadores do protesto em todo o país afirmaram que compareceram às manifestações menos da metade do público presente nas manifestações espontâneas de 15 de maio contra a reforma da previdência e cortes na educação, quando mais de 1 milhão de professores e jovens da classe trabalhadora foram às ruas.

Foi exatamente esse o objetivo dos organizadores. No ato de 1˚ de maio, quando a greve foi anunciada, todas as centrais sindicais brasileiras realizaram pela primeira vez um comício unificado onde os sindicatos supostamente “oposicionistas” controlados pelo PT, pelo maoísta Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e pelo pseudo-esquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) juntaram-se aos líderes da UGT e da Força Sindical – a terceira maior central sindical do país – em uma “frente única”, ao mesmo tempo que a UGT e a Força Sindical defendiam abertamente a reforma da previdência do governo Bolsonaro, inclusive no próprio ato de 1˚ de maio.

Ricardo Patah, presidente da UGT, compareceu ao ato de 1˚ de maio menos de 24 horas depois se encontrar com Bolsonaro e prometer trabalhar para “construir [uma] ponte” entre as centrais sindicais e o governo. Patah também se opôs publicamente ao chamado para a greve geral.

Por sua vez, a fingida oposição do PT à reforma da previdência é desmentida pelas ações dos governadores do partido, protagonistas de um sujo espetáculo de lobby junto ao Congresso Nacional para aprovar cortes ainda mais profundos aos funcionários públicos estaduais – que possuem seu próprio sistema previdenciário – e não terem que enfrentar a raiva desses trabalhadores ao tentarem aprovar suas próprias reformas previdenciárias estaduais.

Desde o início, a trégua de 45 dias que as centrais sindicais deram ao governo teve o objetivo de dar bastante tempo ao governo para negociar pontos da reforma da previdência com o Congresso – bem como para os governadores do PT exercerem seu lobby sobre o legislativo brasileiro. Assim, a greve foi definida para coincidir com o fim do trabalho da comissão especial sobre a reforma da previdência. Os organizadores da greve geral não tiveram a intenção de mobilizar as massas nas ruas da mesma maneira como se viu nos protestos espontâneos do mês passado.

Previsivelmente, quando a comissão especial divulgou o relatório da reforma da previdência um dia antes da greve, em 13 de junho, o líder da oposição na Câmara e membro da comissão, Alessandro Molon, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), saudou as “vitórias” impostas ao governo pela oposição, que resultaram em uma reforma “melhor”. O que ele saudou foi o redirecionamento de fundos do BNDES – cortando investimentos – para pagar pela manutenção de pensões para os idosos pobres e trabalhadores rurais – um esquema crucial de combate à pobreza que permite trabalhadores rurais e idosos pobres sem registro na carteira de trabalho reivindicarem benefícios a partir apenas da idade.

O discurso de Molon foi completamente teatral: enquanto os cortes nas pensões para trabalhadores rurais e idosos pobres geraram grande repulsa entre os trabalhadores, eles representam apenas 10% da “economia” planejada pela reforma da previdência do governo Bolsonaro – excluindo as reformas estaduais que o PT e outros partidos querem incluir. Além disso, o governo havia claramente indicado que incluiria esses cortes cruéis apenas para revogá-los e, assim, dar à oposição a capacidade de reivindicar uma “vitória”.

Essa mesma linha foi adotada pelos oradores nos comícios da greve geral, que saudaram a “unidade” da oposição e as “vitórias” obtidas no Congresso. No entanto, em uma auto-exposição involuntária durante a manifestação de São Paulo, o candidato à presidência do PSOL em 2018, Guilherme Boulos, admitiu a paralisia e a covardia da oposição. Ele falou de reportagens da imprensa sobre a falta de manifestações do Movimento dos Sem-Terra (MST), ligado ao PT, e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que ele lidera, dizendo que o governo “estava com saudades [da luta desses movimentos]”, mas “hoje ele teve a oportunidade de matar as saudades.”

Boulos e outros oradores – incluindo o candidato à presidência do PT em 2018, Fernando Haddad, e a presidente do partido, Gleisi Hoffmann – dirigiram-se a apenas alguns milhares de apoiadores de uma pequena plataforma montada ao nível da rua, em vez dos grandes caminhões de som normalmente usados em comícios em massa.

O contraste entre a “greve geral” controlada pelos sindicatos e as recentes e em grande parte espontâneas manifestações é uma evidência significativa de que essa retórica vazia está se esgotando. Como resultado, os sindicatos estão cada vez mais cautelosos em perder o controle de um renovado movimento de protesto. Significativamente, a manifestação de São Paulo foi formalmente dividida em dois, com uma grande parte da manifestação se recusando a ouvir os políticos do PT.

Esse contraste é ainda mais significativo considerando que a greve geral aconteceu depois das publicações do The Intercept Brasil de evidências vazadas de corrupção da justiça em toda a investigação da Operação Lava-Jato. Mensagens vazadas revelaram que o atual ministro da justiça do Brasil, Sérgio Moro, que anteriormente era o principal juiz da investigação, havia conspirado com os procuradores do Ministério Público Federal. Durante sua campanha eleitoral, Bolsonaro se associou a Moro, elogiando-o por “lutar contra o sistema”, enquanto ele mesmo se colocava como a única oposição ao establishment político brasileiro. Mais tarde, Bolsonaro procurou fortalecer esse apelo populista ao nomear Moro para seu ministério.

O papel mais importante de Moro foi condenar o ex-presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A repulsa popular sobre as medidas de austeridade e os esquemas de corrupção realizados pelo PT em conluio com todo o establishment político desempenharam um papel decisivo na eleição de Bolsonaro, e Moro foi recompensado com o ministério da justiça a fim de promover o apelo populista de Bolsonaro.

As mensagens vazadas publicadas pelo The Intercept Brasil, no entanto, retratam Moro fazendo precisamente o oposto de “lutar contra o sistema”, dirigindo os procuradores a evitar um “abrupt perat mundo”, uma referência à frase em latim “o mundo cairá, mas a justiça será feita”. Como parte desse esforço, Moro instruiu os procuradores federais a não responsabilizar todos aqueles do establishment político contra os quais havia provas, e, por outro lado, aconselhou os procuradores do caso Lula a fortalecer as acusações contra ex-presidente.

As mensagens são mais uma prova de que a raiz da condenação pouco fundamentada de Lula se deu em um esforço para encobrir as implicações mais amplas dos escândalos de corrupção que o PT supervisionou durante seu governo, isto é, “não deixar o mundo cair” canalizando a repulsa generalizada contra o sistema político liderado pelo PT para canais seguros e, além disso, explorando-o para levar a política brasileira ainda mais à direita.

O PT tem respondido dobrando suas alegações de que Lula é inocente e não tem responsabilidade pela vasta rede de corrupção que se desenvolveu sob os governos do partido, e que a sentença o privou de uma vitória certa nas eleições presidenciais de 2018 – embora isso seja desmentido pelo PT ao ter enterrado o nome de Lula no segundo turno, temendo que uma campanha para libertar Lula fortalecesse Bolsonaro.

O partido aproveitou as revelações do The Intercept Brasil para suprimir as questões mais amplas nas manifestações sobre a campanha “Lula Livre” e sua narrativa reacionária de que a manipulação da mídia de direita, e a não rejeição generalizada do PT, foi a responsável pela vitória de Bolsonaro.

Não há dúvida de que a sabotagem da greve pelos sindicatos foi realizada em grande parte devida ao reconhecimento de que um comício em massa de trabalhadores não endossaria o “Lula Livre”. O PT está consciente da percepção generalizada de que o partido foi responsável por abrir caminho para o cada vez mais desprezado Bolsonaro e suas políticas fascistas.

Comentaristas políticos ligados ao PT fizeram comparações entre as manifestações recentes de professores e estudantes e as manifestações contra o governo em junho de 2013, que tiveram como alvo todo o sistema político. O objetivo deles é desacreditar o emergente movimento de massas contra o Bolsonaro. Os protestos de 2013 – aos quais a então presidente do PT, Dilma Rousseff, respondeu com medidas de Estado policial – são hoje denunciados pelo partido como o início de uma “revolução colorida” pró-imperialista contra seu governo.

Tanto a sabotagem da greve geral dos sindicatos quanto o crescente contraste entre as ações da oposição oficial e as de amplas camadas de trabalhadores e jovens devem ser tomados como um alerta: o PT, a pseudo-esquerda e os sindicatos temem que sejam um alvo da crescente agitação popular assim como o próprio Bolsonaro, e não se oporão à brusca guinada à direita da política brasileira.

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