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Banalidades no G20 não conseguem esconder um mundo à beira da guerra

Publicado originalmente em 1˚ de Julho de 2019

Durante a década de 1930, conhecida como a “década desastrosa”, houve todo tipo de reviravoltas nas relações entre as grandes potências na frente diplomática e internacional, bem como nas esferas econômica e comercial.

Essa atividade frenética, caracterizada pelo fechamento de acordos em um dia para serem rompidos no outro, possuía um conteúdo objetivo essencial. Foi a forma assumida pelas manobras das potências imperialistas antes do dilúvio da guerra mundial que eclodiu em setembro de 1939.

Existem paralelos diretos entre a “década desastrosa” e o período atual. As oscilações do governo Trump em relação ao Irã, Coréia do Norte e China – ameaçando uma guerra um dia, anunciando um acordo no outro e novas ameaças no dia seguinte – possuem a mesma lógica. Essas oscilações são uma expressão de uma ordem geopolítica dilacerada pela crise tendendo inexoravelmente ao início de uma nova guerra.

Essa possibilidade ficou clara com a aprovação pelo Senado dos EUA, na última quinta-feira, do orçamento de US$ 750 bilhões do Pentágono para 2020. Aprovado por 86 a 8, o orçamento contou com maioria dos votos tanto dos republicanos quanto dos democratas.

O objetivo do orçamento aprovado foi revelado pelo presidente da Comissão de Serviços Armados do Senado, Jim Inhofe. Descrevendo o mundo como “mais instável e mais perigoso do que em qualquer período da minha vida”, ele enfatizou que se a Estratégia Nacional de Defesa estabelece a “competição estratégica” com a Rússia e a China, bem como ameaças de “países delinquentes” como Irã e Coréia do Norte, “tínhamos que ser diretos”.

As observações de Inhofe e o apoio bipartidário à massiva escalada de gastos militares ressaltam a posição essencial do establishment político dos EUA e de suas agências militares e de inteligência, que consideram o resto do mundo como uma ameaça existencial.

Diante do declínio de seu poder econômico durante as sete décadas que exerceu a supremacia incontestada desde o final da Segunda Guerra Mundial, os EUA estão tentando compensar a erosão de sua hegemonia econômica por meio do poder militar, ameaçando mergulhar a humanidade na Terceira Guerra Mundial.

Os conflitos e as tensões entre as grandes potências – uma guerra de todos contra todos – estiveram presentes na reunião de cúpula do G20 realizada em Osaka, no Japão, no final de semana. Ela foi realizada pouco mais de uma semana depois de Trump ter cancelado um ataque ao Irã que ameaçou desencadear um conflito militar incontrolável com consequências incalculáveis.

As reuniões de cúpula do G20 começaram a ser realizadas após a crise financeira global em 2008 com o objetivo de estabelecer um mecanismo para regular as questões da economia global e evitar a erupção de conflitos parecidos com aqueles que levaram à Segunda Guerra Mundial, principalmente as medidas restritivas de comércio e o protecionismo. A reunião de cúpula mostrou que esses esforços fracassaram totalmente.

Como observou o colunista de economia do Financial Times, Martin Wolf, o G20, estabelecido para ampliar a base da cooperação global, “é uma vítima da desordem geral”. Ainda segundo ele, “Os membros do G20 são médicos que precisam se curar. Eles farão isso? Hoje não, é certamente a resposta.” Na verdade, isso nunca acontecerá.

Com a administração Trump atacando seus rivais econômicos, não apenas a China, mas o Japão, a União Europeia e a Alemanha, e exigindo que o mundo se submeta a sua agenda “EUA Primeiro”, a cúpula não cumpriu seu propósito básico.

Como presidente do encontro, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, advertiu que as tensões relacionadas ao comércio são um risco para a economia global, e há preocupações de que o sistema de livre comércio do pós-guerra “esteja cambaleando” – uma significativa subestimação.

Mas compromissos anteriores para “resistir ao protecionismo” foram descartados e o comunicado simplesmente adotou uma série de declarações brandas sobre a necessidade de liberdade e justiça. Como disse Abe, “Ao invés de jogar as diferenças entre os países do G20, nos esforçamos para encontrar um terreno comum”.

Ou seja, esconder essas diferenças enquanto os conflitos econômicos e comerciais – e por trás deles os preparativos para os conflitos militares – se intensificam.

Sobre a questão crucial da guerra comercial contra a China, houve paralelos diretos com a reversão de Trump de atacar o Irã dez dias antes. Em uma reunião paralela com o presidente da China, Xi Jinping, Trump decidiu não impor tarifas adicionais, possivelmente de até 25%, sobre US$ 300 bilhões em produtos chineses, além dos US$ 200 bilhões já sujeitos a essas medidas.

Mas, assim como o conflito com o Irã e a Coréia do Norte, nada foi resolvido e todas as medidas contra a China continuam “armadas e carregadas”.

Trump concordou apenas que as novas medidas ameaçadas, que abrangeriam praticamente todas as importações chinesas para os EUA, seriam suspensas “por enquanto”, enquanto as negociações oficiais são retomadas. Mas não houve alterações sobre questões essenciais – acima de tudo, a insistência dos EUA em ter o direito de manter as tarifas existentes e começar a removê-las apenas quando determinasse unilateralmente que a China estava cumprindo qualquer acordo, uma exigência considerada inaceitável por Pequim.

No período que antecedeu a reunião, a China insistiu que não poderia haver uma retomada das discussões a menos que os EUA suspendessem as restrições contra a Huawei, a gigante de telecomunicações chinesa. A Huawei foi colocada na Lista de Entidades do Departamento de Comércio dos EUA, o que significa que as empresas estadunidenses que buscam vender componentes vitais da Huawei precisam obter permissão do governo. Esta ação teve o objetivo de prejudicar as operações globais da Huawei e tem tido um impacto significativo sobre a empresa chinesa desde que foi anunciada.

Essa ameaça sobre a Huawei continua. Trump não reverteu a decisão do Departamento de Comércio – dizendo que a questão da Lista de Entidades seria determinada apenas no final das negociações. Ele simplesmente deu um compromisso vago para permitir que empresas estadunidenses enviassem mercadorias para a Huawei. O que isso significa é extremamente incerto, porque, como Trump colocou, “estamos falando de equipamentos com os quais há um grande problema nacional de emergência”.

Mas no que diz respeito à inteligência e ao aparato militar dos EUA, assim como seus porta-vozes nos partidos Democrata e Republicano, a própria existência da Huawei e o que ela significa sobre o esforço da China para melhorar seu desenvolvimento industrial e tecnológico constituem “uma grande emergência nacional” que os EUA estão determinados a resolver de todas as maneiras possíveis.

A “concessão” de Trump em relação à Huawei foi imediatamente atacada por ambos os lados do corredor político. “A Huawei é uma das poucas potentes alavancas que temos para fazer a China jogar de forma justa no comércio. Se Trump recuar, como parece estar fazendo, diminuirá drasticamente nossa capacidade de mudar as práticas comerciais injustas da China”, disse o líder democrata no Senado, Charles Schumer.

O proeminente republicano do Senado e falcão de guerra anti-China, Marco Rubio, foi ainda mais longe. “Se o presidente Trump, de fato, barganhou as restrições recentes à Huawei, então teremos que reintroduzir essas restrições na forma de lei. E ela será aprovada com folga”, ele tuitou.

A reunião do G20, a completa instabilidade nas relações internacionais, os acordos feitos e desfeitos e os crescentes conflitos econômicos são um alerta à população mundial: as condições para uma nova guerra mundial estão amadurecendo rapidamente e batendo à porta.

Este claro e presente perigo só poderá ser derrotado pelo desenvolvimento de um movimento anti-guerra em massa pela classe trabalhadora mundial, baseado na luta por um programa socialista internacional para resolver o problema na sua origem, colocando um fim ao sistema de lucro capitalista e à divisão do mundo em estados-nação rivais e potências imperialistas.

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