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Conferência “Socialismo 2019”: ex-Organização Socialista Internacional alia-se ao Partido Democrata

Publicado originalmente em 19 de Julho de 2019

A conferência “Socialismo 2019” foi realizada em Chicago entre 4 e 7 de julho, o primeiro evento desse tipo após a dissolução da Organização Socialista Internacional (ISO, na sigla em inglês), no final de março.

Durante anos, a ISO serviu como a principal organizadora da conferência anual e recentemente começou a organizá-la com a revista Jacobin, que é ligada aos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA, na sigla em inglês). Após a dissolução da ISO, a conferência deste ano foi assumida pela Jacobin, juntamente com a Haymarket Books, a editora anteriormente associada à ISO.

O que se viu no evento confirma inteiramente a análise feita pelo Partido Socialista pela Igualdade em sua declaração de 2 de abril (“Provocação entre frações, histeria de classe média e o colapso da Organização Socialista Internacional”), segundo a qual “a liquidação da ISO efetivamente removeu uma barreira organizacional para a integração de sua fração dominante na órbita política do Partido Democrata”.

A ISO, que por muito tempo funcionou como um braço auxiliar do Partido Democrata, utilizou um escândalo sexual para se dissolver rapidamente, com a maioria dos principais membros abrigando-se rapidamente nos DSA, que, por sua vez, são um constituinte integral do Partido Democrata.

O conteúdo da conferência foi notável tanto pelo que foi dito quanto pelo que não foi. Foi totalmente deixada de lado a colaboração do Partido Democrata com Trump e o Partido Republicano no ataque aos direitos democráticos, incluindo o financiamento de US$ 4,6 bilhões para campos de concentração de imigrantes e US$ 733 bilhões para as forças armadas. Também não se discutiu a prisão de Julian Assange e Chelsea Manning. Ao invés disso, um painel após o outro promoveu a ilusão de que é possível utilizar o Partido Democrata, o mais antigo partido capitalista do mundo, para lutar e até mesmo conquistar reformas para a classe trabalhadora.

Um objetivo central dos ex-membros da ISO que ingressaram nos DSA é fazer cumprir a linha de política externa do Departamento de Estado. Esse é particularmente o caso de Ashley Smith, membra de longa data da ISO que apoiou sua dissolução. Nos últimos anos, ela tem sido encarregada de denunciar aqueles que se opõem à operação de mudança de regime apoiada pelos EUA na Síria.

Na conferência deste ano, Smith comandou um painel dedicado a afirmar que os esforços econômicos da China na África e em outros lugares, além de sua “Nova Rota da Seda”, tornaram-na uma potência imperialista. Essa afirmação aconteceu sob condições nas quais tanto a administração Trump quanto os democratas estão pressionando por maiores medidas de guerra comercial e provocações militares contra a China.

Smith também subestimou o papel reacionário central do imperialismo estadunidense, dizendo que o mundo não é mais “unipolar”, mas “multipolar”, no qual a posição relativa dos EUA foi reduzida.

Smith repetiu sua frequente afirmação de que o “problema que enfrentamos hoje na esquerda” é “o campismo e o pseudo anti-imperialismo”. Esses termos foram utilizados para denunciar qualquer um que se oponha ao imperialismo estadunidense no Oriente Médio e defenda regimes nacionais burgueses. Aqueles que denunciam o imperialismo estadunidense, e, em particular, o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), são acusados de não se oporem ao “imperialismo” russo, iraniano ou chinês.

Smith afirmou que a “defesa do imperialismo russo nos DSA também é um problema” – isto é, não há um nível suficiente de apoio à campanha anti-russa dos democratas, que tem sido o foco de sua oposição a Trump.

Outro painel contou com Anand Gopal, um indivíduo que por muito tempo foi associado à ISO e que também possui conexões próximas com o estado. Em um painel comandado pela ex-membra da ISO, Sherry Wolf, Gopal expôs com sangrentos detalhes as condições em Manbij, na Síria, para onde ele viajou inúmeras vezes, sem dúvida, com a ajuda do estado dos EUA. O objetivo de Gopal foi encorajar o apoio à operação de mudança de regime apoiada pelos EUA no país.

No geral, a conferência foi uma operação do Partido Democrata. Amy Goodman, em um importante painel da noite de quinta-feira, chegou mais perto de notar que os crimes atualmente cometidos contra imigrantes e refugiados por Trump foram iniciados pelos democratas. Ela observou que as deportações “cresceram sob Obama”, mas, em seguida, desculpou a deportação de milhões de imigrantes sob o governo anterior, dizendo que “Trump é muito mais cruel”, e pelo menos “nenhuma criança morreu sob Obama”.

Talvez o mais significativo sobre o discurso de Goodman, intitulado “Mídia Independente em um Tempo de Crise”, tenha sido o fato de que a terrível ameaça à liberdade de expressão representada pela prisão de Assange e Manning não mereceu sequer uma menção.

O “New Deal Verde” foi fortemente promovido na conferência. O slogan tem sido levantado pela membra dos DSA e deputada, Alexandria Ocasio-Cortez, e outros democratas a fim de promover a ficção de que a mudança climática e outros problemas sociais podem ser resolvidos no âmbito do capitalismo.

Naomi Klein, uma das principais autoras do Manifesto “Salto” do Novo Partido Democrático canadense, que defende uma economia verde capitalista, e Astra Taylor, uma cineasta radical, ofereceram pouco mais do que discursos morais para votar no Partido Democrata na plenária de encerramento da conferência, “Cuidado e Reparação: o poder revolucionário e democrático de um novo acordo verde global”.

O editor da Jacobin, Bhaskar Sunkara, e outras figuras da conferência defenderam o alinhamento aberto e total a Bernie Sanders, que nas eleições de 2020 possui o objetivo ainda mais claro de reforçar o apoio da juventude aos democratas mesmo diante do profundo descredito em relação tanto ao Partido Republicano quanto Democrata. Sunkara descreveu Sanders como tendo uma “abordagem da luta de classes”. O fato de o Partido Democrata ter se convertido repetidas vezes no cemitério dos movimentos sociais não tem importância.

“Precisamos de 20 anos de estratégia paciente”, disse Sunkara. Ou seja, 20 anos de trabalho dentro do Partido Democrata. Na realidade, Sunkara e os DSA estão comprometidos em manter o estrangulamento do Partido Democrata sobre os trabalhadores e a juventude para sempre.

Emblemática é a opinião apresentada por Paul Le Blanc, um ex-membro do Partido Socialista dos Trabalhadores, depois da organização Solidariedade e, então, da ISO, e agora um membro dos DSA. Em um painel sobre Rosa Luxemburgo, Le Blanc declarou que os escritos da marxista revolucionária contra o oportunismo não podem nos ajudar a entender figuras como Alexandria Ocasio-Cortez.

Brincando de maneira grosseria que “ela está morta há muito tempo”, Le Blanc admitiu que Luxemburgo “tem algo a nos ensinar”. No entanto, ele insistiu que, “na realidade de nosso tempo, ela não tem respostas para tudo”. Para Le Blanc, isso acontece, pois “o contexto dela era de um movimento em massa global da classe trabalhadora, e isso não existe agora, e, portanto, somos confrontados com escolhas e decisões que não estavam colocadas para ela”.

Por isso, temos que “levar mais a sério, por exemplo, os DSA”, bem como o “fenômeno do trabalho eleitoral socialista até mesmo no Partido Democrata”.

No centro desse exercício de charlatanismo político estavam Jesse Sharkey, presidente do Sindicato dos Professores de Chicago (CTU, na sigla em inglês), e sua esposa Julie Fain, que se identificou como editora da Haymarket Books. Ambos foram efetivamente anfitriões da conferência, com Fain apresentando o plenário e outras sessões importantes. A Haymarket Books foi a principal impulsionadora do racha da ISO, sem dúvida sentindo as limitações de suas origens como a editora da ISO.

A editora tem crescido imensamente nos últimos anos, impulsionada em grande parte pelas injeções de dinheiro de indivíduos ricos e organizações sem fins lucrativos, como a Fundação Lannan, da qual recebeu cerca de US$ 1 milhão em doações de 2007 a 2017. A Fundação Lannan também forneceu apoio indireto aos autores da Haymarket Books, bem como uma mansão de Chicago para servir como sede da editora. Um dos diretores da Fundação Lannan, Larry Lannan, fez uma aparição na conferência e foi visto conversando com Fain.

Sharkey, cujo papel na greve de 2012 e desde então resultou no fechamento de mais de 50 escolas e na eliminação de milhares de postos docentes, tornou-se parte integral do Partido Democrata em Chicago.

Em 2015, o CTU endossou e apoiou politicamente Jesus “Chuy” Garcia, agora deputado, na eleição para prefeito contra Rahm Emanuel. Este ano, o sindicato apoiou Toni Preckwinkle, Presidente do Conselho do Condado de Cook e Presidente do Partido Democrata do Condado de Cook. Os laços de Preckwinkle com a corrupta máquina política democrata e sua reputação de cortar custos resultaram na abstenção em massa e em sua derrota para Lori Lightfoot, ex-promotora e ex-presidente do Conselho de Polícia de Chicago, com quem o CTU agora trabalha de perto.

Durante seu discurso na conferência na plenária de sexta-feira, “Bem-vindo a Chicago Vermelha”, Sharkey dividiu o palco com três dos seis vereadores filiados aos DSA, que foram recentemente eleitos em Chicago. Um deles, Carlos Ramirez-Rosa, recebeu aval do Partido Democrata e é um membro do comitê do Partido Democrata.

Sharkey tentou moderar as expectativas em relação aos vereadores dos DSA na Câmara Municipal de Chicago, dizendo que “nós não representamos toda esta cidade, nós não temos todos os socialistas na Câmara Municipal, nós temos seis”.

As derrotas que o CTU tem produzido, bem como as do UAW (Sindicato dos Trabalhadores Automotivos) e outros sindicatos, não foram discutidas ou simplesmente minimizadas. Tim Marshall, um membro dos DSA de Oakland que participou da traição aos professores deste ano, admitiu: “Não foi um contrato perfeito. Foi uma lição de aprendizagem”.

Políticas de gênero e raça também foram discutidas sempre que possível pelos palestrantes para desviar qualquer atenção da política de classe. Lois Weiner, professora de educação e consultora de sindicatos de professores, expressou isso com mais clareza, dizendo que a razão pela qual é tão perigoso dizer que “demandas de toda a classe devem ter prioridade” é porque soa aos afro-americanos que você está dizendo que eles devem esperar. Rejeitando a ideia de que os professores deveriam fazer apelos amplos e de classe como trabalhadores, Weiner disse que os sindicatos de professores precisam “ser anti-racistas porque os pais são nossos melhores aliados”, e “se queremos aliados de comunidades de cor, precisamos ser um aliado”.

Esse tipo de política de identidade é a mercadoria do negócio político do Partido Democrata, cujas concepções foram levadas adiante de todas as maneiras na conferência “Socialismo 2019”.

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