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Bolsonaro ameaça Glenn Greenwald e intensifica discursos fascistas

Publicado originalmente em 13 de Agosto de 2019

O fim dos primeiros seis meses do governo Bolsonaro no Brasil tem sido marcado por uma aguda intensificação dos discursos fascistas do presidente de extrema-direita. Eles têm tido como alvo as instituições do governo responsáveis pela identificação e indenização das vítimas da ditadura militar de 1964-1985, as próprias vítimas e também as pessoas vitimadas pelas forças policiais assassinas do país.

Isso tem sido feito em conjunto com ameaças diretas a seus críticos, acusando-os de “auxiliar criminosos” e minar a “segurança nacional”, destacando-se entre eles o jornalista baseado no Rio de Janeiro Glenn Greenwald.

A rápida intensificação do impulso autoritário da elite dominante encontrou sua expressão mais clara na publicação da Portaria nº 666 pelo Ministério da Justiça em 25 de julho, orientando a deportação dentro de 48 horas de suspeitos de terrorismo, tráfico humano, de drogas ou armas, e pornografia infantil. Sob a portaria, aqueles acusados desses crimes receberão apenas 24 horas para apelar da deportação. A medida antidemocrática foi instaurada praticamente sem qualquer reação do establishment político, exceto por um protesto formal de um dos departamentos da Procuradoria Geral da República (PGR) e a retórica usual por parte do Congresso.

A portaria foi amplamente interpretada como uma ameaça direta a Greenwald. Ele se tornou um alvo central de Bolsonaro desde que começou a coordenar em junho a publicação, feita pelo site Intercept em parceria com outros veículos, dos vazamentos expondo a corrupção no centro da Operação Lava-Jato, que havia descoberto um gigantesco esquema de propinas centrado na gigante estatal de petróleo Petrobrás.

O esquema, supervisionado pelo então governo do PT, foi explorado pela classe dominante para pôr em prática uma violenta guinada à direita do sistema político brasileiro em meio ao amplo abandono do PT por eleitores de classe trabalhadora que se opunham às suas medidas de austeridade. Isso levou, em última instância, ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff em 2016 e à prisão do ex-presidente Lula no ano passado, que, como resultado, foi impedido de concorrer às eleições.

Bolsonaro escolheu Sérgio Moro, o juiz principal da investigação e responsável pela portaria de deportação fascista, como Ministro da Justiça. Foi revelado em mensagens obtidas pelo Intercept que Moro instruiu de forma imprópria a acusação no caso contra Lula e, o mais importante, orientou membros da PGR a abandonar acusações contra a maioria dos outros políticos envolvidos no escândalo.

As revelações envolveram Bolsonaro na mesma crise política que o levou originalmente a ser eleito, com uma campanha eleitoral dominada pela demagogia anticorrupção. A reação do governo tem sido de organizar uma campanha de pânico em nome da “segurança nacional”, provocando chamados pela deportação de Greenwald por membros do partido de Bolsonaro, o PSL, e para que Moro ordene à Polícia Federal (PF) a investigação de supostos hackeamentos de seu celular, que seriam a fonte dos vazamentos. Houve outras alegações sem a apresentação de evidências de que Greenwald agiu em colaboração com a “inteligência russa”.

Essa caça às bruxas também criou o ambiente político para Bolsonaro lançar uma defesa explícita dos crimes da ditadura militar. Ele atacou as vítimas do regime de tortura, retratando-os como mentirosas e “terroristas”, chamou especialistas em Direito de “colaboradores” e classificou como uma ameaça intolerável aos interesses nacionais as já covardes e inofensivas agências formadas para investigar os crimes da ditadura.

O governo se sentiu encorajado, por ter a colaboração de muitos dos seus supostos opositores no Congresso e no Supremo Tribunal Federal no final de junho para aprovar sua agenda de austeridade, incluindo a odiada “reforma da previdência”, que foi aprovada na Câmara na semana passada e agora será votada no Senado. Enfrentando massiva oposição popular, mas tendo a certeza de que nenhuma fração do establishment político irá agir para desestabilizar o governo e arriscar o desvio do seu pacote de austeridade, Bolsonaro tem acelerado a implementação de medidas de estado policial e também o cultivo de sua base de extrema-direita centrada – como nos Estados Unidos de Trump e na Alemanha do AfD – nas forças de segurança.

Tal escalada tem sido acelerada desde a prisão, sob circunstâncias extremamente suspeitas, de quatro supostos hackers em 23 de julho, acusados de fornecer material para o Intercept. Greenwald negou que os suspeitos presos eram a sua fonte, dizendo que recebeu os documentos antes da data das supostas invasões identificadas pela PF que teriam acontecido em 4 de junho.

A PF alegou ainda que, em 12 de junho, os suspeitos presos tentaram usar Manuela D’Ávila, do PCdoB e candidata à vice-presidência na chapa de Fernando Haddad nas eleições de 2018, como uma intermediária para entrar em contato com Greenwald e transferir material que implicava Moro e outros.

As prisões foram o pretexto usado para outra alegação, sem fundamentação, de que o telefone de Bolsonaro também havia sido hackeado, o que seria chamado de ameaça à segurança nacional e usado para justificar amplas acusações contra os hackers – e, em última instância, Greenwald – sob a “Lei de Segurança Nacional” criada durante a ditadura militar.

Dois dias depois, a sinistra portaria de deportação foi instaurada, e logo depois Bolsonaro declarou que Greenwald havia sido “esperto” de se casar com o deputado David Miranda, o que impediria sua deportação sob a Lei de Migração, que dá direitos mais amplos a estrangeiros casados com brasileiros. Greenwald, um cidadão estadunidense, é casado com Miranda do pseudo-esquerdista PSOL, com quem ele adotou dois filhos brasileiros.

Entretanto, a evidente ilegalidade da portaria de deportação sumária em 48 horas, que não foi contestada pelo sistema político, deixa claro que as “garantias” cínicas de Bolsonaro não significam nada.

Expondo o acelerado colapso das formas democráticas de governo no Brasil, Moro reagiu às prisões dos hackers intervindo novamente na investigação e buscando o apoio dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do STF para destruir as supostas evidências, tornando impossível qualquer processo legal contra os suspeitos. Ele teria ligado para os juízes e os avisado de que também haviam sido hackeados.

Isso só foi impedido pela intervenção unilateral de dois juízes do STF, Luiz Fux – retratado como um aliado de Moro nas mensagens publicadas por Greenwald – e Alexandre de Moraes. Moraes está liderando mais uma investigação ilegal da “difamação” dos juízes iniciada pelo presidente do STF, José Antônio Dias Toffoli. A intervenção a serviço próprio dos juízes claramente não está relacionada a preocupações com a Constituição, mas ao controle das evidências que possam implicá-los na ampla corrupção do sistema político brasileiro e permitir a perseguição daqueles que criticam o STF.

A exposição da corrupção, presente em todos os setores do estado brasileiro, encorajou Bolsonaro a iniciar um amplo ataque contra a frágil infraestrutura do governo brasileiro formada para lidar com os crimes da ditadura. Em 29 de julho, ele atacou a OAB, associando-a à tentativa de assassiná-lo em um comício de campanha. O frágil pretexto encontrado foi o repúdio da OAB ao tratamento dado ao advogado do homem que o atacou, Adélio Bispo, acusado de ser “colaborador” de um dos seus outros clientes, suspeito de envolvimento com o PCC.

Mais tarde no mesmo dia, em uma transmissão ao vivo no Facebook cuidadosamente ensaiada, enquanto cortava o cabelo, Bolsonaro disse de maneira provocadora que, se o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, quisesse, ele poderia contar a ele como seu pai, Fernando Santa Cruz, havia morrido. Santa Cruz foi um dissidente político que desapareceu durante a ditadura em 1974.

Em meio a muitos crimes ainda não resolvidos, a morte de Santa Cruz é um dos assassinatos cometidos pelo estado reconhecidos pelo governo brasileiro. Apesar de Bolsonaro ter alegado que Santa Cruz foi executado em um enfrentamento interno dentro de um grupo de guerrilha, a presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos encarregada de investigar o período, a Procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga, ordenou a divulgação do atestado de óbito de Santa Cruz preparado pela comissão, provando que ele havia sido assassinado pelas forças do estado.

Dois dias depois, ela foi exonerada da comissão, junto a três outros membros, que foram substituídos por uma nova maioria pró-militar de quatro membros. A nova comissão cancelou subitamente uma cerimônia pública preparada para marcar o reconhecimento do assassinato de Santa Cruz pelo estado. Perguntado sobre a exoneração pela imprensa, Bolsonaro respondeu com um discurso fascista: “Mudou o presidente, agora é Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada.” Ele se referia aos especialistas que revelaram os crimes do regime militar.

No último sábado, uma reportagem do UOL mostrou que a Comissão de Anistia do governo, encarregada de decidir a reparação financeira para aqueles que foram perseguidos pela ditadura, também sofreu um expurgo em março. Com uma nova maioria pró-militar, ela agora está discutindo a negação de indenizações com base em acusações de que os requerentes eram “terroristas” e usando memórias de infância de militares pró-ditadura como evidência nos casos. Desde que foi estabelecida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, um ex-exilado, em 2002, a comissão reconheceu nada menos que 39 mil vítimas, incluindo aquelas assassinadas e torturadas pela ditadura apoiada pelos EUA e aquelas forçadas ao exílio ou demitidas por razões políticas durante o período de 20 anos que está encarregada de investigar.

Apesar da enorme oposição a Bolsonaro, entretanto, a autointitulada oposição liderada pelo PT está completamente comprometida em garantir que nada desestabilize o governo, e que, se qualquer mudança for necessária para garantir os lucros, isso deve ser feito dentro dos palácios do governo em Brasília ou nos salões dos centros financeiros. Apesar de toda a tinta gasta por representantes e comentaristas ligados ao PT chamando Bolsonaro e os juízes do STF de “fascistas”, não levou mais do que alguns dias para os comentaristas da “oposição” exporem sua completa falta de seriedade para interpretar o comportamento interessado do Supremo como uma prova dos “raios de luz que surgem na escuridão”, nas palavras do editor da Revista Fórum, pró-PT.

O editor, Renato Rovai, não enfrenta dilemas sobre o caráter oportunista de sua política, escrevendo depois dos comentários de Bolsonaro sobre a morte de Santa Cruz que “advogados não têm nariz grande à toa, mas para sentir a mudança do vento e se reposicionar com rapidez”, e que o ataque contra a OAB causaria perdas para a base de apoio de Bolsonaro nas elites.

Por sua vez, Haddad novamente ofereceu a paz aos militares em sua coluna na Folha de S. Paulo de 3 de agosto ao aconselhar as “briosas Forças Armadas” pelo fato de que “ainda não assimilaram plenamente o conceito de soberania popular”.

Menos de uma semana depois, a revista de ultradireita Veja entrevistou Toffoli, que disse ter sido consultado por militares e políticos em abril sobre maneiras possíveis de remover Bolsonaro do poder ou de declará-lo incapaz de governar. Subsequentemente, entretanto, ele havia concordado em apoiar a agenda econômica de Bolsonaro para evitar maior instabilidade política.

Os trabalhadores e estudantes que estão entrando em luta precisam ter claro que o PT e seus apologistas de pseudo-esquerda estão completamente centrados em tentar impedir o ódio popular por Bolsonaro de se desenvolver em um questionamento mais amplo da ordem burguesa. As manifestações esparsas e ritualísticas sendo convocadas contra a reforma da previdência têm como objetivo aliviar as tensões e trazer uma aprovação pacífica da reforma. Elas servem para expor ainda mais o fato de que o PT e os sindicatos estão participando integralmente das conspirações da classe dominante.

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