Português

Queimadas na Amazônia expõem a falácia da política do capitalismo “verde”

Publicado originalmente em 28 de Agosto de 2019

Enquanto grande parte do mundo ficou apreensivo pelo acelerado aumento do ritmo do desmatamento e das queimadas na floresta amazônica e suas implicações para o meio ambiente mundial, as classes dominantes brasileira e internacional buscaram explorar os incêndios para ganhar vantagens nas disputas geopolíticas e comerciais que as dividem.

Em agosto, as queimadas aumentaram tanto na Amazônia, que cobre aproximadamente um terço da América do Sul, quanto no vizinho Pantanal, que também abrange o Paraguai e a Bolívia. Enquanto estados brasileiros decretavam estado de emergência e o Peru estado de alerta, as cinzas das queimadas alcançaram grandes áreas do Sul e Sudeste do Brasil. Acompanhada de uma frente fria vinda do Sul, as cinzas encobriram o sol na região Sudeste.

As queimadas de agosto são o resultado de um extenso ataque contra as regulamentações ambientais e trabalhistas. Esse processo se acelerou depois de a crise econômica mundial atingir a economia brasileira com tudo a partir de 2013, fazendo os grandes proprietários de terra empregarem métodos mais destrutivos para diminuir os custos de produção e trabalhistas, particularmente ao abrirem novos pastos e áreas de cultivo nas bordas da floresta ou próximos a estradas e rios que atravessam essa área.

O desmatamento aumentou mais de 278% em julho em relação ao mesmo período de 2018, enquanto as queimadas aumentaram 84% no país ao longo do último ano. A temporada de seca no centro da América do Sul é entre maio e setembro, exatamente quando os pequenos proprietários e grandes fazendeiros realizam as queimadas.

No entanto, o desmatamento na Amazônia não é meramente um fenômeno progressivo: tendo perdido 17% de sua área original, estima-se que, se essa perda chegar a 25%, o dano será irreversível, desertificando a área e transformando a floresta em cerrado. A floresta amazônica é um ecossistema absorvedor de carbono, com especialistas estimando que sua biomassa carrega o equivalente a cem anos de emissões de carbono dos EUA nos atuais níveis.

Com a desertificação da floresta, a maior parte dessas emissões seria liberada na atmosfera, tornando ainda mais difícil a enorme tarefa de reduzir as emissões atuais para conter o aquecimento global. Baseando-se na taxa de desmatamento média dos últimos anos, especialistas estimaram que tal colapso aconteceria em 20 anos, mas o aumento do desmatamento para as taxas deste ano poderia fazer isso acontecer em apenas 5 anos.

O aquecimento global tem tido um significativo papel no aumento das queimadas, uma vez que está prolongando a temporada de seca. Entretanto, a causa mais imediata das queimadas foi a campanha simultânea do presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, e dos governadores da região amazônica para pressionar pela desregulamentação ambiental e afrouxar os mecanismos de fiscalização da floresta.

Bolsonaro encheu seu governo de negacionistas climáticos que consideram a ciência climática uma “conspiração marxista” e atacou repetidas vezes agências do governo responsáveis pelo meio ambiente. No início de agosto, esse ataque levou à demissão do presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) por publicar, como é exigido pela legislação brasileira, dados sobre o desmatamento. Bolsonaro alegou que o INPE estava mentindo sobre o desmatamento e foi publicamente contestado pelo seu presidente, Ricardo Galvão. Depois de demitido, Galvão foi substituído na presidência do INPE por um coronel da Força Aérea aliado a Bolsonaro.

Por sua vez, os governadores da região amazônica diminuíram os recursos de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), expondo seus fiscais à violenta retaliação de mercenários privados trabalhando para grandes proprietários de terra. Isso, na prática, impediu a garantia do cumprimento das leis ambientais contra o desmatamento.

O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), disse para ruralistas em um comício no final de maio para não pagarem multas ambientais para o Instituto do Meio Ambiente do Acre (IMAC). Batendo com a mão no peito, ele ainda disse que proprietários que recebessem multas deveriam falar com ele pessoalmente. No estado do Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) sancionou uma lei no começo de julho facilitando os critérios para regularizar o direito de propriedade de terras públicas.

Legislações como essa, incialmente propostas para dar o direito de propriedade para pequenos agricultores que colonizaram terras públicas depois de terem sido forçados a deixar outras regiões por pressões políticas ou econômicas, têm sido usadas no Brasil por quase dois séculos para transferir propriedades para grandes proprietários fraudulentamente. Barbalho retirou as exigências de que o requerente exerça atividade agrícola ou more na terra, substituindo-a apenas pela “intenção” de se estabelecer na terra requerida. Estima-se agora que 15% do território do estado poderá ser alvo da ação de grileiros.

O Pará lidera o crescimento do desmatamento da Amazônia e jornais locais noticiaram que em 5 de agosto os proprietários de grandes fazendas próximas à rodovia federal BR-163 estavam organizando um “dia do fogo” para 10 de agosto. A intenção deles era mostrar para Bolsonaro “que [eles] querem trabalhar e o único jeito é derrubando [a floresta]” e que se sentiam “amparados” pelo presidente.

As notícias da destruição acelerada da Amazônia provocaram, com razão, raiva e revolta no Brasil e ao redor do mundo diante da hostilidade cada vez maior à inação dos governos mundiais em relação ao aquecimento global. Manifestações em massa aconteceram nas principais cidades do país e também na Europa e internacionalmente.

A revolta popular foi intensificada ao Bolsonaro responsabilizar as populações indígenas oprimidas pelos problemas sociais que afetam a região. Isso aconteceu em meio a relatos frequentes de assassinatos de ativistas ambientais e líderes camponeses por mercenários privados que estão incendiando a floresta.

Entretanto, o debate sobre a situação da Amazônia também expôs os graves perigos para os trabalhadores e jovens em todo o mundo pela tentativa de canalizar a luta contra o aquecimento global por trás de um renovado esforço para uma reabilitação “verde” do capitalismo.

Nos últimos meses, o governo Bolsonaro tem entrado em desavenças com os governos da Alemanha e da Noruega, que eram os principais doadores do Fundo Amazônia, estabelecido em 2008 durante o governo Lula (PT). O Fundo Amazônia foi criado para auxiliar na redução do desmatamento e das queimadas, mas, em maio, Bolsonaro publicou um decreto acabando com o conselho de fiscalização do Fundo, uma medida que em parte teve como alvo representantes de ONGs presentes no conselho. Depois, ambos os países anunciaram a suspensão do financiamento.

Em resposta às críticas dos governos norueguês e alemão, autoridades brasileiras declararam que nenhum dos países tinham qualquer direito de criticar o Brasil. Elas citaram os planos da Noruega para perfurar o petróleo do Ártico, dizendo que era “hipócrita” levar adiante esse projeto ao mesmo tempo que o país busca impedir a extração de petróleo na foz do Rio Amazonas.

A disputa se acirrou depois que a revista Foreign Policy publicou um artigo mostrando a possibilidade de doutrinas como a “Responsabilidade de Proteger” (R2P, na sigla em inglês) poderem ser invocadas no futuro próximo por grandes potências mundiais para passarem a controlar a Amazônia. A revista ainda disse que o Brasil seria “frágil o bastante” para ceder às pressões, possuindo o controle da floresta por “razões puramente históricas”.

Finalmente, em 22 de agosto, o presidente francês, Emmanuel Macron, publicou um tuite propondo uma “discussão internacional” sobre a Amazônia no encontro do G-7, provocando uma reação furiosa do governo Bolsonaro. Um dos seus assessores de inteligência, o General da reserva do Exército, Eduardo Villas Bôas, chegou ao ponto de citar Ho Chi Minh e a devastação causada nas colônias francesas no Pacífico por testes nucleares para questionar a “autoridade moral” da França. Bolsonaro, por sua vez, criticou Macron por agir com uma “mentalidade colonialista descabida no século XXI”.

Na noite de segunda-feira, o governo brasileiro ampliou sua retórica, recusando-se a aceitar os ínfimos 20 milhões de dólares oferecidos pelos países do G7 para ajudar a combater as queimadas. Na terça-feira, Bolsonaro disse a repórteres em Brasília que só aceitaria o dinheiro depois que Macron retirasse “os insultos que faz a minha pessoa”.

A preocupação principal de Macron não é a destruição da Amazônia, mas, sim, fazer o seu próprio apelo nacionalista para os fazendeiros franceses contrários ao acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul que está sendo discutido e será votado pelo poder legislativo dos países que compõem ambos os blocos. O presidente francês ameaçou vetar o acordo caso o Brasil não aja de forma mais decisiva para proteger a Amazônia.

As potências imperialistas possuem interesses estratégicos definidos de longo prazo em relação à Amazônia, que possui 20% da água doce do mundo, assim como algumas das maiores reservas de elementos terras raras do mundo. Além disso, a Amazônia está sujeita a uma nova “corrida do ouro” pela propriedade intelectual de compostos que podem ser extraídos das 3 milhões de espécies da floresta.

A Alemanha, cuja indústria se beneficiaria do acordo de livre comércio, expressou reservas quanto à retórica de Macron, enquanto outros países da UE altamente dependentes da agricultura, como a Irlanda, apoiaram o presidente francês. A maior parte dos governos da UE, entretanto, recusou-se a adotar um tom agressivo, temendo que o acordo poderia ser colocado em perigo, assim como os lucros esperados pela diminuição de salários imposta pela selvagem competição entre os trabalhadores de ambos os continentes com a aprovação do acordo.

Enquanto isso, a oposição política no Brasil liderada pelo PT entrou em histeria, que foi resumida pelo parta-voz do PT, o Brasil 247, em um editorial intitulado “Destruição de Bolsonaro produziu uma imagem dramática que será o símbolo da luta pela Amazônia - e pode fazer o Brasil perdê-la”. Ele foi, em grande medida, uma resposta à tentativa dos chefes do agronegócio de diminuir o tom da retórica de Bolsonaro.

O editorial dá total credibilidade às credenciais “verdes” das potências imperialistas, que estão usando as queimadas para fazer avançar seus interesses. Segundo ele, “como a Amazônia é fundamental para o equilíbrio ecológico global, ela poderá vir a ser declarada patrimônio da Humanidade – e não mais do Brasil – uma vez que o governo age deliberadamente para destruí-la”.

A declaração desonesta e oportunista expõe até onde o PT está disposto a ir para se mostrar confiável para o capital financeiro mundial. A suposição de que uma intervenção na Amazônia pelas potências imperialistas deve ser aceita ingenuamente como algo legítimo é facilmente manipulada por Bolsonaro e Villas Bôas, com sua postura “anti-imperialista” e citações recém-descobertas de Ho Chi Minh.

A política do PT é impulsionada por declarações que Bolsonaro é uma ameaça aos negócios no país. Dois dias depois, outro artigo declarava que “Ruralistas sofrem o primeiro grande prejuízo decorrente da insanidade bolsonarista. A França acaba de anunciar que irá se opor a um acordo comercial com o Mercosul, que poderia abrir mercados para os produtos nacionais”. A voz da oposição neoliberal a Bolsonaro, o candidato petista à presidência em 2018, Fernando Haddad, tuitou que as críticas de Macron, um ex-banqueiro e um dos chefes de estado mais odiados da Europa, a Bolsonaro haviam “reabilitado” o presidente francês.

A pseudo-esquerda brasileira, com a tendência pablista Insurgência (PSOL) à frente, chamou um “boicote aos produtos brasileiros provenientes da depredação ambiental e violações dos direitos indígenas”.

Essa política não é nada mais do que uma cobertura “verde” para os interesses capitalistas e um apelo moralista aos círculos de classe média alta que constituem a base social da pseudo-esquerda. Em uma outra declaração, a tendência morenista Resistência (PSOL) revela precisamente como eles querem levar essa política adiante. Depois de exigir dos países imperialistas “contrapartidas” e que devem “financiar no âmbito internacional uma operação de transição econômica para um modo de produção limpo, sustentável e menos desigual”, o grupo diz que isso em si exigiria “uma aliança entre os setores socialistas e liberais na forma dos ambientalistas”.

Não há nessa “análise” qualquer oposição ao capitalismo ou qualquer apelo para a única força social capaz e decididamente interessada em lutar contra o aquecimento global: a classe trabalhadora internacional. No máximo, ela é vista como um obstáculo para a “produção limpa”, opondo-se aos magnatas do agronegócio “preocupados” com a floresta e às elites financeiras mundiais determinadas em reduzir o consumo impondo austeridade e pobreza sobre a classe trabalhadora.

Uma luta real contra a destruição da Amazônia exige uma crítica implacável a essas forças políticas, que são responsáveis por alimentar o crescimento da extrema direita no mundo.

A região amazônica não é uma exceção a esse processo político. Na Norte do Brasil, estados inclinados à esquerda, como o Acre, acabaram com 20 anos consecutivos de vitórias do PT elegendo Bolsonaro com 70% dos votos na eleição do ano passado. Os trabalhadores da região foram reprimidos quando se rebelaram contra as condições de trabalho do século XIX impostas sobre eles durante a construção das colossais usinas hidrelétricas do governo do PT, que estão entre as mais destrutivas do mundo por causa da geografia plana da bacia Amazônica.

Além disso, durante as últimas duas décadas, eles têm enfrentado a barbárie do capitalismo brasileiro através do aumento do encarceramento da população em geral, que dobrou e tem causado revoltas cada vez maiores e mais violentas nas prisões. Já a migração da população indígena para os centros urbanos tem causado um colapso nas colheitas e um enorme aumento da hipertensão, diabete e obesidade.

Uma resposta progressista aos imensos perigos causados pelas queimadas na Amazônia é impossível sob um sistema fundado na brutal exploração e na massiva desigualdade social defendidas tanto por Bolsonaro quanto Macron. Ela só pode vir da luta da classe trabalhadora pelo fim do capitalismo e pela abolição do sistema de lucro.

Loading