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Depois das eleições turcas: Como a pseudo-esquerda se alinhou ao CHP

Parte III: O papel do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (DİP)

Publicado originalmente em 4 de outubro de 2019

Esta é a última parte de uma série de três artigos. Leia também a Parte I e a Parte II da série.

O DİP, que declara de maneira fraudulenta querer “refundar” a Quarta Internacional, oferece uma cobertura para esse círculo reacionário da pseudo-esquerda e tenta impedir a construção de uma seção do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) que luta pelo trotskismo na Turquia. A ligação do DİP com o EEK de Savas Michael-Matsas permite entender seu papel em promover e oferecer uma cobertura para partidos pequeno-burgueses e da pseudo-esquerda alinhados ao CHP e à burguesia turca.

Michael-Matsas liderou a seção grega do CIQI que apoiou Gerry Healy durante o racha de 1985-1986 entre o CIQI e o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (WRP, na sigla em inglês), que era liderado por Healy no Reino Unido. Michael-Matsas rompeu com o CIQI de maneira completamente sem princípios, recusando uma discussão com outras seções e defendendo que elas não tinham autoridade para sequer se reunirem sem a permissão de Healy. O que estava por trás dessa posição era sua concordância com a posição nacionalista-oportunista que Healy havia desenvolvido, rejeitando a teoria da Revolução Permanente. Depois de romper com o CIQI, Michael-Matsas entrou definitivamente na órbita do partido pró-austeridade socialdemocrata grego (Pasok) e, assim como Healy, comemorou a Perestroika de Gorbachev como o início da “revolução política” na União Soviética.

Um aspecto decisivo para Healy e Michael-Matsas rejeitarem a teoria da Revolução Permanente foi eles terem considerado que a burguesia do Oriente Média tinha um papel progressista, e até mesmo revolucionário. Enquanto Michael-Matsas viajou para o Irã depois do início da Revolução Iraniana de 1979 e promoveu as forças teocráticas que haviam chegado ao poder e estavam suprimindo as camadas de trabalhadores que haviam liderado a revolução, Healy se acomodou aos regimes nacionalistas no Iraque, Líbia e outros países – desenvolvendo relações financeiras sem princípios com esses governos por trás das costas do CIQI.

Com isso, eles rejeitaram a luta do CIQI desde a sua fundação em 1953 para oferecer uma perspectiva revolucionária para a classe trabalhadora internacional contra o imperialismo, o stalinismo e o nacionalismo burguês. Healy e Michael-Matsas se juntaram ao campo pequeno-burguês, liderado em 1953 por Michel Pablo e Ernest Mandel, que defenderam a liquidação política do movimento trotskista dentro do stalinismo e do nacionalismo burguês. A luta do CIQI contra as forças pablistas dentro da WRP culminou em um rompimento, entre 1985 e 1986, com os renegados oportunistas nacionais no WRP. A luta contra o stalinismo e o nacionalismo burguês que embasava esse rompimento foi confirmada apenas cinco anos depois com a dissolução da União Soviética e a restauração do capitalismo na Rússia pelo Kremlin. O resultante desaparecimento do obstáculo militar à guerra imperialista abriu o caminho para décadas de guerras no Oriente Médio.

A conferência do CRQI em Istanbul sobre o centenário da Internacional Comunista com Darya Mitina

Trinta anos depois, as manobras reacionárias do DİP são resultado direto de sua orientação pablista. À medida que se orienta ao CHP e, através dele, ao imperialismo estadunidense e europeu, o DİP também desenvolve relações amigas com as elites capitalistas emergentes em Moscou e Pequim cultivadas pelo AKP. Como o WSWS já escreveu, a política do DİP está de acordo com uma “perspectiva neo-pablista … de que Putin tem o potencial de apresentar algum tipo de alternativa anti-imperialista, um contrapeso à dominação do imperialismo estadunidense”.

O DİP mantém uma colaboração próxima com stalinistas russos, como Darya Mitina, uma agente stalinista de longa data que possui extensas conexões com o estado russo. Representando o stalinista Partido Comunista Unificado da Rússia (OKP), Mitina, junto com seu marido e companheiro político, Said Gafurov, participaram do acampamento de verão do EEK na Grécia. Em uma entrevista de 2014 à IA Regnum, uma agência de notícias pró-Kremlin, ele foi apresentado como um “assessor do presidente da Federação Russa”.

O DİP também apoiou o partido curdo nacionalista HDP, que é pró-OTAN e pró-União Europeia (UE), até as eleições de junho de 2018. De fato, suas justificativas para apoiar o partido nacionalista burguês HDP foram parecidas àquelas que seus aliados utilizaram para apoiar o CHP contra Erdogan. Em 2015, o DİP declarou: “Nós consideramos uma vitória do HDP como um golpe contra a política anti-trabalhadores e reacionária de Erdogan e do AKP”. O DİP alegou de maneira fraudulenta que o “HDP não é um partido de trabalhadores, mas também não é um partido burguês”.

A perspectiva pablista do DİP se mostrou na campanha eleitoral turca deste ano, com toda a camada da pseudo-esquerda da qual ele faz parte se alinhando cada vez mais diretamente a Ancara e ao imperialismo.

Fazendo um chamado para “unir os 99% sob o teto de trabalho” e por uma Assembleia Constituinte para reescrever a constituição da república turca, o DİP alertou que a aliança liderada pelo CHP é uma “oposição estadunidense” a Erdogan. Ele escreveu em 2 de abril: “a classe trabalhadora precisa de uma Frente Única, e, em geral, os trabalhadores precisam de um foco político independente do capital e do imperialismo. Por isso, todas as forças que querem pão e liberdade, particularmente os socialistas, precisam se separar imediatamente da oposição estadunidense liderada pelo CHP. Se as forças de esquerda e socialistas não realizarem essa ruptura hoje, elas se tornarão parceiras dos crimes dessa frente contra o povo”.

O chamado do DİP aos seus aliados “de esquerda e socialistas” para romper com a “oposição estadunidense” é uma fraude política. Em primeiro lugar, não há nada de esquerda ou socialista em apoiar o imperialismo estadunidense ou europeu, que o DİP, na prática, reconhece ser o que seus aliados estão fazendo. Em segundo lugar, o DİP tem a mesma posição de classe de seus parceiros mais explicitamente pró-imperialistas e estava ele próprio chamando o CHP para liderar a luta contra Erdogan. O DİP é, no limite – e também o ÖDP, o EMEP e outros partidos desse tipo – um parceiro no que o próprio DİP chama de “crimes contra o povo”.

Por trás das discordâncias do DİP com o ÖDP ou o EMEP não existem divergências de princípios de orientação de classe ou estratégia política, mas divergências táticas em relação à política externa ligadas às suas conexões pablistas com o regime de Moscou. Os ziguezagues do DİP em relação a vários estados e partidos burgueses são politicamente incoerentes e inteiramente sem princípios. Por um lado, enquanto chamava os partidos burgueses do parlamento para que “retornassem ao seio da nação”, o DİP atacava o CHP, incorretamente e de uma forma nacionalista e populista, por ser um partido “estadunidense”. Por outro, ele se vira e promove partidos “de esquerda” e “socialistas” que estão se orientando, através do CHP, a Washington e Berlim. Entretanto, o que é consistente com as várias manobras oportunistas do DİP é sua oposição a uma perspectiva trotskista por uma luta internacional da classe trabalhadora contra a guerra imperialista e as classes dominantes capitalistas em todo o Oriente Médio e ao redor do mundo.

No entanto, essa é a única perspectiva política viável para o tipo de movimento que está surgindo. Os movimentos em massa no Sudão, Argélia e Egito contra os regimes militares, as greves de professores e trabalhadores do setor automotivo nos EUA e de trabalhadores de indústrias “maquiladoras” no México, os protestos dos “coletes amarelos” contra a desigualdade social na França que também foram assumidos por trabalhadores em lugares como no Iraque, os protestos contra a austeridade do ano passado no Irã e os recentes protestos em massa em Porto Rico e Hong Kong são as etapas iniciais de um movimento contra a guerra imperialista e a ditadura capitalista. A revolta entre os trabalhadores causada pela repressão militar policial e pela desigualdade social cada vez maior está crescendo e emergindo cada vez mais em todo o planeta.

Nessa situação, a denúncia dos partidos da pseudo-esquerda feita pelo CIQI e seus apoiadores, que se baseia em uma perspectiva histórica e internacional trotskista, é de decisiva importância estratégica. A identificação residual e inteiramente falsa entre a pseudo-esquerda e a política “de esquerda” ou “socialista” deixa os trabalhadores sem perspectiva para unificar essas lutas que estão emergindo da classe trabalhadora em uma luta revolucionária. Ao invés disso, os trabalhadores ouvem que o caminho a seguir é tentar qualquer tática nacionalista que os amarra a partidos da guerra e da repressão como o CHP.

O histórico dos partidos da pseudo-esquerda turca de hoje e a falência de suas manobras com a burguesia constituem uma enorme confirmação da teoria da Revolução Permanente de Trotsky. Em países com desenvolvimento capitalista atrasado, a classe capitalista é incapaz de estabelecer um regime democrático ou de romper os profundos laços que a liga ao imperialismo. Essas tarefas recaem à classe trabalhadora, que deve se mobilizar em uma luta internacional para a revolução socialista proletária. A tarefa é espalhar essa perspectiva e construir a liderança revolucionária para a classe trabalhadora, isto é, o Sosyalist Eşitlik como a seção do CIQI na Turquia.

Concluído.

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