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Polícia mata nove jovens em baile funk de São Paulo

Publicado originalmente em 3 de dezembro de 2019

Nove pessoas morreram durante uma operação da Polícia Militar na favela de Paraisópolis, em São Paulo, na madrugada de domingo. Entre os mortos estão quatro adolescentes, três jovens de 16 anos de idade e um de 14 anos.

Eles estavam em um baile funk que reunia cerca de 5 mil pessoas quando foram violentamente atacados pela polícia. Ainda não se sabe se as mortes foram diretamente provocadas pelo brutal ataque da polícia ou se os jovens morreram pisoteados quando foram encurralados pelos policiais nas ruas estreitas da favela tentando escapar dos tiros (relatos falam do uso de munição letal, além de balas de borracha) e das bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral.

O ato bárbaro da polícia em São Paulo ocorreu ao mesmo tempo que o governo Bolsonaro se empenha em aprovar o pacote anticrime do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, que possui uma série de medidas para aumentar a repressão no país. Entre essas medidas está aquela que amplia a excludente de ilicitude, garantindo impunidade a militares em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o que significa uma licença para matar.

A Polícia Militar de São Paulo, que bate novos recordes de assassinatos a cada ano, compreendeu a mensagem transmitida pelo presidente e já atua no espírito das novas medidas propostas.

O pretexto apresentado pelos policiais para terem iniciado o massacre foi uma perseguição a criminosos, que supostamente entraram no baile funk para se esconderem entre a multidão. Porém, além de essa explicação da polícia não justificar nenhuma morte, seus argumentos caem por terra diante dos vários relatos e registros feitos por testemunhas.

Vários jovens descreveram a ação da polícia como uma emboscada – os policiais prepararam um cerco, bloqueando as quatro ruas que davam acesso ao baile, e então começaram a disparar as bombas e agredir a multidão. Em um dos vídeos divulgados pela internet, policiais usam cassetetes e chutam repetidamente as pessoas no chão.

Uma garota de 17 anos que teve sua cabeça atingida por uma garrafa de vidro atacada por um policial afirmou: “dessa vez eu acho que eles foram realmente na maldade, porque eles fecharam, não tinha para onde ninguém correr”.

Outro jovem disse que estão acostumados com bombas no baile, mas que a violência foi muito maior desta vez. “Tem quase toda semana. Mas dessa vez fomos encurralados. Foi cassetete, garrafada, muita bomba e correria. Consegui sobreviver e vim para o hospital, mas sei que aqui tem vários corpos de pessoas que não tiveram a mesma chance que eu”.

A mãe de um dos adolescentes mortos, Denys da Silva, de 16 anos, acredita que seu filho foi assassinado pela polícia. Ela disse: “O que eu vejo agora é que ocorreu uma chacina”.

A repressão policial a essas festas é recorrente e tem se intensificado, com o uso cada vez mais frequente de bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, assim como tiros com balas de borracha.

No ano passado, outra operação policial para dispersar um baile funk em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, acabou com a morte de três pessoas pisoteadas em meio à correria. Os bailes são frequentados por jovens pobres da classe trabalhadora, que moram nos bairros periféricos da cidade, onde os bailes são a única atividade cultural disponível.

Os eventos começam muitas vezes espontaneamente: carros com alto-falantes tocando funk e barracas de bebidas alcóolicas ao redor dos quais os jovens rapidamente se aglomeram. O baile onde aconteceram as 9 mortes neste final de semana é conhecido como Baile da Dz7, o maior da cidade de São Paulo. Segundo o porta-voz da PM, outros 250 bailes aconteciam simultaneamente no horário das mortes.

Essa juventude tem sofrido as consequências mais brutais da crise social generalizada no Brasil. Enquanto a taxa de desemprego entre a população geral é hoje de aproximadamente 12%, entre os jovens de 18 a 25 anos é de 24%, chegando a 42% entre os mais novos, de 14 a 17 anos.

O Baile da Dz7 acontece na favela de Paraisópolis, a segunda maior de São Paulo, onde vivem cerca de 100 mil pessoas, com 12 mil delas sendo analfabetas ou semianalfabetas. Apenas 13% das famílias de Paraisópolis possuem renda mensal superior a 3 salários mínimos, o equivalente a R$ 2.994. A comunidade tornou-se um símbolo da desigualdade social na cidade por dividir seus muros com as quadras de tênis, piscinas e apartamentos luxuosos do Morumbi, o vizinho bairro de classe média alta. A expectativa de vida em bairros como Paraisópolis é até 23 anos menor do que a de bairros como o Morumbi.

Protesto contra os assassinatos policiais em Paraisópolis (crédito: Mídia Ninja)

Depois da madrugada de terror, moradores da comunidade organizaram uma manifestação. Familiares e amigos dos jovens gritavam por “justiça!”, exigindo “Vida sim, morte não! Paraisópolis quer o fim da repressão!”. Outra manifestação já foi marcada para quarta-feira.

A repercussão negativa em toda a grande mídia acabou forçando o governador de São Paulo, João Doria, a emitir uma declaração lamentando as mortes e prometendo apuração rigorosa do episódio. Três anos antes, no entanto, depois de ser eleito prefeito de São Paulo, Doria iniciou uma campanha contra os bailes funks. “Os pancadões são um cancro, financiados pelo PCC”, disse o então recém-eleito prefeito. No ano passado, ele chegou a pedir à Polícia Civil que usasse seu setor de inteligência para identificar os organizadores dos bailes na cidade.

Doria é filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e representa uma ala do partido que gira cada vez mais abertamente à extrema direita. Em sua campanha eleitoral para o governo estadual de São Paulo, apresentou-se como parceiro político de Bolsonaro com o slogan “BolsoDoria”. Essa aproximação expressa bem sua trajetória política, que se iniciou na política burguesa de centro e hoje assume uma tendência mais direitista, de caráter fascista, tão bem definida na figura de Bolsonaro. Doria gerou crises internas no seu partido ao declarar apoio a Bolsonaro na eleição presidencial de 2018. Mais recentemente, contudo, ele passou a fazer críticas ao presidente, já mirando uma candidatura na eleição presidencial de 2022.

A violência praticada hoje contra as camadas mais pobres é um alerta do que a classe dominante está disposta a fazer contra o conjunto da classe trabalhadora para garantir seus interesses.

O próprio Bolsonaro não esconde seus objetivos na escalada da repressão. Ele afirmou que a ampliação da excludente de ilicitude justifica-se na necessidade de reprimir protestos como os que ocorrem atualmente no Chile. Bolsonaro caracterizou essas manifestações da classe trabalhadora como “atos terroristas” e disse que, se a medida que propõe for aprovada, “esse protesto vai ser simplesmente impedido de ser feito”. A burguesia brasileira está sentindo a iminência de uma revolta social, que já está acontecendo por toda a América Latina, e se prepara para afogá-la em um banho de sangue.

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