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Fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo expõe sindicato como agente da “reestruturação” capitalista

Publicado originalmente em 17 de dezembro de 2019

Depois de vender a luta dos trabalhadores da Ford contra o fechamento de 30 de outubro da fábrica de São Bernardo do Campo, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) tem agora se dedicado a garantir para um dos interessados em comprar a instalação as melhores condições para explorar os trabalhadores.

Durante meses, o sindicato tem atuado praticamente como representante do Grupo Caoa, o primeiro a manifestar interesse junto ao governo do estado de São Paulo na compra da fábrica. Os dirigentes do sindicato chegaram ao ponto de se reunir com representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para solicitar um empréstimo de até R$ 2 bilhões para o Grupo Caoa, apresentando os interesses da empresa e dos trabalhadores que ela explorará como um só e o mesmo. No entanto, não há dúvida de que se a montadora chinesa BYD, também interessada na compra da fábrica, colocar-se à frente do Grupo Caoa, o sindicato se esforçará para representá-la seguindo o mesmo roteiro político.

Protesto de trabalhadores da Ford realizado em fevereiro

Enquanto o SMABC alega que o Grupo Caoa possui os mesmos interesses que os trabalhadores, os dirigentes sindicais concordaram em setembro que, se a fábrica da Ford for vendida para o Grupo Caoa, o novo proprietário contrataria apenas 700 trabalhadores diretos – um terço da força de trabalho que possuía no início deste ano. Ainda mais, o Grupo Caoa cortaria o salário dos trabalhadores contratados em até 30%, reduziria a participação nos lucros em 65% e ofereceria um plano de saúde com uma cobertura médica menor.

Essas manobras são ainda mais significativas considerando que o SMABC tem sido por décadas um dos principais bastiões do Partido dos Trabalhadores (PT). O sindicato foi presidido pelo ex-presidente pelo PT, Luís Inácio Lula da Silva, entre 1975 e 1981, quando, durante a ditadura militar brasileira, Lula ganhou destaque nacional.

Desde então, o sindicato tem comandado a destruição de centenas de milhares de empregos e a redução geral do padrão de vida dos trabalhadores, ao mesmo tempo que estabeleceu o padrão para as burocracias sindicais fazerem o mesmo em todo o Brasil. Diante dessa história, tanto do ponto de vista industrial quanto político, os desenvolvimentos na região do ABC têm sido há décadas uma antecipação de tendências maiores na indústria automotiva brasileira, seguidas intensamente em nível nacional por trabalhadores e capitalistas.

O acordo para fechar a Ford

Antes que a Ford encerrasse a produção na fábrica há seis semanas, o sindicato havia celebrado um acordo traidor como uma vitória por garantir “condições vantajosas para uma parcela significativa dos trabalhadores”. Na realidade, o acordo permitiu que a empresa efetivasse seu plano, uma vez que já havia reservado cerca de R$ 1,4 bilhão para a indenização dos trabalhadores demitidos e outros gastos relacionados ao fechamento da fábrica.

O acordo incluiu apenas os 3.000 funcionários diretos da fábrica, deixando de fora os 1.500 trabalhadores terceirizados e outros 20.000 trabalhadores da indústria de autopeças e de outras empresas relacionadas que também terão seus empregos destruídos. Ao mesmo tempo, o fechamento da fábrica contribuirá para reduzir permanentemente os padrões de vida para novas contratações em toda a região. Os trabalhadores do ABC já sofrem com uma taxa de desemprego de 18%, bem acima da média nacional de 14% no auge da prolongada crise econômica brasileira.

O papel central desempenhado pelo sindicato e pelo PT nos anos de crise foi o principal fator por trás das esmagadoras derrotas do partido no ABC nas eleições municipais de 2016 e na eleição presidencial de 2018, que levou o fascista Jair Bolsonaro ao poder.

O SMABC não apenas transformou todas as comissões de fábrica em “comitês sindicais de empresa”, subordinando os trabalhadores à colaboração entre o sindicato e a administração das empresas, mas também encobriu a aplicação de programas de lay off, que terminaram em milhares de demissões. Ele também aceitou repetidas reduções salariais sob o pretexto de manter os empregos através do Programa de Proteção ao Emprego (PPE) criado pelo governo Dilma Rousseff em 2016. No entanto, o único resultado do PPE foi a transferência de centenas de milhões de reais dos cofres públicos para os chefes das empresas automotivas.

Com o anúncio de fechamento da fábrica da Ford, o SMABC fez de tudo para desgastar a greve de 42 dias dos trabalhadores. O sindicato desencorajou qualquer movimento para ocupar a fábrica ou ações para ampliar a luta. O sindicato disse aos trabalhadores em greve para irem para casa e aguardarem as negociações. Ele se recusou a fazer um chamado para qualquer ação unificada com trabalhadores terceirizados ou com os 20.000 afetados na indústria de autopeças. Finalmente, o SMABC encerrou a greve segundo as exigências da empresa, agindo em colaboração com o governo de São Paulo, que anunciou que serviria como intermediário nas negociações da Ford com o Grupo Caoa.

Sem dúvida, e expondo as mentiras do sindicato e da empresa, o fechamento da fábrica de São Bernardo fazia parte de um processo muito mais amplo. Na fábrica de Camaçari, na Bahia, o sindicato filiado à CTB, que é controlada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), aceitou a oferta da Ford de aumento salarial abaixo da inflação. O sindicato também saudou como uma vitória a abertura de um Plano de Demissão Voluntária (PDV), através do qual funcionários mais antigos e bem pagos são pressionados a se aposentar em troca de limitados benefícios que são compensados inúmeras vezes pelo rebaixamento salarial dos novos trabalhadores contratados e a transferência da produção da fábrica.

No início de dezembro, uma nova série de ameaças foi realizada pela administração da Ford, que condicionou a modernização da fábrica a ainda maiores “reduções de custo”, desta vez tendo como alvo a Participação nos Lucros e Resultados (PLR). O presidente da Ford América do Sul, Lyle Watters, declarou que o pagamento da PLR na Ford era 35% maior do que em outras regiões do país, agora que a fábrica de São Bernardo, que, segundo ele, “era um caso à parte”, tinha sido fechada.

Já na fábrica da Ford de Taubaté, no interior de São Paulo, depois de o Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté e Região (Sindmetau), que é filiado à CUT, ter aceitado um PDV no final de 2018, a empresa demitiu 12 trabalhadores que não aceitaram os termos do programa. Os trabalhadores rapidamente entraram em greve, mas o sindicato a encerrou depois de apenas três dias, aceitando a demissão dos trabalhadores e convencendo outros 150 a aceitarem o PDV.

Em cada uma dessas fábricas, os sindicatos têm trabalhado para garantir que a empresa atinja suas metas de lucro. O CEO da Ford, Jim Hackett, declarou que a empresa aumentaria seus lucros em 8% cortando US$ 25,5 bilhões em custos até 2022. Isso significaria cortar 25 mil trabalhadores da produção e assalariados em todo o mundo e fechar fábricas no Brasil, França, Reino Unido e Rússia.

Esses ataques fazem parte da reestruturação da indústria automotiva global para reduzir custos, superar os concorrentes nos mercados emergentes de veículos elétricos e autônomos e aumentar as taxas de lucro para os ricos acionistas. Além da Ford, a General Motors, VW, Nissan, Daimler e outras empresas estão cortando dezenas de milhares de empregos e destruindo salários e condições de trabalho em conluio com o UAW nos EUA, a CGT na França, o IG Metall na Alemanha e outros sindicatos nacionais em todo o mundo.

Na segunda maior fábrica da GM do Brasil, em São José dos Campos, o sindicato local controlado pelo morenista Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) aceitou no início deste ano uma redução salarial de 21% para novas contratações, a redução no valor do adicional noturno para todos os trabalhadores e o congelamento salarial em 2019. Em contrapartida, a GM tem investido R$ 5 bilhões na fábrica de São José, que estava ameaçada de ser fechada. O acordo na fábrica de São José aconteceu depois de um acordo parecido ter sido imposto pelo sindicato na maior e mais antiga fábrica da GM no Brasil, em São Caetano do Sul. Lá, o sindicato é controlado pelo Solidariedade, um partido historicamente de direita ligado à antiga oposição burguesa ao PT.

Diante de mais demissões e cortes salariais ao redor do mundo, a raiva dos trabalhadores está crescendo, com greves e protestos em massa espalhados pela Europa, América, Ásia e África. Em todos os lugares, os trabalhadores estão entrando em conflito direto com os sindicatos pró-capitalistas e nacionalistas, que insistem em fazer repetidos sacrifícios para tornarem seus “próprios” exploradores capitalistas mais competitivos e lucrativos.

O ataque internacionalmente coordenado das montadoras e instituições financeiras globais exige uma resposta internacionalmente coordenada dos trabalhadores. A defesa dos padrões de vida da Ford e de outros trabalhadores da indústria automotiva na região do ABC, em todo o Brasil e ao redor do mundo só pode ser levada adiante através da formação de comitês de trabalhadores de base nas fábricas, independentes dos sindicatos e em oposição às suas perspectivas nacionalistas. A formação desses comitês e a mobilização industrial mais ampla da classe trabalhadora devem ser combinadas com uma contraofensiva política baseada em um programa socialista internacional.

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