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Bolsonaro apoia Trump na guerra contra o Irã, enquanto PT apela aos militares brasileiros

Publicado originalmente em 15 de janeiro de 2020

Impulsionando a mentira propagada por Donald Trump de que o assassinato do general iraniano Qassem Suleimani teve como objetivo combater o terrorismo, o governo brasileiro do presidente fascista Jair Bolsonaro foi um dos primeiros a defender o crime de guerra de Washington. Apenas um dia após o ataque, o Itamaraty – o Ministério das Relações Exteriores brasileiro – emitiu uma nota declarando que “o Governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo”.

Em uma entrevista ao programa de TV apresentado pelo reacionário José Luiz Datena – que tem se promovido como possível candidato de Bolsonaro à Prefeitura de São Paulo – Bolsonaro reafirmou essa posição pessoalmente. Ele alegou, em relação a Suleimani, considerado a segunda pessoa mais importante no governo iraniano, que “a vida pregressa dele era voltada em grande parte para o terrorismo”. O presidente brasileiro o responsabilizou pelo atentado de 1994 à organização judaica AMIA na Argentina, apesar de não existir qualquer evidência do envolvimento iraniano.

Bolsonaro ainda se pronunciou num vídeo publicado no Twitter, denunciando a relação estabelecida pelo governo Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), com Mahmoud Ahmadinejad, então presidente do Irã. Bolsonaro falsamente acusou Lula de ter defendido a produção de armas nucleares iranianas e o acusou de promover o terrorismo internacional.

O filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, assumiu a tarefa de exaltar o militarismo de Trump nas redes sociais. Compartilhando o agressivo discurso de campanha de Trump vangloriando-se do assassinato de Suleimani e denunciando os democratas, Eduardo comentou: “Trump é demais! O pior é que é tudo verdade!”.

A propaganda antiterrorismo de Bolsonaro, além de justificar seu apoio aos EUA, tem o objetivo de impulsionar a agenda contrarrevolucionária doméstica de seu governo fascista. Segundo a nota emitida pelo Itamaraty, “O terrorismo não pode ser considerado um problema restrito ao Oriente Médio e aos países desenvolvidos, e o Brasil não pode permanecer indiferente a essa ameaça, que afeta inclusive a América do Sul”.

O significado dessa advertência é confirmado pelos esforços conjuntos do presidente e dos partidos da burguesia para enquadrar como “terrorismo” qualquer forma de protesto social. Uma reportagem do jornal Folha de São Paulo, publicada na última sexta-feira, revelou a existência de um número recorde – ao menos 70 – de propostas que tramitam no Congresso visando a criminalização de protestos sociais.

Entre os projetos, há propostas para criminalizar o ato de bloquear ruas, proibir o uso de máscaras, permitir o monitoramento de pessoas sem autorização judicial e validar, por suposta boa fé, provas colhidas por policiais disfarçados. Entre as maiores ameaças estão as intenções de aumentar a abrangência da lei antiterrorismo, aprovada pelo governo de Dilma Rousseff (PT) em 2016, para incluir a “tentativa de subverter a ordem constitucional e causar instabilidade democrática” e “invadir propriedades para pressionar o governo”.

Essas propostas reverberam diretamente declarações de Bolsonaro, que justificou a utilização doméstica das forças militares pela possibilidade de a classe trabalhadora brasileira repetir os “protestos terroristas” que ocorreram recentemente no Chile. Tanto seu filho, Eduardo, quanto o braço direito de seu governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a necessidade de um novo AI-5 – a legislação repressiva que forneceu poder irrestrito à antiga ditadura militar, abrindo caminho para o assassinato, tortura, prisão e exílio de centenas de milhares de opositores ao regime.

Ao mesmo tempo que existe um consenso geral entre a burguesia brasileira sobre a necessidade de se armar contra a ameaça de um levante da classe trabalhadora, há uma profunda divisão entre essa mesma elite dominante em relação à política externa do governo. O alinhamento de Bolsonaro com o militarismo estadunidense no assassinato de Suleimani serviu para iluminar ainda mais esses conflitos. Diferentes setores burgueses criticaram o apoio brasileiro incondicional a Washington, incluindo elementos do próprio governo. O PT, que pretende retomar seu posto à frente do Estado brasileiro, explorou com avidez essas divisões para conquistar o apoio das forças políticas burguesas reacionárias ao impulsionar uma política chauvinista.

As críticas do PT aos elogios públicos de Bolsonaro ao crime de guerra dos EUA giraram em torno do fato de que foi contra os interesses nacionais e tornava o presidente no que o partido descreveu como um “lambe-botas dos EUA”. Esse sentimento é compartilhado por elementos da alta cúpula militar, encontrando leve expressão em declarações do vice-presidente, o General Hamilton Mourão. Em uma entrevista saudada pelo site porta-voz do PT, o Brasil247, Mourão defendeu a necessidade de uma “política externa soberana e independente”, parafraseando Winston Churchill: “Em relações internacionais, não existem amizades eternas nem inimigos perpétuos, existem apenas os nossos interesses.”

Lula adotou uma posição muito parecida. Em uma entrevista ao Diário do Centro do Mundo, ele declarou que o Brasil “não [deveria] se meter” no ataque criminoso dos EUA. O ex-presidente defendeu a tradição diplomática brasileira de “neutralidade”, chegando a elogiar a tradição estabelecida pela ditadura militar sob a presidência de Ernesto Geisel, cujo regime foi o primeiro no mundo a reconhecer a independência de Angola, ao mesmo tempo que continuava a assassinar e torturar opositores de esquerda. Essa ilusão na suposta independência geoestratégica da ditadura militar brasileira apoiada pelos EUA é tanto falsa quanto reacionária, além de ser uma tentativa clara de agradar os generais brasileiros que apoiaram Bolsonaro.

Lula responsabilizou o alinhamento de Bolsonaro aos EUA por sua suposta falta de habilidade necessária em política externa. “O Brasil pode ser parceiro do Irã e parceiro dos Estados Unidos”, concluiu, defendendo uma covarde “neutralidade” diante da investida dos EUA no Oriente Médio.

A crítica do PT ao posicionamento de Bolsonaro é um apelo para os militares e o setor burguês do agronegócio, um dos mais poderosos – e reacionários – do país. O Irã é um dos grandes compradores de produtos agrícolas do Brasil, com transações que totalizam mais de U$ 2 bilhões anuais. Os interesses desse setor têm sido defendidos insistentemente por Paulo Pimenta, o líder da bancada nacional do PT. Desde o início de 2019, Pimenta tem denunciado o alinhamento da política externa brasileira a Washington como uma ameaça aos lucros do agronegócio, chegando a dizer que “Precisamos proteger os ruralistas do governo Jair Bolsonaro”. Esse é também o ponto mais contundente levantado por ele em seu artigo “11 razões para o Brasil dizer não à guerra de Trump contra o Irã”. Longe de ser uma defesa incondicional contra a guerra, Pimenta sugere alternativas para os EUA alcançarem seus objetivos predatórios, “que passam pelo diálogo e por outras medidas, como sanções econômicas”.

A promoção realizada pelo PT do chauvinismo “Grande Brasil” não esconde o fato de a guerra comercial vigente entre os EUA e a China ser um desafio ao capitalismo brasileiro. Washington está exercendo uma pressão crescente sobre o Brasil para reimpor uma dominação histórica dos EUA que foi abalada pela entrada do capital chinês nas últimas décadas. Entre 2003 e 2009 o comércio entre Brasil e China disparou de US$ 6,7 bilhões para US$ 36 bilhões, superando pela primeira vez o volume de trocas com os Estados Unidos. Na década seguinte, as relações comerciais continuaram se expandindo e, em 2018, atingiram o recorde de US$ 99 bilhões – quase o dobro do que entre Brasil e EUA, de cerca de US$ 58 bilhões.

Apesar do alinhamento ideológico com Donald Trump em questões centrais da política externa, Bolsonaro foi forçado a recuar, ao longo de seu primeiro ano de mandato, do discurso agressivo contra o capital chinês durante a campanha eleitoral. O slogan que adotou como candidato, “Os chineses não estão comprando no Brasil. Eles estão comprando o Brasil”, foi substituído por apelos diretos ao presidente Xi Jiping para que participasse do último leilão do pré-sal da Petrobras. Bolsonaro se reuniu pessoalmente com o presidente da Huawei – a empresa no foco dos ataques dos EUA –, que é considerada a provável vencedora da concessão para implementar a rede de 5G no país.

Qualquer saída “independente” alcançada por Bolsonaro é, contudo, tão momentânea quanto a trégua na guerra comercial dos EUA contra a China. Há pouco mais de um mês, Donald Trump ameaçou novamente taxar o aço e o alumínio brasileiros, cujas exportações para os EUA representam, respectivamente, mais de 30% e 40% do total. Em um discurso a uma plateia de industriais do estado de São Paulo, o General Mourão atribuiu diretamente a intimidação de Trump às relações comerciais com a China.

O suposto “esquerdismo” do PT continua sendo uma farsa. Além do caráter reacionário de seu apelo aos interesses nacionais da burguesia, sua sugestão de que o Brasil siga um curso “independente” em relação à política externa é falida. O que Lula quer dizer com “independência” é, na realidade, um envolvimento mais ativo com a China, que, por sua vez, provocaria redobrada pressão dos EUA e, em última análise, até a ameaça de conflito militar.

A economia brasileira, em crise há quase uma década e incapaz de se erguer de seu nível mais baixo, ainda sofrerá choques mais violentos causados pelas contradições fundamentais de sua posição econômica e política global. Esse é um conflito insolúvel para a burguesia brasileira à medida que enfrenta uma crise cada vez maior de dominação e a ameaça de levantes em massa tal como aqueles que estouraram no Chile, Equador, Bolívia e Colômbia.

Essa situação coloca com urgência a necessidade de a classe trabalhadora brasileira se impor como uma força política independente em oposição ao estado capitalista e a todos os partidos capitalistas, incluindo o PT e seus satélites da pseudo-esquerda. Apenas a luta por um programa socialista e internacionalista oferece uma saída progressista à crise capitalista e à ameaça de guerra mundial e ditadura.

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