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Governo Bolsonaro denuncia Glenn Greenwald por “cibercrimes”

Publicado originalmente em 22 de janeiro de 2020

Sem nenhuma evidência nova ou mesmo uma investigação, o Ministério Público Federal (MPF) do Brasil apresentou uma denúncia criminal conspirativa contra o jornalista investigativo Glenn Greenwald. Ele é acusado de utilizar mensagens vazadas que revelaram a corrupção no coração da Operação Lava Jato, uma investigação contra um maciço esquema de suborno e propinas centrada na gigante Petrobras e que envolveu todo o establishment político brasileiro.

O jornalista Glenn Greenwald participa de uma coletiva de imprensa antes de um ato em seu apoio em julho do ano passado (Crédito: AP Photo/Ricardo Borges)

As acusações representam uma enorme escalada dos múltiplos ataques contra os direitos democráticos fundamentais realizados pelo governo do presidente fascista do Brasil, Jair Bolsonaro.

Greenwald, o fundador do site The Intercept Brasil – um desdobramento do The Intercept, um site de notícias estadunidense que ele havia fundado dois anos antes – foi denunciado pelo MPF por ter “auxiliado, orientado e incentivado” seis indivíduos acusados de ter hackeado conversas no aplicativo Telegram de procuradores e outras autoridades envolvidas na Operação Lava Jato.

A denúncia contra Greenwald e os outros seis acusados será analisada pelo juiz Ricardo Leite, da 10a Vara de Justiça Federal de Brasília. Até agora, Greenwald não foi preso.

Não há evidências de que Greenwald tenha participado ou facilitado qualquer invasão dos celulares dos procuradores, ao mesmo tempo que os outros acusados alegam que as informações foram obtidas da nuvem de armazenamento do Telegram.

O caráter político das acusações é ressaltado pelo fato de a Polícia Federal ter realizado uma investigação no ano passado com base nas mesmas informações agora utilizadas para acusar Greenwald e se recusou a denunciá-lo. Em agosto do ano passado, o juiz do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, havia proibido que Greenwald fosse investigado “pela recepção, obtenção ou transmissão de informações”, insistindo que qualquer iniciativa nesse sentido poderia “configurar um inequívoco ato de censura”. Mendes afirmou terça-feira que as novas acusações representam uma violação de sua decisão.

As informações publicadas por Greenwald e vários outros que trabalham na investigação jornalística do Intercept Brasil provocaram uma tempestade política no Brasil, uma vez que implicaram o juiz responsável pela Operação Lava Jato, Sergio Moro, que foi posteriormente convidado por Bolsonaro para se tornar ministro da Justiça. As revelações do Intercept Brasil mostraram que Moro orientou indevidamente os procuradores no caso contra o ex-presidente pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, ao mesmo tempo que conduziu o MPF a não investigar políticos de outros partidos envolvidos no escândalo de propinas e subornos.

Lula foi condenado por receber propina da construtora OAS, levando-o à prisão em 2018 e impedindo-o de se candidatar na eleição presidencial desse mesmo ano, o que abriu o caminho para a eleição de Bolsonaro.

O procurador Wellington Oliveira apresentou novas denúncias contra Greenwald, acusando-o de associação criminosa, interceptação telefônica e invasão de dispositivo informático. Oliveira alegou que novas informações surgiram da investigação nos computadores dos alegados hackers, que supostamente revelam que o jornalista pediu que as mensagens enviadas a ele fossem apagadas. Isso, segundo o procurador, é uma evidência de “clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”.

Oliveira já havia servido como cão de ataque para o regime Bolsonaro ao denunciar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, por calúnia contra o ministro Moro. Santa Cruz já havia sido objeto de ira do presidente brasileiro. Em uma entrevista, Bolsonaro disse que, se Santa Cruz quisesse saber como seu pai – um dissidente político que “desapareceu” durante a ditadura – morreu, ele poderia contar.

Questionado por repórteres, Bolsonaro expressou sua hostilidade visceral a Greenwald, um cidadão estadunidense, respondendo: “Não devia nem estar [no Brasil]... Onde está esse cara? Tá no Brasil, ele?”. Pressionado sobre se a acusação criminal não era um ataque à liberdade de imprensa, o fascista presidente brasileiro respondeu cinicamente: “Você não confia na Justiça?”.

Os artigos de Greenwald de 2013 sobre documentos vazados pelo ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos EUA, Edward Snowden, ganharam o Prêmio Pulitzer. Ele desempenhou um papel fundamental ao iniciar as revelações de Snowden do amplo e inconstitucional esquema de espionagem realizado pela NSA sobre a população dos EUA e mundial. O denunciante da NSA foi acusado sob a Lei de Espionagem, que pode condená-lo à pena de morte, por revelar os atos criminosos do governo dos EUA. Ele vive no exílio forçado na Rússia há mais de seis anos.

Existem fortes semelhanças entre as acusações feitas contra Greenwald no Brasil e as acusações feitas contra o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, atualmente detido na notória prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres. Assange pode ser extraditado aos EUA, onde ele enfrenta acusações de espionagem que podem levá-lo à prisão perpetua por revelar os crimes de guerra dos EUA. Assim como Greenwald, Assange está sendo acusado de “conspirar” com a corajosa denunciante do Exército dos EUA, Chelsea Manning, para obter ilegalmente informações condenatórias dos computadores do Pentágono que o WikiLeaks tornou públicas.

Dada a afinidade ideológica entre os presidentes fascistas do Brasil e dos Estados Unidos, há todos os motivos para suspeitar que a perseguição a Greenwald seja motivada não apenas pela raiva do governo brasileiro com as revelações contra a Operação Lava Jato, mas também pela de Washington com as revelações sobre a espionagem da NSA.

Greenwald publicou um comunicado na terça-feira dizendo: “não seremos intimidados por essas tentativas tirânicas de silenciar jornalistas”. Em nota, o Intercept Brasil disse: “Não existe democracia sem jornalismo crítico e livre. A sociedade brasileira não pode aceitar abusos de poder como esse.”

As acusações criminais contra Greenwald foram amplamente denunciadas no Brasil. O PT, a suposta oposição política a Bolsonaro, declarou que “está solidário ao jornalista Glenn Greenwald” e contra a construção “de um estado policial”. A lei de crimes cibernéticos que está sendo utilizada contra Greenwald foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT) em 2012.

Enquanto isso, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e líder dos Democratas (DEM), classificou as denúncias como uma “ameaça à liberdade de imprensa”. Partido político de extrema direita, o DEM é o sucessor do ARENA, criado pela ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985, esmagando a liberdade de imprensa e assassinando jornalistas.

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) repudiou as denúncias contra Greenwald e alertou “para o perigo das restrições à liberdade de imprensa, principalmente quando elas partem de autoridades constituídas”. Ainda segundo a FENAJ, “A denúncia do MPF é, portanto, uma forma de intimidação ao jornalista e uma ameaça à atividade jornalística”.

A federação insistiu que não é tarefa dos jornalistas determinar se as informações foram obtidas legal ou ilegalmente, mas verificar a exatidão delas antes de torná-las públicas. “O interesse público e a busca da informação verdadeira são os motores da atividade jornalística e nenhum profissional pode ser denunciado como suspeito de ter cometido um crime, justamente por honrar o compromisso de sua profissão.”

O grupo Prerrogativas, que inclui os mais proeminentes advogados criminalistas do país, reagiu com “indignação” à denúncia contra Greenwald, alertando que se trata de um ataque violento à “liberdade de imprensa, na medida em que busca a responsabilidade criminal de um jornalista em razão de sua atividade profissional. Essa acusação é um escalada perigosa na ascensão do autoritarismo, além de consagrar o uso político do processo penal e a fragilidade da nossa democracia.”

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