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Secretário da Cultura de Bolsonaro é demitido após plagiar discurso nazista de Joseph Goebbels

Publicado originalmente em 22 de janeiro de 2020

O Secretário da Cultura do governo Jair Bolsonaro, Roberto Alvim, foi demitido em 17 de janeiro após ter publicado um vídeo no dia anterior em sua conta oficial no Twitter no qual proferiu um discurso fascista sobre arte plagiando as palavras de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda do Terceiro Reich de Hitler. O discurso causou uma ampla indignação por todo o Brasil.

Alvim discursou ao lado de uma bandeira brasileira e uma cruz ao som da ópera de Wagner favorita de Hitler. O objetivo do vídeo era anunciar o Prêmio Nacional das Artes, uma peça de propaganda do governo para incentivar a produção de uma arte contrarrevolucionária, pautada no nacionalismo e nos valores religiosos.

Segundo Alvim, “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”.

Trecho do vídeo de Alvim no qual plagia o discurso de Goebbels

A frase é uma adaptação literal de Goebbels, que afirmou: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”.

Após a repercussão negativa do vídeo, Alvim declarou que a semelhança entre os discursos era mera coincidência. No entanto, ele defendeu as concepções de “arte nacional” expressas no vídeo, que estão em sincronia completa com aquelas de Goebbels: “A origem é espúria, mas as ideias contidas na frase são absolutamente perfeitas e eu assino embaixo”.

Apesar de ter grande estima por Alvim e suas ideias fascistas no campo artístico, Bolsonaro foi forçado a demitir o secretário, alegando que ele havia feito um “pronunciamento infeliz”. O discurso expôs de maneira aberta demais a ideologia fascista que permeia o governo Bolsonaro. Entre aqueles que mais pressionou pela saída do secretário foi Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados e líder do partido de extrema direita Democratas, que é o sucessor da ARENA, o partido criado pela ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985.

Bolsonaro também foi pressionado pelo embaixador israelense, Yossi Shelley, membro do partido de extrema direita Likud, que ligou para o presidente brasileiro após a publicação do vídeo. Sem dúvida, Shelley estava preocupado que o discurso de Alvim oferecesse mais uma prova do caráter fascista e antissemita dos aliados mais próximos de Israel. Bolsonaro tem imitado as políticas extremas pró-Israel do governo Trump, tanto para promover a tentativa de seu governo de alinhar o Brasil com a orientação geoestratégica de Washington quanto para – como no caso do próprio Trump – apelar às forças políticas evangélicas de direita que são pró-sionistas. O incidente retomou a controvérsia de abril do ano passado, quando Bolsonaro declarou que era possível “perdoar” os crimes do Holocausto, apenas para depois alegar que ele não queria que a observação fosse tomada em “contexto histórico”.

Na tentativa de combater a grande repercussão causada pelo discurso de Alvim, o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, lançou uma campanha no Twitter com a hashtag #criminalizacomunismo, que rapidamente foi reverberada por autoridades do governo, como o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Eduardo Bolsonaro, que também possui um projeto de lei para “criminalizar a apologia ao comunismo”, justificou a campanha afirmando: “O Brasil corretamente abomina o nazismo. … Mas muito mais assassino foi e é o comunismo/socialismo que vive trocando de nome e se reinventando, porém segue matando por onde passa.”

Joseph Goebbels, em 1933

O anticomunismo foi também a marca do discurso fascista proferido por Bolsonaro no mesmo dia em que o vídeo com a citação de Goebbels foi divulgado. Numa cerimônia de troca de comando da Operação Acolhida – um disfarce humanitário para as operações militares na fronteira com a Venezuela –, o presidente ameaçou dissolver a democracia em resposta a um perigoso crescimento do socialismo na América Latina: “Não dê chance para essa esquerda! Eles não devem ser tratados como pessoas normais. … Não podemos deixar nossas crianças chegarem na situação desse garotinho [venezuelano] aqui ao meu lado, fugindo do país porque, ao usar as armas da democracia, esses bandidos corruptos retornaram ao poder.”

Apesar de empregar esse discurso contra seus rivais do Partido dos Trabalhadores (PT), a grande ameaça apontada por Bolsonaro foi o levante da classe trabalhadora no Chile, com os protestos massivos contra a desigualdade social no fim de 2019. Segundo o presidente brasileiro, o país latino-americano está “caminhando para o caos, caminhando para o socialismo”. Em outra ocasião, ele descreveu os protestos no Chile como ações terroristas, alertando que, caso levantes massivos ocorressem no Brasil, eles deveriam ser respondidos com a intervenção do exército. Já seu filho, Eduardo, ameaçou responder a uma situação como essa com o retorno do AI-5, o decreto que justificou o assassinato, a tortura e a repressão realizada pela ditadura militar apoiada pelos EUA.

O discurso de Roberto Alvim é uma expressão na política cultural da cruzada fascista contra o socialismo que constitui o eixo político do governo Bolsonaro. Alvim, com sua ideologia bem informada pelos exemplos históricos do fascismo, foi muito bem recebido e rapidamente ascendeu ao alto escalão do governo. Horas antes de Alvim ter publicado o insultante vídeo, Bolsonaro, claramente consciente e encantado com o que estava prestes a ser divulgado, enalteceu Alvim dizendo: “Agora temos, sim, um secretário de Cultura de verdade. Que atende o interesse da maioria da população brasileira, população conservadora e cristã”.

A mídia burguesa tentou apresentar Alvim como uma aberração, com grandes jornais dizendo que, se tivesse feito o mesmo discurso na Alemanha, ele teria sido preso. Isso sem dúvida ignora o fato de que um partido neonazista, a Alternative für Deutschland (AfD), é atualmente o terceiro maior partido no parlamento federal, a violência fascista está em ascensão e os acadêmicos de direita estão tentando revisar a história para minimizar os crimes de Hitler. O objetivo fundamental, no entanto, é negar o fato de Alvim, como o próprio Bolsonaro, fazer parte de um processo universal da classe dominante capitalista em todos os países, que responde à sua profunda crise e ao crescimento da luta de classes recorrendo a formas autoritárias de governo e ao fascismo.

A evolução política de Alvim, até se tornar a figura grotesca plagiando os gestos e palavras de Goebbels, é instrutiva. Antes de sua carreira no governo, Roberto Alvim fora um proeminente diretor de teatro, tendo comandado a companhia Club Noir. Longe de um propositor de uma concepção artística nacionalista e religiosa, ele foi premiado por adaptações de autores modernos e internacionais como Samuel Beckett, Richard Maxwell e Arne Lygre. Cristão convicto, muito do seu trabalho foi influenciado pelo simbolismo religioso.

Um de seus últimos espetáculos, de 2016, foi uma versão do romance Leite Derramado, uma crítica histórica à elite dominante brasileira, escrito por Chico Buarque, um compositor censurado e exilado pela ditadura militar brasileira. A peça foi realizada em parceria com um famoso filósofo da pseudo-esquerda nacional, Vladimir Safatle, que foi cotado como candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e é alinhado ao MES, uma das tendências morenistas no PSOL.

Cena da peça Leite Derramado, dirigida por Roberto Alvim (Crédito: Edson Kumasaka)

Alvim, cujo teatro estava enfrentando falência, fez uma brusca virada política para a direita, apoiando Bolsonaro em sua campanha eleitoral de 2018. Ele ganhou destaque ao culpar o subsequente fracasso de seu teatro como o resultado da “perseguição” da esquerda e ao acusar esquerdistas de empregar critérios políticos para a seleção de artistas aos programas governamentais de incentivo cultural. Quando foi nomeado diretor da Fundação Nacional de Arte, em junho de 2019, Alvim fez uma convocatória a artistas para “que se alinhem aos valores conservadores no campo da arte e do teatro”, chamando-os a criar uma “máquina de guerra cultural”.

Alvim atribuiu sua transformação radical a um chamado divino. Na realidade, como a ascensão do próprio regime Bolsonaro, ele reflete a profunda crise social e econômica no Brasil e, em seu caso, as pressões cada vez maiores sobre as camadas da pequena burguesia ligadas à pseudo-esquerda. As reações mais comuns são o pessimismo político e a atitude de culpar a classe trabalhadora por deixar de apoiar o PT, tendo o próprio partido aberto o caminho para a ascensão de Bolsonaro através de suas políticas de austeridade, dos ataques aos direitos dos trabalhadores e da corrupção endêmica. Que essas reações possam encontrar expressão política em uma guinada à direita e até mesmo ao fascismo por indivíduos como Alvim serve como um sério aviso.

Enquanto Alvim representa uma pequena minoria, ele não está inteiramente sozinho. A mesma coisa aconteceu com Josias Teófilo, um cineasta anteriormente associado a um dos mais importantes diretores brasileiros, Kleber Mendonça Filho. Após romper com Mendonça Filho, ele dirigiu o filme O Jardim das Aflições, que glorifica a “filosofia” do charlatão de direita ligado a Steve Bannon, Olavo de Carvalho.

Há também uma certa lógica no aparente salto de Alvim da colaboração com o filósofo da pseudo-esquerda Vladimir Safatle para a adesão à ideologia fascista de Olavo de Carvalho. Ambos foram colaboradores da revista Cult, onde Safatle promoveu as ideias de Lacan e Adorno e Carvalho avançou sua própria marca de irracionalismo.

Embora o PT tenha cultivado uma base entre setores mais privilegiados da classe média brasileira, incluindo o meio artístico, nem o partido nem seus satélites da pseudo-esquerda têm qualquer política ou perspectiva para conter o crescimento das tendências e ideologias da direita.

A pseudo-esquerda tem se dedicado à campanha “Lula livre” para manter o ex-presidente petista, Luiz Inácio Lula da Silva, fora da prisão por acusações de corrupção, enquanto promove o programa de uma “frente de esquerda”, centrado no Partido dos Trabalhadores, para as próximas eleições.

Por sua vez, Lula e o PT, incapazes hoje de apelar de maneira convincente aos trabalhadores, estão buscando o apoio contra Bolsonaro entre as forças mais reacionárias do país: o exército, o agronegócio, as grandes empresas nacionais e os evangélicos.

A crise objetiva, no entanto, está criando condições para que os trabalhadores brasileiros se juntem à onda de lutas que está surgindo nos países vizinhos da América Latina e em todos os continentes. Isso inevitavelmente os colocará em conflito não apenas com Bolsonaro e seu governo fascista, mas também com as políticas capitalistas de direita do PT. A questão decisiva é a construção de uma liderança revolucionária e internacionalista na classe trabalhadora, o que significa construir uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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