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Perspectivas

Como combater a pandemia de COVID-19: Um programa de ação para a classe trabalhadora

Publicado originalmente em 17 de março de 2020

A pandemia do COVID-19 é um desastre global. Em apenas três meses, o coronavírus, desde sua detecção inicial na China, espalhou-se por todo o planeta. Esse vírus, que combina uma alta taxa de infecção a uma letalidade substancial, está causando estragos em toda a Europa e América do Norte, onde diariamente há relatos de milhares de novas infecções confirmadas. O número de mortos está aumentando rapidamente. O vírus começa a aparecer agora no Oriente Médio, África e América Latina.

A escala e o impacto da pandemia têm sido intensificados pela indiferença e negligência criminosa dos governos capitalistas, que têm desperdiçado tempo precioso. Em sua coletiva de imprensa na segunda-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enquanto tecia elogios à sua própria liderança, declarou repetidas vezes que a pandemia do coronavírus apareceu como uma surpresa completa. “Temos um problema que há um mês ninguém jamais havia imaginado”, afirmou Trump. “Ele apareceu do nada.” Isso é uma mentira. Os cientistas alertam para o perigo de uma pandemia global há anos. O mundo já teve a experiência do coronavírus SARS em 2002-2003 e da pandemia de H1N1 (gripe suína) em 2009-2010.

O Fórum Econômico Mundial classificou repetidas vezes as doenças infecciosas como um dos 10 maiores riscos globais. Seu último relatório sobre segurança e recursos relacionados em 195 países descobriu que nenhum país estava preparado para uma epidemia ou pandemia. Segundo ele, “nossa vulnerabilidade coletiva aos impactos sociais e econômicos das crises de doenças infecciosas parece estar aumentando”. Esse alerta foi ignorado.

Estudos científicos mostram que uma resposta efetiva a uma pandemia exige a rápida implementação de testes em massa para retardar a sua propagação. No entanto, mesmo depois do surto na China não deixar dúvidas sobre a dimensão do perigo, nenhum esforço foi tomado na Europa e nos Estados Unidos para detectar a doença e impedir a sua propagação. Mas, mesmo que o governo quisesse ter iniciado os testes em massa, os kits necessários dificilmente poderiam ser encontrados nos Estados Unidos.

A incapacidade total revelada pelos grandes centros do capitalismo mundial, sobretudo pelos Estados Unidos, de responder a essa crise é uma consequência direta da destruição da infraestrutura social promovida ao longo do último meio século. Todas as considerações de planejamento social têm sido subordinadas à elevação dos valores das ações em Wall Street e à facilitação da acumulação de níveis escandalosos de riqueza pelas elites dominantes.

Trabalhadoras com máscaras deixam o serviço em uma clínica médica em Kirkland, Washington, perto de Seattle, em 16 de março de 2020 (AP Photo/Elaine Thompson)

Os recursos do sistema de saúde nos Estados Unidos têm sido fortemente enxugados. Ao mesmo tempo, trilhões de dólares são gastos em armamentos à medida que as potências mundiais se preparam para um conflito global. O orçamento militar anual dos EUA é de aproximadamente US$ 1 trilhão, com mais dinheiro sendo gasto semanalmente nos preparativos de guerra do que o total proposto no projeto de lei de “alívio” do coronavírus, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados dos EUA nesta semana.

A resposta dos governos à pandemia do coronavírus é guiada precisamente pelas mesmas considerações. Os recursos estão sendo direcionados não para deter a propagação da epidemia, mas para proteger os ricos.

Isso não é o resultado apenas de incompetência e desorganização, que certamente existem. No entanto, por trás de todo o caos, confusão e falta de coordenação, há uma clara política deliberada – uma política de negligência perversa e de inação consciente. O lema da classe dominante é o mesmo que a tem guiado durante décadas: “Se a acumulação dos nossos bilhões exige a morte de milhões, que assim seja”.

O primeiro-ministro britânico Boris Johnson expressou a indiferença da classe dominante na semana passada, quando declarou: “Eu tenho de ser franco com o público britânico, muitas mais famílias vão perder entes queridos antes da sua hora.” A portas fechadas, os representantes da elite dominante estão discutindo o que consideram ser o impacto positivo da crise: que a morte de milhões de idosos irá reduzir os custos de longo prazo do sistema de saúde.

Em todas as declarações feitas pelos vários presidentes e primeiros-ministros, absolutamente nenhuma preocupação é expressa pelas massas de trabalhadores cujas vidas estão sendo arruinadas pela pandemia. Em sua coletiva de imprensa na segunda-feira, Trump divulgou novas diretrizes sobre quarentena e “distanciamento social”. No entanto, não há nenhuma proposta para lidar com o enorme impacto financeiro que a perda do trabalho está tendo sobre as famílias.

Ao mesmo tempo, à medida que os estados começam a implementar restrições a grandes aglomerações de pessoas, nada está sendo dito sobre o fato de que milhões de trabalhadores nas indústrias manufatureiras e de serviços estão ainda trabalhando em condições inseguras, o que pode fazer com que sejam infectados e infectem outros.

A resposta da gestão Trump é ditada inteiramente pelos interesses de lucro das imensas corporações. Na verdade, sua política tem sido a de entregar a gestão da crise às mesmas corporações responsáveis pelo estado desastroso da infraestrutura social e de saúde no país. Na semana passada, Trump apresentou os CEOs do Walmart e dos gigantescos conglomerados de saúde ao povo dos EUA como se fossem heróis nacionais. Enquanto isso, milhões de pessoas continuam impossibilitadas de fazer exames, mesmo que apresentem sintomas.

A gestão Trump também está tentando garantir que qualquer vacina desenvolvida seja controlada pelas corporações dos EUA para que elas possam lucrar com sua distribuição. Nada poderia expor de maneira mais clara o caráter criminoso da indústria de saúde estadunidense.

Nos últimos dois meses, todas as ações da Casa Branca em resposta à pandemia têm tido como único objetivo preservar os mercados financeiros. O Federal Reserve e o Departamento do Tesouro dos EUA transferiram trilhões de dólares a Wall Street através de novos programas de “flexibilização quantitativa” e da redução das taxas de juros para os bancos a zero.

Tempo demais já foi perdido, mas o impacto e a extensão da pandemia dependem das respostas urgentes que podem ser tomadas agora. Essas medidas devem estar centradas em duas prioridades totalmente críticas: primeiro, conter ao máximo a propagação do vírus; segundo, dado que ela já adquiriu dimensões globais, providenciar tratamento emergencial a todos os doentes e assistência emergencial a todos que foram afetados.

O princípio essencial que deve orientar a resposta à crise é que as necessidades dos trabalhadores devem ter prioridade absoluta e incondicional sobre todas as considerações de lucro empresarial e riqueza privada. Não se trata do que a classe dominante afirma poder pagar, mas do que as massas de pessoas necessitam.

O Partido Socialista pela Igualdade faz as seguintes exigências. Esta lista não está de forma alguma completa, mas inclui a base fundamental sobre a qual uma luta deve ser travada.

Testes acessíveis e universais e tratamento gratuito a todos os infectados: A ausência de um sistema coordenado para testar aqueles que podem ter a doença torna impossível qualquer resposta racional. É essencial que os testes sejam disponibilizados imediatamente em todo os Estados Unidos e ao redor do mundo.

O tratamento de todos os infectados é uma necessidade urgente não só para os doentes, mas também para deter a propagação da doença. A assistência médica deve ser prestada sem custo, independente da cobertura de planos de saúde ou de renda.

Um programa de emergência para expandir a infraestrutura de saúde: A sobrecarga dos hospitais não só levará a um forte aumento do número de mortes pelo coronavírus, como aconteceu na Itália, mas significa também que aqueles que sofrem de outras doenças e ferimentos não conseguirão receber tratamento médico. A falta de equipamentos adequados e de infraestrutura de saúde significa que os médicos já estão sendo obrigados a escolher quais pacientes irão viver e quais irão morrer.

Para combater a pandemia, é necessário expandir massivamente as instalações para o tratamento dos doentes. A administração Trump fala em montar tendas para servirem de unidades médicas nos estacionamentos do Walmart. Essas instalações toscas, nas quais massas de pessoas são tratadas em condições primitivas, só irão agravar o problema. A China foi capaz de construir novos hospitais em apenas dez dias, o que teve uma enorme consequência na extensão e no impacto do vírus.

É preciso começar imediatamente a construção de novas instalações médicas em todo os Estados Unidos. Esse processo pode ser fortemente acelerado pela tomada de edifícios de escritórios e estruturas similares, muitos dos quais estão agora vazios, convertendo-os rapidamente em hospitais e clínicas. Essas estruturas também podem ser usadas para prover moradia de emergência para os sem-teto e para os estudantes que estão sendo forçados a deixar os dormitórios das faculdades.

Os representantes da classe dominante irão inevitavelmente alegar que isso viola a propriedade privada. Nossa resposta é que as necessidades sociais devem ter prioridade sobre a riqueza e o lucro da classe dominante.

Fechamento imediato de todas as escolas, fábricas não essenciais e outros locais de trabalho, com salários integrais para os trabalhadores afetados: Nenhum trabalhador deve colocar a sua vida em perigo. Os trabalhadores já estão fechando restaurantes e outros negócios. Isso deve ser estendido. Porém, todos aqueles que estão perdendo seus empregos ou sendo afetados de outra maneira pelas consequências econômicas devem ser compensados.

Para aqueles que alegam que não há dinheiro, dizemos que um governo que pode tirar 1,5 trilhão de dólares da cartola para socorrer Wall Street é capaz de achar os recursos. O fato de as empresas estarem dizendo aos trabalhadores para continuarem trabalhando, por nenhum outro motivo a não ser o de manter a extração de lucros, é simplesmente criminoso.

As montadoras e outras empresas da indústria manufatureira têm mandado o setor administrativo, assim como os dirigentes sindicais, para casa, mas estão insistindo que os operários permaneçam nas linhas de montagem. Os trabalhadores na Espanha, Itália, Canadá, Reino Unido e nos Estados Unidos já realizaram greves e paralisações para se opor à exposição desnecessária ao perigo. Os trabalhadores têm profunda consciência da posição perigosa em que estão colocados.

É preciso alertar os trabalhadores de que as corporações irão explorar a “oportunidade” proporcionada pela crise para reestruturar suas operações no sentido de torná-las mais lucrativas. Os trabalhadores demitidos devem receber integramente os seus salários, financiados pelas corporações e por recursos estatais. Todos os trabalhadores devem ter acesso a licenças médicas remuneradas. O pagamento dos aluguéis, hipotecas e serviços essenciais deve ser suspenso durante a crise do coronavírus para garantir que qualquer trabalhador que veja sua renda ser reduzida seja capaz de prover suas necessidades básicas.

Condições seguras de trabalho nas indústrias essenciais: Onde o trabalho deve continuar, como na indústria da saúde, transportes, produção de alimentos e outros setores essenciais para o funcionamento da sociedade, é preciso implementar medidas para garantir a segurança dos trabalhadores e a preservação dos seus direitos. Todos os locais de trabalho devem contar com profissionais de saúde treinados e os trabalhadores devem estar munidos dos equipamentos necessários, incluindo roupas de proteção, máscaras e luvas.

Acabar com todas as sanções e medidas de guerra comercial: A resposta do Irã, Venezuela e outros países à pandemia está sendo prejudicada por sanções econômicas que os impedem de adquirir equipamentos médicos básicos. As medidas de guerra comercial implementadas pelos Estados Unidos e os países europeus devem ser suspensas. O coronavírus é uma doença global que requer uma resposta globalmente coordenada.

Todas as alegações de que não existem recursos para implementar tal programa emergencial devem ser desprezadas. Não é uma questão de se os recursos existem, mas de quem controla esses recursos e de como são alocados. Os lucros corporativos nos EUA são superiores a 2 trilhões de dólares por trimestre. A riqueza dos 400 indivíduos mais ricos dos Estados Unidos é superior a 4 trilhões de dólares. As enormes quantias alocadas aos militares devem ser redirecionadas para satisfazer as necessidades sociais, incluindo a construção de infraestrutura de saúde.

Na medida em que a propriedade privada atrapalhar a implementação das medidas de emergência, ela deverá ser deixada de lado. Todas as indústrias que estão sendo resgatadas pelo governo devem ser convertidas em serviços públicos sob o controle democrático da classe trabalhadora e redirecionadas para a produção de bens de primeira necessidade.

Se uma guerra tivesse estourado, toda a vida econômica seria reestruturada pelas elites dominantes para a produção dos instrumentos de morte. Agora é uma questão de produzir os instrumentos de vida.

Dois interesses irreconciliáveis, de duas classes, se opõem um ao outro. Para os capitalistas, é uma questão de assegurar o interesse de seus lucros e que seus bens e riquezas permaneçam intocados. Nenhuma medida que entre em choque com seus interesses deverá ser adotada. A classe trabalhadora está preocupada com os interesses da ampla massa da humanidade, partindo das necessidades sociais, não do lucro privado.

Levantamos essas reivindicações para mobilizar os trabalhadores, elevar sua consciência de classe, desenvolver sua compreensão da necessidade de solidariedade de classe internacional e aumentar sua autoconfiança política. Não depositamos confiança em nenhum governo capitalista para combater a pandemia e temos certeza absoluta que eles irão resistir a essas demandas. O que pode ou não ser alcançado será determinado na luta.

Para levar essa luta adiante, os trabalhadores precisam de suas próprias organizações. Os sindicatos, ligados às corporações e ao estado, não vão fazer nada. Portanto, os trabalhadores devem formar comitês de base nas fábricas, locais de trabalho e nos bairros para garantir condições seguras de trabalho, exigir a paralisação da produção não essencial e garantir a segurança e o bem-estar daqueles que estão doentes ou em quarentena.

Os trabalhadores em Windsor, na província canadense de Ontário, e Detroit, em Michigan (EUA), já interromperam o trabalho para exigir o fechamento das fábricas automotivas.

Os trabalhadores podem e devem utilizar as tecnologias à sua disposição para compartilhar informações e se organizar para lutar por seus interesses em escala internacional. Mesmo durante a quarentena e a paralisação de grandes setores da economia, existem inúmeras formas de comunicação digital que permitem aos trabalhadores compartilhar informações e se organizar por todo o país e ao redor do mundo.

Mesmo exigindo uma expansão urgente e imediata de testes e recursos médicos, os trabalhadores também devem estar atentos aos esforços para utilizar a crise para implementar medidas há muito tempo planejadas para fortalecer o poder do estado. O perigo é que os governos capitalistas utilizem as condições de emergência para tornar permanentes as proibições de manifestações e protestos sociais, impostas através do destacamento de forças policiais e militares e da legitimação de formas ditatoriais de governo.

As exigências levantadas pelos trabalhadores não estão separadas da luta pela transformação da vida social e econômica, mas estão ligadas a ela. Os grandes avanços tecnológicos e científicos e as enormes forças produtivas da humanidade devem ser libertados das restrições que lhes são impostos pela motivação do lucro e pelo sistema de estado-nação.

A presente crise demonstra novamente o fracasso do sistema capitalista em satisfazer as necessidades da sociedade moderna e atesta a necessidade do socialismo. Pela segunda vez em pouco mais de uma década, toda a economia mundial está à beira de um colapso e um desastre. E as mudanças climáticas ameaçam tornar grande parte do mundo inabitável.

A pandemia também expôs a falência de todo o sistema político. A gestão Trump é um governo da oligarquia. Seus ataques fascistas contra imigrantes e refugiados e sua promoção do nacionalismo e da xenofobia – parte de um crescimento internacional da extrema direita – estão em conflito fundamental com as necessidades da sociedade de massas global. Já o Partido Democrata, ao longo dos últimos três anos, tem procurado concentrar a oposição a Trump na mentira de que a maior ameaça ao povo dos EUA vem da Rússia.

A crise está se desenvolvendo em um ano eleitoral. Nos próximos meses, o Partido Socialista pela Igualdade (SEP) e nossos candidatos, Joseph Kishore, para presidente, e Norissa Santa Cruz, para vice-presidente, colocarão na linha de frente da nossa campanha a luta para mobilizar a classe trabalhadora para exigir uma ação séria para deter a pandemia. O SEP propõe este programa porque é a única organização que se baseia em uma perspectiva genuinamente socialista, internacionalista e revolucionária.

Chamamos a todos os trabalhadores e jovens para que se juntem a esta campanha e apoiem esta luta. A construção de um movimento internacional socialista e revolucionário é a questão central da nossa época. É uma questão de vida ou morte.

Para apoiar e se envolver na campanha eleitoral do SEP, acesse: socialism2020.org.

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