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Com o colapso do sistema de saúde, Equador é o epicentro da crise do coronavírus na América Latina

Publicado originalmente em 16 de abril de 2020.

A crise do coronavírus na América Latina teve seu impacto mais devastador no Equador. De acordo com os dados divulgados pelo governo nesta quarta-feira, 15 de abril, existem 7.858 casos confirmados de COVID-19 no país e 388 mortes. O foco da pandemia é a cidade portuária de Guayaquil, capital da província de Guaya, que responde por mais de 70% dos casos.

De acordo com os dados oficiais, o Equador é o segundo país em número absoluto de mortes pela doença no continente, apenas atrás do Brasil – com 1.736 mortes confirmadas – que possui uma população 12 vezes maior.

Contudo, como afirma o próprio presidente Lenín Moreno, em decorrência da falta generalizada de testes, os números oficiais são uma subestimação grosseira. A prefeita de Guayaquil, Cynthia Viteri, do Partido Social Cristão, afirmou que projeções matemáticas feitas por especialistas apontam para a um número real de mais de 7.000 mortos pela COVID-19 somente em sua cidade.

Jorge Wated, o líder da força tarefa organizada pelo governo para recolhimento dos corpos após o colapso do sistema funerário, deu uma declaração aterradora no último domingo. Segundo ele, nas últimas semanas, sua equipe retirou 771 corpos de residências em Guayaquil e outros 631 mortos dos necrotérios superlotados nos hospitais. Em alguns locais, corpos haviam sido largados nas ruas.

Apesar da força tarefa ter recolhido e enterrado muitos corpos, há relatos de que nos portões dos cemitérios ainda há filas de carros familiares carregando os corpos de seus parentes dentro de caixões de papelão lacrados.

Outras famílias seguem em intermináveis buscas pela localização de seus entes queridos. Num relato à Agencia EFE, Liliam Larrea contou que seu pai faleceu em 31 de março e ela só teve notícias da procedência de seu corpo 10 dias depois. Ela aguardava o final de semana para poder retirá-lo de um necrotério improvisado e transportá-lo dentro de seu carro até o cemitério.

Ela também relatou que passou por três clínicas particulares que recusaram seu pai, com problemas respiratórios, antes de ser aceito num hospital especializado. A médica de plantão no hospital a alertou para que se preparasse, pois seu pai "desta não passava", apesar de ter chegado caminhando e consciente.

Os profissionais de saúde representam uma parcela considerável dos casos de coronavírus. O Ministério de Saúde informou, há cerca de dez dias, que mais de 1.600 médicos, enfermeiros e tecnólogos estavam contaminados. Mais recentemente, o ministro lamentou que muitos médicos convocados em caráter emergencial desertavam ao descobrir que seriam mandados para Guayaquil.

Há um colapso total do sistema de saúde. Os hospitais reportam uma falta massiva de pessoal, muitos tendo saído com licenças médicas por terem se contagiado. O hospital Teodoro Maldonado Carbo do Instituto Equatoriano de Seguridade Social (IESS) reportou que está operando com metade do corpo regular de enfermeiros na UTI. "Há uma enfermeira para cada 16 pacientes críticos, esta é uma luta difícil, não estamos abastecidos", afirmou o pessoal do hospital ao El Universo.

Enfermeiros do IESS e de outros hospitais denunciaram e protestaram pelas redes sociais contra a falta de equipamentos básicos. "Eles nos mandam para a guerra sem armas. Não temos os materiais de proteção, especialmente as máscaras N95, os materiais descartáveis, e as vestimentas que eles nos dão são os aventais descartáveis, um para cada turno, não há desinfetante para lavar bem as mãos... e se chegamos a faltar porque nos sentimos mal, eles começam a nos dar cartão branco (demissão)", relatou uma enfermeira do Hospital Francisco de Ycaza Bustamente.

A imensa crise social enfrentada pela população equatoriana é um resultado da negligência criminosa da classe dominante e do governo de Lenín Moreno que, seguindo a agenda de austeridade do Fundo Monetário Internacional (FMI), aniquilou os fundos destinados à saúde.

No fim de março, enquanto tentava abafar a explosão da pandemia no país e o colapso do seu sistema de saúde, Moreno acelerou o pagamento de US$320 milhões da dívida, declarando que a prioridade do governo é "gerarmos credibilidade". "É por isso que já recebemos o apoio do Fundo Monetário Internacional", ele afirmou.

No último domingo, o presidente fez uma nova declaração em rede nacional, anunciando uma série de medidas emergenciais para supostamente combater a crise do coronavírus no país. Na verdade, através dessas medidas, Moreno se aproveita da situação para avançar suas políticas de ataques à classe trabalhadora.

O governo pretende criar uma chamada Conta Nacional de Emergência Humanitária, destinada a resgatar empresas e fornecer um auxílio básico a setores mais pobres da população. Para isso, afirmou que irá taxar 5% dos lucros de empresas que tenham renda superior a US$1 milhão durante três meses.

No entanto, a maior parte desse fundo deverá ser financiada pelos salários da classe trabalhadora. Aqueles que ganham a partir de US$500 dólares mensais serão obrigados a fazer contribuições progressivas por nove meses. Salários de funcionários públicos acima de US$1.000 também serão taxados, em 10%.

Tentando encobrir esse ataque com um populismo grotesco, Moreno anunciou que cortará em 50% seu próprio salário e dos demais quadros do governo. Mesmo após esses cortes, todos eles ainda vão receber mais de US$2.000 dólares mensais, enquanto planejam destinar às famílias mais empobrecidas um auxílio de US$60 por apenas dois meses.

Concomitantemente, o governo elabora um projeto que será enviado em caráter de urgência à Assembleia. Em nome de frear as demissões, proporá a "livre negociação entre as partes" da redução de jornadas de trabalho e salários, assim como das datas de pagamento, em acordos com validade de até dois anos e com a opção de renovação por mais dois! O conteúdo dessa proposta é exatamente o mesmo da reforma trabalhista que Moreno tenta aprovar desde o ano passado e foi impedido pelas greves e protestos massivos.

Ao invés de proteger os trabalhadores, essa medida só dará mais liberdade aos empregadores para dar continuidade ao processo de destruição dos empregos. Em meio à pandemia, uma série de empresas alegou circunstâncias de "força maior", se valendo de uma cláusula do Código de Trabalho equatoriano para despedir massivamente seus funcionários sem pagar nenhuma indenização.

Moreno tentou jogar a responsabilidade por esses ataques para o colo do seu antecessor Rafael Correa, do qual foi vice presidente. Há cerca de uma semana, Correa foi condenado por corrupção a 8 anos de prisão e 25 anos de suspensão de seus direitos políticos, acusado de receber financiamento ilegal de empresas. Se referindo a ele, Moreno afirmou: "A pandemia nos atingiu em um momento crítico, quando estávamos tentando atravessar uma crise econômica muito dura. Uma crise causada por endividamentos irresponsáveis que herdamos e pelos roubos daqueles que acabaram de ser condenados".

O grande temor de Moreno não vem, contudo, de seus rivais políticos burgueses, mas sim das massas de trabalhadores e camponeses indígenas. Em seu pronunciamento lançou uma ameaça abstrata, mas que deve ser entendida como dirigida diretamente à oposição social latente. "Muito cuidado" – disse Moreno – "aqueles que querem cometer abusos, ou que pretendem se beneficiar desta grave, gravíssima situação. Pessoalmente, irei me assegurar de que a lei puna, com todo seu peso, esses abusos!"

Em protesto contra as medidas anunciadas por Lenín Moreno, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), ao lado de sindicatos e outras organizações que se afirmam de caráter "popular", convocaram um panelaço neste último domingo.

A CONAIE, como seu oponente, Moreno, se dirige a Washington pedindo que resolva a crise política no Equador. Em 7 de abril, enviou uma carta denunciando o governo e fazendo uma série de demandas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), administrada pela Organização de Estados Americanos (OEA) – a agência dominada pelos EUA que recentemente legitimou um golpe militar na Bolívia. A carta conclui: "Confiamos na intervenção do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, assim como em sua objetividade".

A oposição ao governo dirigida pela CONAIE apresenta o mesmo caráter político que expôs no levante de massas de outubro do ano passado: trabalha para desmoralizar as massas equatorianas da cidade e do campo e permitir que sejam dominadas politicamente pela burguesia.

A classe trabalhadora e a população camponesa não podem superar a profunda crise social e econômica, extremamente agravada pela pandemia do coronavírus, sem confrontar a subordinação do país aos interesses do lucro do capital internacional e da burguesia nacional. Nessa luta, todos os setores da classe dominante equatoriana são inimigos mortais e estão ligados umbilicalmente ao imperialismo.

Os trabalhadores precisam estabelecer um movimento político independente por um governo de caráter socialista em aliança com o proletariado internacional, especialmente a classe trabalhadora do restante da América Latina e dos Estados Unidos.

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