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Enfermeiros são demitidos em Manaus após greve por EPI

Treze enfermeiros brasileiros foram demitidos após terem participado de uma greve na última segunda-feira, ao lado de outras centenas de colegas no Hospital 28 de Agosto, na capital amazonense Manaus. Eles serão, em tese, redirecionados a outras unidades de saúde.

O Hospital 28 de Agosto é o maior hospital e centro de tratamento da COVID-19 do Amazonas e opera em condições extremamente precárias tanto para pacientes como para os profissionais de saúde. A greve foi um grito de revolta contra a falta de equipamentos de proteção individual (EPI), que está levando a várias mortes de trabalhadores da saúde, e o não pagamento de salários a enfermeiros, em alguns casos por até 8 meses.

Desde o final de semana que antecedeu a greve, os enfermeiros já estavam sendo ameaçados pela administração do hospital designada pelo governador de extrema direita, Wilson Lima, do Partido Social Cristão (PSC). No sábado, um trabalhador publicou um vídeo em que afirmava ter recebido ligações da chefia do 28 de Agosto para coagi-lo a apagar uma postagem defendendo a greve.

Enfermeiros demitidos aguardam parecer da Secretaria de Saúde do Amazonas [Twitter]

Essas ameaças não bastaram para reprimir o protesto dos enfermeiros. Como um deles falou durante a manifestação de segunda-feira: "A gente não tem que acabar [com a manifestação], não. A gente tem que ter coragem, como a gente está tendo agora."

O mesmo tom se manteve nas respostas dos trabalhadores às demissões de seus colegas, marcadas com as hashtags #naovaonoscalar e #devolvamnossoscolegas. Em uma dessas publicações, que obteve mais de 700 compartilhamentos em 24 horas, uma funcionária do hospital diz: "Já não tem funcionários, pois estamos nos contaminando e outros morrendo. Direção do 28 de Agosto devolvendo os profissionais que estavam na manifestação e os temporários estão sendo demitidos. Revolta com essa gestão."

Uma profissional de outro hospital respondeu à publicação dizendo: "Não estão perseguindo pessoas, estão perseguindo uma classe! Não ficaremos calados."

Uma das enfermeiras demitidas, Tatiane Lima, declarou numa entrevista ao G1: “Nós fizemos a manifestação e vamos fazer quantas forem preciso, porque o nosso objetivo maior é dar condições de trabalho para todo mundo da equipe, e dar uma assistência de qualidade para o paciente."

A luta dos enfermeiros se ergueu em meio ao colapso do sistema de saúde de Manaus, muito antes da epidemia ter atingido o seu ápice. O último balanço do governo, apresentado na quinta-feira, registra 5.254 casos da doença no Amazonas e 3.273 deles em Manaus. Contudo, o próprio governo assume que, devido à ausência de uma testagem minimamente adequada, os números reais são tremendamente maiores.

O mesmo ocorre em relação aos óbitos. Enquanto retroescavadeiras abrem covas coletivas para milhares de pessoas em Manaus, oficialmente apenas 312 morreram de COVID-19 na capital. Uma estimativa aponta que, somente na semana de 21 a 28 de abril, mais de 700 pessoas podem ter morrido da doença.

Os profissionais de saúde correspondem a uma parte considerável dos infectados. Segundo o governo, mais de 400 foram diagnosticados com a doença. Mas na segunda-feira, quando foi inaugurado um sistema de testagem por drive-thru exclusivo a profissionais da saúde, mais de 90 deles testaram positivo para o coronavírus.

Enfermeiros do 28 de Agosto se manifestam em frente ao hospital durante a greve

A enfermeira demitida Tatiane Lima afirmou que cerca de 25% dos funcionários do Hospital 28 de Agosto estão afastados com sintomas da doença.

Por trás da demissão dos grevistas está o esforço do governo de abafar a oposição social num momento em que sua gestão é minada por acusações de corrupção que envolvem diretamente a crise do coronavírus.

O governador Lima é acusado de ter feito uma compra superfaturada de 28 respiradores, estranhamente adquiridos de uma empresa especializada na distribuição de vinhos. O governo pegou pelos respiradores um valor quatro vezes maior do que seu preço de mercado, se valendo do estado de emergência para realizar a compra sem licitação. Além disso, as associações médicas denunciaram que os aparelhos são apenas respiradores de suporte, inadequados ao tratamento da COVID-19, que exige ventiladores mecânicos.

O governo de Lima pagou mais de 2,5 milhões de reais para alugar por três meses um hospital particular desativado e transformá-lo numa unidade de tratamento especializado na COVID-19. Ele foi questionado por não ter destinado essa verba ao aparelhamento do sucateado sistema público de saúde.

Em sua defesa, Wilson Lima alegou ao programa de televisão Conexão Repórter que "todo mundo está sendo [vítima de exploradores] neste momento… É a lei de mercado, a lei da oferta. Hoje está todo mundo procurando, então é um preço que sobe significativamente".

É possível que os argumentos de Lima possuam algum fundo de verdade. O mais provável é que os trabalhadores amazonenses sejam vítimas de dois crimes diferentes, mas que possuem essencialmente a mesma natureza: a corrupção governamental e os interesses de lucro da economia capitalista, que se sobrepõe aos interesse das massas trabalhadoras.

Casos semelhantes de corrupção envolvendo a compra de respiradores e a transferência de verbas do combate à COVID-19 para a iniciativa privada foram registrados em vários estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Esses governos corruptos, lado a lado, conspiram por um antecipado "retorno ao trabalho", que vai jorrar novos fluxos de lucro aos bancos e empresas e resultará no massacre de milhares de trabalhadores.

Na segunda-feira, um dia após ter sido registrado o recorde de 140 enterros num só dia na capital amazonense, a Harley Davidson retomou a produção de motos na sua unidade em Manaus. Na quinta-feira, foi a vez da Yamaha. Honda e BMW planejam retomar suas atividades no polo industrial de Manaus no dia 18 de maio, um provável pico da pandemia.

A crise do coronavírus deixou claro que, para preservar seus interesses mais básicos de sobrevivência, a classe trabalhadora precisa confrontar abertamente a classe capitalista. Os trabalhadores de todo o mundo precisam unificar suas lutas contra a retomada assassina das atividades econômicas em todos os países, que visa o benefício dos acionistas por trás das gigantescas corporações transnacionais.

Nos hospitais, os profissionais de saúde necessitam de equipamentos adequados para garantir sua segurança e infraestrutura para atender seus pacientes. Os trabalhadores precisam expropriar as fortunas dos super ricos e destiná-las aos interesses públicos; e precisam estabelecer um controle sobre a produção, definindo democraticamente qual produção é necessária e sob quais condições ela irá ocorrer.

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