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Os trabalhadores brasileiros rejeitam escolher entre a COVID-19 e a fome

Publicado originalmente em 9 de maio de 2020

O discurso a seguir foi proferido por Tomas Castanheira, em nome do grupo de apoiadores brasileiros do Comitê Internacional da Quarta Internacional, no Dia Internacional do Trabalhador Online de 2020, realizado pelo World Socialist Web Site e pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional em 2 de maio. Castanheira escreve regularmente sobre a América Latina para o World Socialist Web Site.

No Brasil e ao redor da América Latina, o Dia Internacional do Trabalhador de 2020 é marcado pela intensificação das condições dominantes de desigualdade social e extrema violência da luta de classes, agora agravadas pela pandemia da COVID-19.

Como em todo o planeta, os trabalhadores estão rejeitando a exigência de escolher entre a COVID-19 e a fome e estão entrando em luta contra o sistema capitalista, que coloca os lucros acima do próprio direito à vida.

O Brasil, o maior, mais populoso e mais desigual país do continente, está rapidamente se tornando um epicentro global da pandemia.

O discurso de Tomas Castanheira começa no minuto 1:46:40 do vídeo

Em Manaus, a capital do estado do Amazonas, pacientes de COVID-19 estão sendo tratados em meio a cadáveres sem espaço nos necrotérios. Imagens de milhares de covas coletivas sendo escavadas chocaram o Brasil e o mundo. Depois de assistirem a seus colegas adoecerem ou morrer pela doença, enfermeiros entraram em greve para exigir do governo os mais básicos equipamentos de proteção.

Essa situação drástica está se espalhando rapidamente para o resto do país. A doença está apenas começando a atingir as favelas, densamente povoadas, com suas habitações precárias, onde famílias inteiras compartilham um mesmo cômodo e falta a infraestrutura mais básica de saneamento.

A indiferença e negligência criminosa da elite capitalista mundial encontra sua expressão mais cruel na figura do presidente fascista Jair Bolsonaro. Desde o início, ele minimizou os efeitos da doença e confrontou governadores que impuseram medidas de quarentena, enquanto apoiava abertamente manifestações fascistas exigindo uma intervenção militar e a reabertura imediata da economia.

Mas não tardou para que os trabalhadores brasileiros respondessem com greves selvagens e protestos. As características mais significativas dessas ações são seu caráter abertamente internacional e sua independência e hostilidade aos sindicatos existentes.

Apenas alguns dias depois da confirmação das primeiras mortes por COVID-19 no país, centenas de trabalhadores entraram em greve num frigorífico da JBS em Santa Catarina se opondo às condições inseguras de trabalho. Nos Estados Unidos e Canadá, essas mesmas condições transformaram as fábricas operadas pela transnacional de origem brasileira em focos de transmissão da doença, levando ao adoecimento e mortes dos trabalhadores e seus familiares.

Em março, milhares de operadores de call center brasileiros protagonizaram uma rebelião nacional contra as condições mortíferas de trabalho. As primeiras ações aconteceram nas instalações da AlmaViva, uma empresa transnacional fundada na Itália, poucos dias após uma ameaça de greve dos trabalhadores italianos ter forçado a suspensão das operações em Palermo.

Na semana passada, um protesto contra os pagamentos miseráveis e insegurança no trabalho impostos pelas empresas globais de entrega por aplicativo teve início na Espanha e se desdobrou em greves no Brasil, na Argentina e no Equador.

Assim como na rebelião dos trabalhadores em Matamoros, no México, pouco mais de um ano atrás, o fato dos episódios recentes da luta de classes no Brasil terem sido conduzidos por fora e em oposição aos sindicatos nacionalistas e corporativistas confirma de forma crucial a orientação política pela qual luta o Comitê Internacional nos últimos 30 anos. Como afirmaram os trotskistas, a globalização da produção capitalista impõe sobre a luta de classes não apenas um conteúdo internacional, mas também uma forma internacional, exigindo a coordenação das lutas da classe trabalhadora em uma escala global.

Mas a intensificação dos protestos e ações de greve também é uma resposta a fenômenos mais amplos no continente. Ao longo do último ano, a América Latina reviveu, em uma forma concentrada, a história de sua opressão pelo imperialismo americano e da incapacidade das suas burguesias nacionais de sustentar seja um desenvolvimento econômico duradouro ou os direitos democráticos mais fundamentais, levando à abertura explosiva da luta de classes.

No início do século XXI, a 'maré rosa' de governos nacionalistas burgueses que varreu a região foi celebrada pelas organizações pablistas e da pseudoesquerda em geral como um rompimento com a desigualdade social e a opressão imperialista, e mesmo como uma 'nova via para o socialismo'. Hoje, com o colapso da grande maioria desses governos, a 'maré rosa' foi exposta como uma fraude.

Os governantes burgueses da América do Sul estão novamente conspirando abertamente com o imperialismo americano, com os presidentes Bolsonaro e Ivan Duque, da Colômbia, agindo como peças chave nos esforços de Washington para promover uma mudança de regime na Venezuela.

O golpe na Bolívia, no último novembro, antecipou a volta das forças armadas corruptas do continente ao centro do poder. O caminho foi aberto a elas pelo presidente Evo Morales, que abandonou as massas que resistiam ao golpe nas ruas. Em uma traição criminosa da classe trabalhadora boliviana, a COB, a principal federação sindical do país, concordou em participar do regime inaugurado com o golpe.

Uma rebelião de milhões de pessoas contra a desigualdade social fez tremer o Chile no ano passado. Gritando 'não são 30 centavos, são 30 anos,' a classe trabalhadora e a juventude enfrentaram o ressurgimento de medidas ditatoriais da sangrenta era Pinochet, demolindo quaisquer pretensões democráticas do regime instalado ao final da ditadura.

Os gigantescos protestos no Chile geraram uma reação obsessiva e aterrorizada da classe dominante brasileira, levando Bolsonaro a conclamar a reimposição das leis repressivas da ditadura militar e o uso irrestrito do exército na manutenção da ordem.

Por sua vez, o Partido dos Trabalhadores e seus satélites da pseudoesquerda, confrontados pelo desenvolvimento explosivo da luta de classes, de um lado, e da ameaça de uma ditadura, de outro, procuraram se alinhar a frações da burguesia e mesmo aos militares, aos quais se referem como os 'adultos na sala' no ministério de Bolsonaro. Eles elogiaram os governadores mais à direita – mesmo enquanto estes determinavam o retorno ao trabalho – como defensores da 'ciência' em oposição à demagogia fascista de Bolsonaro. Ao mesmo tempo, eles colaboraram com o governo em votações cruciais no Congresso por um resgate aos bancos e ao mercado financeiro equivalente a 15 por cento do PIB brasileiro, enquanto massas de trabalhadores recebem compensações insuficientes até para matar a fome.

Em meio à pandemia, os sindicatos liderados pelo PT e pelo PCdoB, maoísta, assim como a CSP-Conlutas, liderada por morenistas, impuseram cortes salariais e suspensão de contratos em massa para beneficiar as empresas, sob o pretexto de 'salvar os empregos.'

E como esses partidos, sindicatos e a pseudoesquerda estão comemorando o Dia Internacional dos Trabalhadores deste ano? Em nome de uma unidade nacional contra Bolsonaro, eles convidaram a seus palanques os presidentes do Senado e da Câmara - ambos membros do Democratas, o partido sucessor da ARENA, que governou durante a ditadura - assim como os governadores direitistas Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, e João Doria, de São Paulo, ambos apoiadores da eleição de Bolsonaro em 2018.

Quaisquer que sejam suas críticas vazias dessa 'frente ampla', todas as tendências da pseudoesquerda, dos pablistas no PSOL aos morenistas do PSTU, estão comprometidas com a subordinação da classe trabalhadora brasileira aos sindicatos nacionalistas e pró-empresas e, através deles, ao próprio Estado capitalista.

A tarefa central que se coloca agora diante dos trabalhadores mais avançados politicamente no Brasil e na América Latina é tirar as lições do colapso da 'maré rosa' e da subordinação da classe trabalhadora a regimes nacionalistas burgueses e sindicatos colaboracionistas.

Isso requer uma luta incansável contra todas as tendências revisionistas que, baseadas em uma perspectiva nacionalista e na afirmação de que o socialismo poderia ser alcançado sem a construção de uma liderança revolucionária consciente na classe trabalhadora, romperam com o movimento trotskista.

Convocamos todos que estão nos ouvindo a tomar parte na luta pela construção da seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional, lado a lado com seções do Partido Mundial da Revolução Socialista por toda a América Latina.

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