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Líderes chineses suspendem metas de crescimento do PIB

Publicado originalmente em 25 de maio de 2020

A profundidade do impacto da pandemia do coronavírus na economia chinesa e os problemas e contradições crescentes do regime de Pequim foram explicitados pelo fato da abertura do Congresso Nacional do Povo, na última sexta-feira, não ter apresentado previsões para o crescimento econômico deste ano.

Isso representa um rompimento com a prática estabelecida ao longo do último quarto de século, em que as previsões de crescimento do PIB foram um aspecto fundamental dos congressos.

Teria importância particularmente grande este ano, pois Xi havia estabelecido 2020 como o ano em que o PIB dobraria de tamanho em relação a 2010. Seria uma prévia da celebração dos 100 anos da fundação do Partido Comunista Chinês, em 1921.

Sede do Banco Popular da China, em Pequim. (Wikipedia/Max 12Max)

Ao apresentar seu relatório de trabalho, que abriu o CNP, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang estava ansioso em pintar o melhor quadro da situação econômica interna.

Seu relatório foi feito no contexto de uma contração de 6,8% da economia chinesa no primeiro trimestre do ano. Muitos economistas preveem que, na melhor das hipóteses, as taxas de crescimento atingirão a metade da taxa de 6,1% de 2019.

No entanto, Li afirmou que a decisão do governo de suspender as metas para o PIB não foi resultado das condições internas, mas da grande incerteza em relação aos mercados externos.

O estado dos mercados globais é especialmente preocupante porque estima-se que quase 200 milhões de empregos na China estejam ligados ao comércio exterior. Como o Ministro do Comércio Zhong Shan escreveu num artigo recente, citado pela Bloomberg, isso é mais do que toda a população trabalhadora dos EUA.

Li também se referiu à situação interna do país e às preocupações que ela tem suscitado no governo.

"A pressão sobre o emprego aumentou significativamente", disse ele. "As empresas, especialmente as micro, pequenas e médias empresas, enfrentam dificuldades cada vez maiores. Há riscos crescentes no setor financeiro e em outras áreas."

Um relatório da Bloomberg publicado na semana passada, em meio à abertura do CNP, apontava para o agravamento da situação das empresas menores na província de Cantão, na costa sul, que tem sido o centro do desenvolvimento industrial da China ao longo das últimas três décadas.

O relatório deu detalhes das condições econômicas da cidade de Dongguan, com uma população de tamanho aproximadamente equivalente ao da cidade de Nova York, onde muitos pequenos fabricantes têxteis fecharam as portas ou estão lutando para sobreviver.

O proprietário de uma pequena fábrica disse: "Você pode ver por aqui, nove em cada dez oficinas têxteis já fecharam". O dono da fábrica disse que os dez trabalhadores que lhe restam tiveram seus salários cortados pela metade em decorrência da diminuição das jornadas de trabalho, reduzindo sua renda ao nível de uma década atrás.

As autoridades chinesas tentaram minimizar a ausência de previsões para o PIB e o fracasso de ter dobrado o tamanho da economia ao longo da última década.

He Lifeng, o chefe do principal órgão de planejamento econômico da China, disse aos repórteres na sexta-feira que, mesmo que haja um crescimento de apenas 1% este ano, isso ainda significaria a expansão de 1,9 vezes do PIB desde 2010.

A principal preocupação dos órgãos dirigentes chineses não é a queda do crescimento em si, mas o efeito que ela terá sobre o emprego e a ameaça que o aumento dos níveis de desemprego representa para a estabilidade social e política.

O regime chinês, representando a oligarquia capitalista do país, já não possui, há muito tempo, qualquer compromisso com a igualdade social e muito menos com o socialismo. Para manter sua posição tem se apoiado no fato de que o giro ao capitalismo, iniciado no final dos anos 1970, sob Deng Xiaoping, garantiu a elevação do nível de vida e fez da China uma economia poderosa.

Mas o caminho capitalista encontrou agora seu maior obstáculo dos últimos 40 anos – um evidente colapso da economia mundial desencadeado pela pandemia da COVID-19. Isso ocorre em meio à elevação das ameaças diárias dos EUA, que promove uma campanha anti-China através de todos os setores de seu establishment político e militar.

A campanha anti-China dos EUA atira para todos os lados – desde os esforços para falir a gigante de telecomunicações chinesa Huawei, negando-lhe suprimentos vitais; a imposição de tarifas sobre uma série de produtos chineses; uma orientação cada vez maior a Taiwan, ameaçando destruir a política de "uma só China"; até a onda crescente de acusações de que a China é responsável pelo vírus e o "semeou" nos EUA.

Nessas condições, o agravamento da situação econômica e o aumento do desemprego têm grandes consequências políticas para o regime. Li demonstrou essas preocupações em março, quando pediu aos responsáveis pela economia para que dessem prioridade ao emprego em relação aos números do PIB.

De acordo com uma reportagem do Wall Street Journal, o primeiro-ministro disse: "Enquanto o emprego estiver estável este ano, a taxa de crescimento econômico ser um pouco maior ou menor não quer dizer grande coisa".

Embora a China tenha afirmado que, em grande medida, já erradicou o vírus, a economia – que antes da pandemia já estava em desaceleração acentuada, tendo registrado sua menor taxa de crescimento em 30 anos – está muito longe de retornar até mesmo aos níveis de atividade anteriores.

Segundo estimativas do BNP Paribas, ao contabilizar os trabalhadores migrantes que não puderam viajar para os grandes centros industriais em busca de trabalho, a perda de empregos pode ter chegado a 50 milhões, atingindo uma taxa de desemprego de 12% em março.

No início dos anos 1990, os saques profundos às empresas estatais geraram protestos, mas estes diminuíram à medida que a economia chinesa se expandia para se tornar o principal centro industrial da economia global. Esse caminho está agora praticamente encerrado em meio a uma maré crescente de nacionalismo econômico, não apenas nos EUA, mas em todo o mundo, e a um processo de desglobalização.

A perda de 23 milhões de empregos em 2008, como resultado da crise financeira global, também fez o regime arrepiar de medo. Ele respondeu com um massivo pacote de estímulos, direcionado à construção e aos gastos com infraestrutura. Mas essa opção também não está mais ao alcance no presente, devido aos crescentes níveis de endividamento que as autoridades financeiras estão empenhadas em reduzir.

Essa situação assinala a importância do outro grande fato apresentado na abertura do CNP. O governo anunciou uma lei de segurança nacional que criminaliza a "rebelião" e a "subversão" em Hong Kong em resposta aos protestos massivos do ano passado, que aglutinaram até 2 milhões de pessoas e que as autoridades locais se mostraram incapazes de reprimir.

A nova lei está claramente ligada ao medo mais profundo do regime, de que tais manifestações possam desencadear protestos massivos da classe trabalhadora em todo o continente com a piora das condições econômicas.

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