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Protestos da juventude e greves de trabalhadores sinalizam crescimento da oposição social no Brasil

Publicado originalmente em 10 de junho de 2020

O Brasil vivenciou um segundo final de semana seguido de manifestações contra a violência policial, racismo e o governo do presidente fascista Jair Bolsonaro. Dezenas de milhares de pessoas, em sua maioria jovens, saíram às ruas em todas as regiões e praticamente todos os estados do país.

Em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e Brasília as manifestações foram engrossadas por milhares de pessoas. Em outras capitais e várias cidades do interior, outros protestos com centenas de pessoas ocorreram simultaneamente.

Um número crescente de jovens e trabalhadores brasileiros veem a adesão à onda internacional de protestos impulsionados pelo assassinato policial de George Floyd como uma via política para responder à situação intolerável sob o governo Bolsonaro.

Protesto em São Paulo

O establishment político respondeu reprimindo brutalmente esses protestos. Apesar de não terem ainda convocado as Forças Armadas, como propôs Bolsonaro, os governadores de todos os partidos burgueses mobilizaram um aparato policial de guerra contra os manifestantes.

Em São Paulo, o governador João Doria do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), mobilizou mais de quatro mil policiais militares, helicópteros, quatro blindados e um veículo com canhão de água. Os policiais fizeram revistas pesadas, proibindo que os manifestantes portassem bandeiras e bebidas alcóolicas e prenderam mais de 30 pessoas. Eles dispersaram o protesto o atacando violentamente com bombas de gás e balas de borracha e espancando pessoas indefesas.

No Rio de Janeiro, a repressão começou quando os manifestantes ainda estavam se concentrando e a polícia prendeu cerca de 40 pessoas. Em Belém do Pará, mais de 100 pessoas foram detidas antes do início de uma manifestação, cinicamente acusadas de infringir um decreto que proíbe aglomerações. No mesmo dia, os shoppings centers foram reabertos na cidade, gerando longas filas em suas portas.

O mesmo ocorreu em Fortaleza, capital do Ceará, estado governado por Camilo Santana do Partido dos Trabalhadores (PT). Os manifestantes foram encurralados pela polícia e impedidos de iniciar o protesto, e quando se sentaram no chão os policiais os atacaram com bombas de gás e prenderam sete pessoas.

Protesto em Goiânia, Goiás

O governador petista assumiu total responsabilidade pelas prisões numa entrevista ao programa Roda Viva na noite de terça-feira e afirmou que não viu nenhum "excesso" na ação da polícia. Santana reafirmou que não irá permitir manifestações que quebrem a quarentena, apesar de estar promovendo a reabertura de todas as atividades no estado, um dos mais afetados pelo coronavírus, com mais de 50 mil casos confirmados. Na segunda-feira, comércios e shoppings centers foram reabertos em Fortaleza.

Após o domingo, Bolsonaro se pronunciou em frente ao Palácio da Alvorada dizendo que as manifestações são o "grande problema do momento". Alimentando a propaganda conspiratória que caracteriza os manifestantes como "terroristas" e "umbilicalmente ligados ao extremismo internacional" – como afirmou o vice-presidente General Mourão – Bolsonaro disse que "estão começando a colocar as mangas de fora".

Por trás dessas palavras, existe uma movimentação em direção a formas de dominação abertamente ditatoriais. As forças políticas que dizem se opor a Bolsonaro e seus ataques à democracia são as mesmas que estão mobilizando e dando liberdade de ação ao forte aparato policial militar.

O tamanho da violência sendo mobilizada pelo Estado é um reflexo da consciência e do pavor da classe dominante brasileira sobre a fragilidade da sua ordem social e política. A ameaça percebida pela burguesia não vem da radicalidade de manifestantes "antifascistas", adotados como bode expiatório, mas do fato de que esses protestos estão se cruzando com a oposição social crescente das massas da classe trabalhadora.

A explosão da luta de classes

Completamente apagado pela mídia, um crescimento explosivo da atividade de greves e protestos está ocorrendo nos locais de trabalho em proporções e nível de radicalidade sem precedentes recentes. A classe trabalhadora brasileira está expressando que suas condições de existência, agravadas pela pandemia do coronavírus, atingiram um grau insuportável.

Milhões de trabalhadores estão sendo empurrados para locais de trabalho em condições altamente arriscadas. Fábricas, frigoríficos, mineradoras, hospitais e transportes têm registrado vários surtos de COVID-19. Outros milhões de trabalhadores perderam seus empregos e tiveram seus salários cortados durante a pandemia.

Na segunda-feira passada, mais de 3.000 operários fizeram uma greve selvagem na fábrica de Santo André da Bridgestone, a transnacional baseada nos EUA e maior fabricante de pneus do mundo. Os trabalhadores se rebelaram contra as condições cada vez piores e por três dias entraram na fábrica mas se recusaram a operar as máquinas. Eles estão há meses com seus salários cortados e um surto de coronavírus já atingiu mais de 50 funcionários.

O Sindicato dos Borracheiros apresentou a situação como incontornável. Segundo eles, a única coisa que puderam fazer foi conversar com os trabalhadores "para manter a paz dentro da fábrica" e negociar com a empresa uma proposta para "aliviar" o desespero econômico dos operários. A greve foi encerrada com o pagamento de um bônus de participação nos lucros. Os salários cortados, as condições sanitárias mortais e o perigo de demissões foram mantidos.

Em empresas de ônibus de todo o país, motoristas e cobradores enfrentam demissões e cortes de salário e benefícios em massa desde o início da pandemia. Desde março, dezenas de greves, em todas as regiões do país, estouraram em resposta a esses ataques.

Protesto no Rio de Janeiro

Em Teresina, Piauí, motoristas e cobradores em greve há quase um mês contra a demissão de 400 colegas e cortes salariais têm realizado manifestações de rua diariamente. Num protesto em frente ao Palácio da Cidade, na última sexta-feira, os trabalhadores ergueram cartazes feitos à mão que diziam: "Já não tenho o que comer hoje, imagine amanhã" e "As vidas dos rodoviários importam".

Outra greve de rodoviários teve início na semana passada em Vitória, capital do Espírito Santo. A cidade tem sido palco de uma série de greves combativas de trabalhadores de diferente empresas de ônibus ao longo dos últimos meses, com manifestações de rua e bloqueios de avenidas. Mais uma vez, a greve foi proibida pela justiça, com ameaça de multa diária de 30.000 reais ao sindicato.

Os trabalhadores ignoraram a medida judicial e seguiram com a greve do mesmo jeito. O presidente do Sindicato dos Motoristas declarou: "Estamos agora na porta da empresa conversando com os trabalhadores para que cumpram a liminar [de impedimento da greve], mas eles não atendem ao pedido do sindicato. Tentamos sensibilizá-los, mas não temos como pegá-los pelo braço e obrigá-los a sair".

Nos hospitais lotados de todo o país, profissionais de saúde estão respondendo à contaminação em massa dos trabalhadores, que já custou a vida de mais de 150 enfermeiros, através de um número cada vez maior de greves e protestos. Somente na última semana, ações como essas foram registradas em ao menos quatro estados. Além de exigir equipamentos de proteção adequados e contratação de mais profissionais, existe um movimento nacional crescente, sobretudo entre enfermeiros e auxiliares, por melhores salários.

Essa atividade radical e crescente da classe trabalhadora marca um novo estágio da luta de classes, no qual os sindicatos corporativistas, sobre os quais a classe dominante se apoiou ao longo das últimas décadas, estão perdendo seu poder de controlar os trabalhadores.

A luta por uma direção revolucionária

Em 19 de maio, pouco mais de uma semana antes da explosão dos protestos contra o assassinato de George Floyd, o World Socialist Web Site escreveu:

O Estado burguês brasileiro está impondo uma normalização da morte a toda a classe trabalhadora – seja através da fome, da contaminação pelo novo coronavírus mortal, ou pelo assassinato brutal por seus agentes militares.

Contudo, a classe trabalhadora não é um agente passivo nesse processo. A crescente mobilização dos trabalhadores brasileiros em greves selvagens contra as condições inseguras nos locais de trabalho e a revolta dos moradores das favelas contra a violência do Estado se combinam a um movimento global da classe trabalhadora que enfrenta os mesmos ataques pelas classes dominantes de todos os países.

Os últimos acontecimentos confirmaram essa perspectiva. Manifestações em oposição aos assassinatos promovidos pelo Estado explodiram simultaneamente ao redor do mundo. Milhões de pessoas tomaram as ruas com um sentimento de que a ordem social em que vivem é essencialmente injusta.

Protesto em Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Esses acontecimentos são reflexos de condições objetivas generalizadas entre os trabalhadores do mundo, independente de sua nacionalidade, raça, etnia, ou gênero. Em nome dos interesses de uma minúscula elite corporativa e financeira, a vida de bilhões de trabalhadores é totalmente descartável.

Nos protestos ocorridos neste final de semana no Brasil, já foi notável a presença de trabalhadores, como enfermeiros e entregadores de aplicativo, com seus uniformes e suas demandas políticas de classe. Nos próximos estágios desse processo, a crescente oposição da classe trabalhadora, se desenvolvendo nos locais de trabalho ao redor do mundo, irá emergir como um fator político determinante e com implicações altamente revolucionárias.

A luta pelas demandas comuns aos trabalhadores de todo o planeta, pela reorganização socialista da vida econômica, deverá ser travada como uma luta global através da direção do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).

Convocamos os trabalhadores e jovens que acompanham o World Socialist Web Site a tomarem a decisão de se unirem a nós na construção de um movimento revolucionário no Brasil, e ajudarem a construir o Grupo Socialista pela Igualdade (GSI) como seção brasileira do CIQI.

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