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Perspectivas

Pandemia e guerra global contra imigrantes e refugiados

Publicado originalmente em 26 de maio de 2020

Enquanto a pandemia da COVID-19 continua a se espalhar, causando morte e sofrimento massivos em escala global, os apelos de instituições internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) por "solidariedade" global estão sendo ignorados pelas classes dirigentes capitalistas.

Em sua declaração sobre a crise de COVID-19, Filippo Grandi, Alto Comissário da ONU para os Refugiados, alertou que a pandemia pode ser utilizada como o pretexto para abolir o direito ao asilo e expulsar aqueles que fogem da morte e da opressão. "Nestes tempos desafiadores, não esqueçamos daqueles que estão fugindo da guerra e da perseguição. Eles precisam - todos nós precisamos - de solidariedade e compaixão, agora mais do que nunca", disse ele.

Ao invés de "solidariedade e compaixão", os refugiados e imigrantes são alvo da violência de estado, deportações em massa, encarceramento, fome e morte em escala global. A pandemia do coronavírus serviu para acelerar e justificar uma guerra contra os refugiados, que estava sendo travada muito antes da primeira morte pelo vírus. Isso também é verdade para a desigualdade social e a intensificação da exploração da classe trabalhadora que permeia as sociedades capitalistas em todo o mundo, e a campanha implacável da guerra imperialista e da volta aos métodos autoritários de governo.

Até hoje, 177 países fecharam total ou parcialmente as suas fronteiras, e o direito ao asilo foi efetivamente anulado em quase todo o mundo.

Isso é ilustrado principalmente nos Estados Unidos, onde a administração Trump aproveitou a pandemia do coronavírus para implementar decretos contra os imigrantes, que havia planejado muito antes do termo “COVID-19” ter sido cunhado. A administração utilizou uma obscura lei de imigração, aprovada como uma defesa contra doenças transmissíveis, para deportar dezenas de milhares de pessoas para países onde a disseminação do coronavírus é muito menor do que nos próprios EUA.

Apesar da administração Trump estar promovendo teorias de conspiração sobre a China ter "semeado" deliberadamente o vírus nos EUA e na Europa Ocidental, isso é exatamente o que a administração está fazendo com a deportação sumária de imigrantes para os países empobrecidos da América Central, Haiti e outros lugares do Caribe em vôos lotados. Os imigrantes são arrastados para fora dos centros de detenção, muitos administrados por corporações com fins lucrativos do sistema prisional, e onde o coronavírus se disseminou rapidamente. Enquanto isso, essas deportações se tornaram uma força motriz na propagação da pandemia em países onde a saúde está sendo sobrecarregada rapidamente.

Até o presidente de extrema-direita da Guatemala, Alejandro Giammattei, um servil aliado do imperialismo dos EUA, foi obrigado a condenar as deportações estadunidenses, dizendo ao think tank de Washington, Atlantic Council: "Entendemos que os Estados Unidos querem deportar pessoas, entendemos isso, mas o que não entendemos é que eles nos enviem vôos contaminados". As suas palavras refletem com clareza o desprezo e a crueldade do seu governo em relação à própria população, enviada à força dos EUA.

Nem mesmo as crianças estão isentas do sadismo do governo estadunidense, tendo submetido mais de mil delas a deportações sumárias para o México e para os violentos países do Triângulo do Norte na América Central desde março.

A administração Trump é notória por sua completa incapacidade em realizar qualquer política efetiva para conter a disseminação do coronavírus, o que tornou os EUA, um país que corresponde a apenas 4% da população mundial, responsável por cerca de um terço das infecções e mortes no mundo. Entretanto, ela tem se sobressaído com o fechamento das fronteiras e o descarte das leis estadunidenses e internacionais para negar direitos essenciais aos imigrantes e refugiados, tudo sob o pretexto de proteger os Estados Unidos contra um vírus que já se espalhou ininterrupto por todo o país.

Tal resposta não é meramente o produto da mente fascista e criminosa do presidente dos EUA. Isso é mostrado com clareza com a aprovação de medidas draconianas similares contra os imigrantes em todo o mundo.

Na Europa, as duas nações que servem como os guardas de fronteira principais da “Fortaleza Europa” - Grécia e Hungria, guardando o Mar Mediterrâneo e as rotas de imigrantes nos Balcãs, respectivamente - implementaram políticas igualmente bárbaras contra as massas de refugiados, fugindo para salvar suas vidas.

Na Grécia, centenas, senão milhares de requerentes de asilo foram submetidos a deportações extrajudiciais desde o início da pandemia.

Homens, mulheres e crianças, que estão fugindo dos resultados das guerras imperialistas no Afeganistão, Síria, Iraque, Líbia e outros lugares, foram recebidos na fronteira grega pela polícia, que disparou gás lacrimogéneo e colocou arame farpado. Refugiados e imigrantes que já estão no país foram agarrados pela polícia nas ruas e nos centros de detenção, espancados, tiveram seu dinheiro e celular roubados, suas roupas tiradas e foram forçados a atravessar a fronteira para a Turquia. Enquanto isso, o coronavírus está se espalhando desenfreadamente nos campos de refugiados gregos superlotados.

Na própria Turquia, que abriga uma das maiores populações de refugiados do mundo, as condições estão se tornando cada vez mais desesperadoras. Uma pesquisa realizada por uma associação de requerentes de asilo e imigrantes do país constatou que 63% dos refugiados disseram ter dificuldade de acesso à alimentação durante a pandemia, e que mais de 88% estavam desempregados, em comparação com 18% antes do surto de COVID-19.

A Hungria, na semana passada, cedeu diante da decisão do tribunal da União Européia de que as chamadas "zonas de trânsito de imigrantes" em suas fronteiras eram ilegais. Nelas, os refugiados que procuravam entrar pela Sérvia e Croácia estavam presos, em alguns casos por mais de um ano, e vivendo em contêineres cercados por arame farpado e guardas de fronteira fortemente armados. Ao mesmo tempo, o país anunciou que bloquearia o acesso de qualquer pessoa que pedisse asilo em seu território, um repúdio direto às Convenções de Genebra.

Enquanto isso, no Mediterrâneo, onde 20 mil pessoas morreram tentando chegar à Europa nos últimos quatro anos, as condições apenas pioraram com a pandemia. Com Malta e a Itália tendo fechado seus portos para imigrantes por causa da ameaça do coronavírus, centenas de refugiados ficaram presos no mar por semanas. Em um incidente chocante filmado, barcos de patrulha malteses realizaram manobras ameaçadoras em volta de refugiados que se viram lançados à água a partir de um bote de borracha afundado.

Desde o início da pandemia, milhares daqueles que foram impedidos de chegar à Europa foram enviados para a Líbia, - com a ajuda de uma "guarda costeira" líbia financiada pela União Européia - terminando em centros de detenção que, em muitos casos, são dirigidos por milícias armadas, e onde são agredidos, morrem de fome, são estuprados e até mesmo vendidos como escravos.

As políticas e interesses das classes dirigentes de toda a Europa Ocidental, incluindo Alemanha, França e, à sua frente, o Reino Unido, impulsionam esse tratamento bárbaro dos imigrantes e refugiados.

Dentro de cada país, dos Estados Unidos até a Europa e as monarquias árabes do Golfo Pérsico, os trabalhadores imigrantes enfrentam as piores condições e são responsáveis por uma parcela desproporcional das vítimas da COVID-19. Isso inclui os frigoríficos nos EUA, anteriormente alvos de invasões do ICE, que retiraram os trabalhadores das fábricas à força. Hoje, os frigoríficos são declarados "serviços essenciais", com os trabalhadores sendo forçados a voltar às linhas de produção, onde centenas foram infectados, e muitos morreram.

A mesma resposta do capitalismo se estende às massas de trabalhadores do Sul da Ásia, que hoje estão sendo expulsos sem hesitação de países como os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita e o Kuwait, onde serviram como a base da força de trabalho, trabalhando por baixos salários e sem direitos básicos. Isso inclui o grande número de trabalhadores do Leste Europeu, que trabalham nas piores condições em toda a União Europeia.

Enquanto isso, nos campos de refugiados em todo o mundo, centenas de milhares de homens, mulheres e crianças vivem em espaços lotados onde as orientações das autoridades sanitárias para combater o coronavírus, com o distanciamento social, a lavagem das mãos e outras precauções sanitárias básicas, estão muito além de seu alcance.

A concepção fascista de que o coronavírus pode ser derrotado selando as fronteiras nacionais para impedir o contágio "estrangeiro" é reacionária, além de não ser científica. O vírus não respeita as fronteiras nacionais; não exige visto nem passaporte. Enquanto persistir em qualquer parte do planeta, o vírus continuará a ameaçar toda a humanidade.

A pandemia do coronavírus coloca a necessidade da classe trabalhadora mobilizar seu imenso poder social de forma independente, com base num programa socialista irreconciliavelmente oposto aos interesses econômicos da classe capitalista e do sistema capitalista como um todo. Isso exige, acima de tudo, a união da classe trabalhadora, extendendo-se além das fronteiras nacionais e com base na perspectiva estratégica da revolução socialista mundial. Parte integrante dessa perspectiva é a defesa incondicional do direito dos trabalhadores de todos os cantos do mundo de viver e trabalhar no país de sua escolha, com plenos direitos de cidadania, incluindo o direito à saúde, a uma renda digna e à liberdade para trabalhar e viajar sem medo da repressão ou deportação.

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