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Sahra Wagenknecht, líder do partido alemão A Esquerda, defende desglobalização

Publicado originalmente em 11 de junho de 2020

As tentativas de salvar a vida econômica inoculando-a com o vírus do cadáver do nacionalismo resultam em envenenamento do sangue que leva o nome do fascismo.

Leon Trotsky, “Nacionalismo e Vida Econômica”, abril de 1934.

A resposta da líder do partido alemão A Esquerda, Sahra Wagenknecht, à crise do coronavírus é a desglobalização. No dia 20 de maio, ela descreveu suas ideias na coluna que escreve regularmente para a revista semanal de direita Focus.

Sahra Wagenknecht (Raimond Spekking/CC BY-SA 4.0 via Wikimedia Commons)

No artigo “O que a Alemanha precisa agora para salvar a prosperidade da classe média”, Wagenknecht diz que “Proteger trabalhadores e fornecedores domésticos de importações baratas e aquisições hostis não é um dever nacionalista, mas um dever democrático... Devemos trazer a criação de valor industrial de volta à Europa e superar nossa dependência em setores-chave como a economia digital.”

Wagenknecht justificou sua defesa de “medidas de proteção para a economia doméstica” dizendo que, no final do século XIX, Alemanha e EUA superaram seu atraso industrial “por causa de altas barreiras tarifárias”. Segundo ela, “Não foi o comércio livre, mas o protecionismo que enriqueceu os dois países.”

Aqueles que se beneficiaram de uma globalização mais recente, afirmou, foram “apenas os países que não jogaram segundo as regras do jogo Ocidental – livre comércio, livre circulação de capitais, retirada do Estado da economia – mas segundo suas próprias regras”. China, Japão e Coréia do Sul “expuseram setores industriais nacionais à competição internacional de forma extremamente seletiva e sempre apenas quando conseguiam sobreviver a ela em pé de igualdade.”

Wagenknecht relaciona sua defesa do protecionismo aos ataques contra os “vencedores da globalização, que diz serem “investidores financeiros anglo-saxões”, o “clube internacional de bilionários” e uma “nova classe alta de acadêmicos que vivem nos bairros da moda das metrópoles ocidentais”.

Ela os contrasta com todos aqueles “cujas vidas se tornaram mais difíceis e incertas”. Há muitos acadêmicos entre os “perdedores” da globalização, mas acima de tudo há “pessoas que não têm um diploma universitário e cujas perspectivas de um emprego sólido e avanço profissional são muito menores hoje do que na segunda metade do século passado.”

A afirmação de que as barreiras tarifárias e outras medidas protecionistas servem para proteger os socialmente desfavorecidos é falsa e politicamente reacionária. Não faz parte da tradição do socialismo, mas do fascismo. Serve para despertar o nacionalismo, dividir a classe trabalhadora internacional e preparar a guerra comercial e militar.

Tanto Mussolini quanto Hitler culparam a economia mundial pela profunda recessão dos anos 1930 e realizaram políticas econômicas nacionalistas. Leon Trotsky, o mais importante líder da Revolução Russa de Outubro ao lado de Lenin e fundador da Quarta Internacional, escreveu em abril de 1934 o artigo “Nacionalismo e Vida Econômica”, de onde a citação no início deste texto foi tirada.

Nele, Trotsky não só explica o conteúdo anacrônico e profundamente reacionário do nacionalismo econômico, como também prevê – cinco anos antes da Segunda Guerra Mundial – que “o nacionalismo fascista decadente, preparando explosões vulcânicas e enormes confrontos na arena mundial, não traz nada a não ser a ruína. Todas as nossas experiências nesse sentido nos últimos 25 ou 30 anos parecerão apenas uma abertura idílica em comparação com a música do inferno que é iminente”.

A avaliação de Trotsky foi baseada na compreensão marxista da história, segundo a qual o desenvolvimento das forças produtivas é a força motriz do progresso humano. Nos séculos XVIII e XIX, as revoluções burguesas haviam superado o particularismo medieval e criado estados-nação modernos, nos quais a economia capitalista pode se desenvolver.

Mas o desenvolvimento econômico não parou dentro do marco nacional. O comércio mundial cresceu e o foco se deslocou do mercado interno para o externo.

“O século XIX foi marcado pela fusão do destino da nação com o destino de sua vida econômica; mas a tendência básica do nosso século é a crescente contradição entre a nação e a vida econômica”, explicou Trotsky. “A crise atual, em que se sintetizam todas as crises capitalistas do passado, significa, sobretudo, a crise da vida econômica nacional.”

As potências imperialistas tentaram “resolver” essa crise através da expansão violenta à custa de seus rivais. Essa foi a principal razão para as duas guerras mundiais. “Uma das principais causas da [Primeira] Guerra Mundial”, escreveu Trotsky, “foi o esforço do capital alemão para entrar em uma arena mais ampla. Hitler lutou como soldado em 1914-1918, não para unir a nação alemã, mas em nome de um programa imperialista super-nacional.”

Mas a guerra não trouxe solução. Portanto, em 1933, as elites governantes nomearam Hitler chanceler e lhe deram poderes ditatoriais. Os nazistas foram usados para preparar uma Segunda Guerra Mundial imperialista, esmagando o movimento operário e centralizando a economia nacional.

Embora tenha sido escrito há quase 90 anos, o artigo de Trotsky é hoje mais relevante do que nunca. A integração da economia mundial atingiu níveis sem precedentes. Não só o comércio, mas também as cadeias produtivas atravessam hoje o globo. A população mundial é quatro vezes maior do que em 1933, com quase 8 bilhões de pessoas, mais da metade das quais vivem em cidades.

A tentativa de “subordinar pela força a economia ao obsoleto estado nacional” tem consequências ainda mais devastadoras hoje do que na década de 1930, colocando em questão a sobrevivência da humanidade.

No entanto, a partir dos Estados Unidos, o nacionalismo econômico e a guerra comercial estão se espalhando de maneira descontrolada. Para citar mais uma vez Trotsky, “ao invés de limpar uma arena suficientemente grande para as operações da tecnologia moderna, os governantes cortam em pedaços o organismo vivo da economia”.

Todas as potências imperialistas, incluindo a Alemanha, estão engajadas em um rearmamento maciço. Bilhões estão sendo gastos com a renovação dos arsenais nucleares. Os preparativos para a guerra, especialmente contra a China, estão bem avançados. Por toda parte, forças de direita e fascistas estão levantando a cabeça.

Como uma economista com doutorado, Wagenknecht sabe naturalmente que é impossível trazer a economia de volta ao nível de décadas ou séculos atrás por meios pacíficos. Em um país com uma economia altamente desenvolvida como a Alemanha, que depende mais da divisão internacional do trabalho do que praticamente qualquer outro, essa ideia é absurda.

Sua defesa do protecionismo possui um objetivo diferente. Com isso, ela está apoiando a burguesia alemã em futuras guerras comerciais e militares contra a China, e especialmente contra os EUA. Além disso, ela está procurando mobilizar forças para se opor à unificação da classe trabalhadora internacional – a única força social capaz de derrubar o capitalismo e organizar a economia mundial em benefício de toda a humanidade.

A agitação de Wagenknecht contra os refugiados, que lhe rendeu repetidos elogios do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), não foi um acidente. Ela tem feito muitos ziguezagues em sua carreira política, mas uma coisa sempre permaneceu constante – o nacionalismo.

Após a reunificação alemã em 1991, a militante de 20 anos serviu como uma figura jovem para a Plataforma Comunista do Partido do Socialismo Democrático (PDS), que nada mais era do que uma coleção de funcionários idosos da Alemanha Oriental que se agarraram ao estalinismo e à sua doutrina nacionalista do “socialismo em um só país”. Vinte anos depois, ela começou a louvar o reacionário período do pós-guerra na Alemanha Ocidental governado por Konrad Adenauer e seus economistas. Ela não citou mais Marx. Ao invés disso, ela adotou a visão de que o socialismo realmente significava liberalismo consistente, com competição, meritocracia e responsabilidade pessoal.

Agora, ela defende que o estado forte proteja a economia alemã contra o “dumping das exportações chinesas” e as “aquisições estrangeiras”, e que garanta “uma verdadeira concorrência pelo desempenho”, como explicou em entrevista à edição de 21 de maio da revista de negócios Capital. Em contraste, ela rejeitou explicitamente uma “economia estatal”. Não é “tarefa do estado administrar as empresas de forma permanente”, declarou.

Apesar de Wagenknecht ter deixado a liderança parlamentar do partido A Esquerda em novembro passado, ela continua sendo uma das principais figuras do partido e frequentemente o representa em programas de entrevista e na mídia. Ela simboliza um partido que se coloca sem reservas atrás do imperialismo alemão e está preparada para defender os interesses da burguesia alemã por todos e quaisquer meios contra a classe trabalhadora em casa e os rivais externos do imperialismo alemão.

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