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Perspectivas

Impulso à "volta ao trabalho" liderado pelos EUA espalha a morte pela América Latina

Publicado originalmente em 15 de julho de 2020

Na segunda-feira, o número oficial de mortes por coronavírus na América Latina atingiu um marco sombrio, superando o total de mortos na América do Norte. Mais de 145.000 morreram, e mais de 3,5 milhões de pessoas testaram positivo em toda a América Latina. A pobreza e a desigualdade massivas dominam a região após centenas de anos de exploração colonial e imperialista, tornando todos seus países especialmente vulneráveis à transmissão do vírus.

Quatro dos sete países com maiores índices de casos positivos no mundo estão hoje na América Latina, ao passo que os subfinanciados sistemas de saúde pública entraram em colapso.

O Brasil ocupa o segundo lugar com 1,9 milhões de casos, atrás apenas dos EUA. Peru, Chile e México são o quarto, quinto e sexto, respectivamente, com mais de 300.000 casos positivos cada um. Esses números subestimam drasticamente a propagação do vírus, com os sistemas de testagens completamente desestruturados. Enquanto a Itália e os EUA atualmente realizam mais de 100 testes por 1.000 habitantes, o México testou apenas 5 em cada 1.000, o Brasil 7 por 1.000 e o Peru 9 por 1.000.

Soldados fazem patrulha em Ciudad Bolivar, bairro com alto índice de casos do novo coronavírus em Bogotá, Colômbia, na segunda-feira, 13 de julho de 2020. (AP Photo/ Fernando Vergara)

Com os hospitais superlotados e as cidades desenterrando corpos para ganhar espaço nos cemitérios para os mortos, todos os governos e todos os partidos políticos da região estão lutando para reabrir suas economias, sacrificando incontáveis vidas em nome do lucro corporativo.

No Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro respondeu ao número de mortos proclamando: "E daí?", as empresas começaram a reabrir em todo o país e milhões de trabalhadores estão sendo forçados a voltar ao trabalho. "Governadores e prefeitos estão enviando a população para matadouros com a prerrogativa de uma recuperação econômica", disse um especialista médico brasileiro à CNN.

No México, onde foram reabertas as fábricas de automóveis e maquiladoras que produzem peças para exportação aos EUA, o presidente Andrés Manuel López Obrador disse à população para ir trabalhar, "ser livre" e "aproveitar o céu, o sol e o ar fresco". López Obrador, posando ostensivamente como de esquerda, imitou as políticas de Bolsonaro, anunciando a eliminação de ainda mais restrições nesta semana. Antes, ele disse aos mexicanos que eles poderiam combater o vírus comendo milho, que ele chama de "aquela planta abençoada".

Na Nicarágua, o governo liderado pelo sandinista Daniel Ortega negou na prática a existência do vírus, enquanto em Honduras, o presidente apoiado pelos EUA, Juan Orlando Hernandez, testou positivo e, como Bolsonaro, usou sua própria doença para minimizar o vírus, forçando as maquiladoras do país a permanecerem abertas. Os trabalhadores hondurenhos estão morrendo às centenas para produzir roupas e calçados para exportação aos EUA.

Ligia Ramos, diretora da Faculdade Hondurenha de Medicina, tuitou:

"Se não fecharmos as maquiladoras, teremos que fechar os hospitais. Não faz sentido chorar todas as semanas por um amigo, um colega de trabalho. Fechem as malditas maquiladoras, pelo amor de Deus. Se eles continuarem com as maquiladoras, se continuarem ganhando dinheiro com a dor do povo, não vamos deter a doença".

Nos vizinhos Guatemala e El Salvador, o vírus também se espalhou a partir de deportados dos EUA, muitos dos quais as autoridades americanas sabiam terem resultados positivos.

De Tijuana ao Cabo Horn, o vírus está devastando regiões empobrecidas, desde tribos indígenas na floresta amazônica até as megalópoles densamente povoadas como a Cidade do México, Lima e Rio de Janeiro.

Mas, à medida que o vírus se espalha, as classes dominantes da América Latina estão forçando milhões de pessoas a voltarem a trabalhar em nome do imperialismo americano, que exige a reabertura das cadeias de abastecimento latino-americanas para alimentar sua própria campanha de "volta ao trabalho".

Em março, a maior parte da América Latina estava apenas começando a passar pela ampla transmissão comunitária da doença. México e Honduras não haviam tido suas primeiras mortes por coronavírus até 26 de março, enquanto no Brasil elas ocorreram em 19 de março e no Chile em 21 de março. A primeira morte relatada no Peru ocorreu em 1º de abril. A produção, em grande parte voltada à exportação para os EUA, continuou em toda a região nessa época.

No entanto, em abril, quando as mortes começaram a aumentar, as greves e protestos dos trabalhadores se espalharam pela região, especialmente no México e no Brasil. Em meados de abril, enquanto os trabalhadores denunciavam condições inseguras nas maquiladoras do norte do México, Trump anunciou: "Eu falei ontem com o presidente do México. ... Se uma cadeia de abastecimento sediada no México ou no Canadá interromper a fabricação de um grande produto e um produto importante, ou mesmo um produto militar, não vamos ficar felizes, posso garantir isso".

Como resultado, em todas as Américas, o número de mortos aumentou e a produção seguiu. Os mercados se recuperaram graças à retomada da produção, à lei CARES de transferência de trilhões de dólares a Wall Street e à promessa de infinitas injeções de capital pelo Federal Reserve dos EUA.

Agora, o impulso à "volta ao trabalho" está em pleno andamento nos EUA e os surtos generalizados transformaram os locais de trabalho americanos em armadilhas mortais, incluindo as plantas automotivas, frigoríficos, plantações e depósitos. Uma vez que os trabalhadores americanos são forçados a voltar ao trabalho, Wall Street está exigindo que a América Latina acelere ainda mais a produção.

Este foi o objetivo da visita do presidente mexicano López Obrador a Trump em Washington na semana passada, onde executivos de ambos os países insistiram no fim das restrições ainda existentes ao trabalho. Falando ao Atlantic Council após o jantar, Christopher Landau, embaixador dos EUA no México, disse: "Eu estava conversando com um dos executivos seniores da Ford Motor Company" sobre acelerar ainda mais a produção no México. "Eles estavam dizendo que terão de começar a fechar suas fábricas nos Estados Unidos a partir da próxima semana se não conseguirem isso".

Em empresas como Ford, GM e Fiat-Chrysler, as cadeias de abastecimento internacionais ligam as minas bolivianas e chilenas, a produção de peças na América Central e no México e as fábricas de montagem nos EUA, Argentina, Brasil e Canadá. Essas empresas têm lucrado imensamente com as campanhas de volta ao trabalho em cada país.

Ao longo da campanha hemisférica de volta ao trabalho, as ações da Ford aumentaram de US$ 4,01 por ação em 23 de março para US$ 6,30 hoje, um aumento de 57%. As ações da GM subiram de US$ 16,80 em 18 de março para US$ 25,32, um aumento de 51%. As ações da Fiat Chrysler foram vendidas a $6,35 em 20 de março, subindo para $10,23 hoje, um aumento de 61%.

Enquanto isso, a ONU informa que em apenas quatro meses, o número de latino-americanos com necessidade de assistência emergencial à alimentação triplicou. O Banco Mundial informa que 50 milhões de pessoas cairão na pobreza na América Latina neste ano, elevando o total para 230 milhões.

Como resultado do vírus, a pobreza extrema triplicará de 4,5% a 15,5%, chegando a um total de 96 milhões de pessoas, incluindo milhões que não têm água limpa para lavar as mãos.

Nos bairros densamente povoados da classe trabalhadora de Lima, no Peru, onde o vírus está se espalhando rapidamente, a média de horas trabalhadas caiu em 80%, forçando massas de trabalhadores à miséria. A região terá 44 milhões de desempregados este ano. Há relatos generalizados do aumento da prostituição.

Mas nisso também há notícias animadoras para as corporações dos EUA e os interesses geoestratégicos do imperialismo norte-americano.

O desemprego em massa e a doença criarão uma pressão tão grande sobre os salários que, como a S&P Global relatou este mês: "O bom de uma crise econômica na América Latina acompanhada do valor depreciado de suas moedas e custos relativos de mão-de-obra reduzidos é que pode levar os fabricantes a se expandirem na América Latina ao invés de irem para a Ásia". Isto não apenas melhorará os resultados das corporações americanas, mas também ajudará o imperialismo dos EUA a escantear seu rival geoestratégico, a China.

É necessário que os trabalhadores em todas as Américas se movimentem para se unir na luta pela segurança nos locais de trabalho e contra o impulso de volta ao trabalho conduzido pelos EUA. É uma questão de vida ou morte para milhões de pessoas.

Em toda parte há um anseio por uma transformação radical da economia mundial – isto foi demonstrado pelos protestos em massa que varreram a região em 2019. Mas o que é necessário é uma perspectiva política socialista. Convocamos os leitores de toda a América Latina a entrarem agora mesmo em contato com o Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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