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Protestos tomam a Bolívia contra adiamento das eleições

Desde segunda-feira, um movimento de greves e bloqueios de estradas por trabalhadores e camponeses vem se espalhando pela Bolívia. Os manifestantes protestam contra um decreto que adia novamente as eleições gerais, ameaçando manter o governo de facto de Jeanine Áñez indefinidamente no poder.

As ações desta semana dão continuidade a manifestações massivas que ocorreram na semana passada, em 28 de julho, pouco depois do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) anunciar o cancelamento das eleições agendadas para setembro. Em meio a um protesto em El Alto, uma região da capital La Paz com uma combativa tradição da classe trabalhadora, a Central Operária Boliviana (COB) convocou uma greve geral e bloqueios a partir de 3 de agosto caso o Tribunal não recuasse.

Segundo a COB, ergueram-se bloqueios em 75 locais do país na segunda-feira, incluindo pontos estratégicos nas regiões de Santa Cruz, La Paz, Cochabamba, Potosí, Oruro e Sucre. Marchas de mineiros, camponeses, indígenas e trabalhadores urbanos pobres foram realizadas.

Em Potosí e El Alto, forças policiais se chocaram com manifestantes, atirando bombas de gás e levando pessoas presas. Em La Paz, um grupo de jovens que realizava uma greve de fome em frente ao TSE foi levado detido por dois ônibus da polícia.

O ódio dos trabalhadores e camponeses bolivianos contra o regime originado no golpe cresceu substancialmente em meio à pandemia de COVID-19. A devastação do vírus está se cruzando com o aumento substancial da pobreza no país.

O desemprego explodiu na Bolívia, saltando de 4,8% no final de 2019 a 8,1% em maio nas áreas urbanas. A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) prevê que, até o final do ano, cerca de 500 mil bolivianos serão lançados na pobreza extrema e que 36% da população será pobre.

Sob essas condições, o governo se valeu dos prognósticos terríveis de infecções pelo coronavírus para implementar medidas de Estado policial e adiar três vezes a data das eleições, ao mesmo tempo que se demonstrou absolutamente incapaz de conter a disseminação da doença e da fome entre os bolivianos.

Ao longo do último mês, o número de infecções por coronavírus mais do que dobrou na Bolívia, já tendo ultrapassado os 80.000 casos confirmados. O número de mortes teve um ascenso ainda mais pronunciado. Com um recorde de 89 mortes em um único dia registrado no domingo, o total de óbitos triplicou em julho, passando de 3.000.

Esses números são uma subestimação grosseira da situação real, uma vez que o país tem um dos índices mais baixos de testagem no mundo. A explosão recente do número de casos está diretamente associada à retomada desordenada das atividades econômicas, promovida pelo governo desde junho atendendo aos interesses da burguesia.

Seus resultados mais terríveis foram demonstrados no colapso do precário sistema de saúde boliviano. A maior parte dos hospitais já foi forçada a fechar as portas temporariamente após a contaminação generalizada de sua equipe. O último caso ocorreu no policlínico 9 de Abril, em La Paz, que declarou estado de emergência na segunda-feira após 70% das enfermeiras e 60% dos médicos estarem com suspeitas de coronavírus.

O colapso do sistema funerário, que está ocorrendo simultaneamente, foi graficamente representado na recente implementação de crematórios "portáteis" fixados na parte de trás de veículos circulando pelas ruas de cidades da Bolívia.

Nos presídios bolivianos, que retém 18.000 pessoas, a maior parte delas de forma preventiva, o governo já contabilizou mais de 150 casos e 40 mortes. Na semana passada, uma rebelião estourou simultaneamente em 4 cadeias de Cochabamba, exigindo assistência médica e medidas para prevenir a transmissão do vírus.

Médicos e profissionais de saúde têm protestado contra a falta geral de equipamentos de proteção individual, que levam ao adoecimento e morte extremamente alto desses trabalhadores. Grupos de profissionais da saúde foram vistos participando das manifestações nesta semana.

O regime do golpe está apavorado com a possibilidade de que as manifestações crescentes saiam fora do controle e ameacem derrubá-lo do poder. Sua resposta desesperada é promover uma escalada da violência.

Deixando claros os preparativos do governo para uma intervenção militar contra os protestos, o Ministro de Governo Arturo Murillo declarou: "levantem os bloqueios, ou os levantaremos nós mesmos".

Murillo tem sido uma das principais lideranças responsáveis pelas provocações fascistas do governo. Nos últimos meses, atacou os bloqueios de moradores que já vinham ocorrendo no bairro pobre de K'ara K'ara, em Cochabamba, como sendo orquestrados pelo "narcoterrorista" Evo Morales.

As acusações conspiratórias de toda a oposição como "terrorista", que justifica a manutenção permanente de Áñez e seus aliados no poder, crescem em proporção direta ao aumento da oposição social.

Na semana passada, o Ministro da Defesa Fernando López apareceu num programa de televisão acusando os protestos massivos que cresciam nos arredores de La Paz de serem um atentado biológico de camponeses, supostamente contaminados com COVID-19, contra as cidades. "Não é um protesto… é gente de Chapare que está vindo a El Alto para badernar, estão vindo para infectar a população de El Alto e La Paz", ele afirmou.

A ameaça de uma repressão brutal das massas bolivianas nas ruas não pode ser subestimada. O governo está preparando uma violência ainda maior do que a empregada pelos militares logo após o golpe, quando ao menos 23 manifestantes foram assassinados e mais de 230 feridos.

Da mesma forma como abandonou, no ano passado, os que lutavam contra o golpe nas ruas, Morales está negociando um acordo da COB e do Movimento ao Socialismo (MAS) com a burguesia.

"As reuniões entre o TSE Bolívia e COB não deveriam se limitar a saudações; o diálogo é importante para chegar a um consenso sobre a decisão unilateral da autoridade eleitoral com consequências dramáticas para a população, como o adiamento das eleições repetidas vezes", declarou Morales no Twitter na segunda-feira.

O acordo sendo preparado por Morales com as mesmas forças que promoveram o golpe servirá somente para abrir o caminho ao esmagamento das forças operária e camponesas.

Para lutar contra as ameaças fascistas, contra as condições miseráveis e o coronavírus que assola a população, os trabalhadores bolivianos precisam erguer uma perspectiva política independente em direção ao socialismo, unificados a seus irmãos e irmãs na América Latina e em todo o mundo.

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