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Professores brasileiros se opõem ao retorno às aulas

Publicado originalmente em 5 de agosto de 2020

Ao mesmo tempo em que os governos municipais e estaduais promovem a reabertura geral das escolas, seguindo as demandas sociopatas do presidente fascista, Jair Bolsonaro, está surgindo uma ampla oposição entre os pais e educadores ao retorno.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha em abril revelou que três de cada quatro pessoas no Brasil acreditam ser mais importante “ficar em casa a fim de evitar a disseminação do coronavírus, mesmo que isso prejudique a economia e cause desemprego”. Em junho, outra pesquisa da mesma instituição revelou que 76% dos brasileiros são contra a reabertura das escolas nos próximos dois meses, e apenas 21% são a favor do retorno às aulas presenciais no curto prazo.

Estudante sendo higienizada antes de entrar em escola privada em Manaus, Amazonas. [Crédito: Escola Meu Caminho]

O WSWS conversou com professores de diferentes regiões do Brasil sobre as razões políticas por trás da campanha pelo retorno às aulas e os perigos que ela coloca para as vidas dos funcionários das escolas, estudantes e suas famílias.

Francisca, professora da educação infantil pública em São Paulo, explicou que os protocolos de segurança promovidos pelos governos estaduais em todo o país são uma parte da campanha pelo retorno às aulas: “Os protocolos apresentados me parecem uma listagem de procedimentos gerais que não garantem a segurança e o bem-estar de funcionários, crianças e famílias e não consideram as especificidades de cada etapa/faixa etária ou as condições estruturais de cada unidade educacional”.

Explicando que uma infra-estrutura adequada é um pré-requisito para proteger as pessoas do contágio, Francisca disse: “A escola em que trabalho possui infraestrutura inadequada ... e que, neste momento, é determinante para a inviabilidade da implementação [dos protocolos]: espaços reduzidos (dificultando a manutenção do afastamento físico recomendado), ausência de espaço reservado (para o isolamento de crianças sintomáticas) e sistema de arejamento precário (comprometendo a salubridade do ar). [Essas] são, apenas, três das medidas básicas de prevenção que nossa escola, assim como muitas outras da rede, não têm condições de implementar”.

Fabiano, professor de Português no ensino médio da rede municipal de São Paulo, apontou para os cortes que já estavam acontecendo antes da pandemia: “Esses protocolos são bem subjetivos e, a gente sabe que a prefeitura, nessa gestão [de Bruno Covas do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)], reduziu o quadro de funcionários de limpeza. A parte de higiene é fundamental para esses protocolos e eu não creio, principalmente devido ao histórico dessa prefeitura, que haveria EPIs, álcool-gel, sabão, o que eles chamam de ‘protocolos de segurança’”.

Os cortes de empregos nas escolas municipais de São Paulo já vem ocorrendo durante sucessivas administrações, incluindo durante o mandato de Fernando Haddad, ex-candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT) durante as eleições de 2018.

Geraldo, professor de Sociologia da rede estadual do estado do Amazonas, alertou para um potencial novo surto resultante de um retorno às aulas: “A secretaria vai deixar o ‘nós por nós’ [nas escolas], e não vai haver respeito aos protocolos de segurança ... Uma pessoa pode contaminar outras cinco ou dez. Eu li que, ao mesmo tempo em que as crianças possuem menor probabilidade de contágio, elas são menos sintomáticas. E como as pessoas vão ter uma interação nas escolas sem o contato humano? Não quero dizer tocar em pessoas — elas vão tocar nas coisas, elas vão andar pelos lugares”.

Pedro, um professor de História que também trabalha na escola pública no Amazonas, descreveu os “protocolos de segurança” sendo planejados para o retorno às aulas: “100% dos alunos voltariam em um modelo híbrido e com rodízio. Eles alegam que haverá testagem dos professores, mas apenas uma, quando voltarem para as escolas. Essa testagem não está prevista para os alunos, que terão no máximo a temperatura deles medida”.

Apontando para a política de imunidade de rebanho, sendo implementada na prática por governos em todo o mundo, Geraldo alertou: “Os profissionais estão sendo preparados para retornar como cobaias, com todas essas pesquisas de opinião com os professores sobre doenças crônicas”.

Sala de aula de pré-escola em uma escola privada reaberta em Manaus, Amazonas. [Crédito: Escola Meu Caminho]

Há um entendimento de que a campanha pelo retorno é sustentada por interesses financeiros. Igor, professor de escola e curso pré-vestibular na rede privada em São Paulo, disse: “O retorno imediato não tem condições de resolver os problemas pedagógicos nem dos alunos, com certeza. Para mim, os interesses são econômicos”.

Ele também denunciou a campanha nas escolas privadas para diminuir os salários dos professores. “De um lado, há cobrança dos pais por pagarem mensalidades integrais enquanto não consideram às vezes que estão tendo os mesmos serviços. Do outro, há pressão das empresas, que de fato podem sofrer com desmatrículas e inadimplência, mas que também pode se valer do momento para precarizar as relações trabalhistas. Um sinal disso é que uma grande empresa de educação na qual trabalho reduziu os salários em 25% por três meses, mas considera que pode ser um bom momento para novas aquisições de empresas”.

Expressando a desconfiança sentida pelos professores sobre a capacidade de um retorno resolver os problemas de ensino, Francisca denunciou as novos problemas que surgirão se ele acontecer. Ela ressaltou a completa falta de preparo e indiferença em relação à educação das crianças.

“[Será um] resultado no mínimo duvidoso, senão temeroso, pois o retorno não resolve totalmente os problemas expostos e, inclusive, gera outros: Quais crianças/famílias serão “contempladas” a integrar os 35% “habilitadas” ao retorno inicial? Estas terão refeições garantidas, tempo diário “seguro” na escola e desafogo para os responsáveis trabalhadores, mas a que custo? No caso específico das crianças pequenas, como garantir vivências pedagogicamente significativas diante do afastamento físico, da exploração restringida e do compartilhamento negado?”.

Apontando para o agravamento das condições de trabalho que veio com a ampliação das plataformas de serviços digitais, Geraldo fez a conexão entre as condições inadequadas e os baixos salários dos trabalhadores de entrega de aplicativos, que recentemente se envolveram em greves no Brasil, e os ataques enfrentados pelos trabalhadores da educação nos últimos anos. "Se você olhar para as pessoas que trabalham no setor de turismo, em hotéis, ou submetidas a empresas como Airbnb, penso que a situação também chegou na educação, no sentido de que o professor também começará a compartilhar conteúdo sem nenhuma obrigação trabalhista".

A pandemia foi vista por funcionários do governo educacional, ONGs e empresas como uma oportunidade para acelerar a introdução de plataformas digitais de ensino à distância nos currículos escolares. Já foram prometidas centenas de milhões de reais em equipamentos digitais para supostamente melhorar as condições de trabalho dos professores.

No entanto, Pedro denunciou a verdadeira experiência precária dos alunos. "Nem mesmo a metade dos estudantes possui um telefone celular... muitas famílias são pobres. Temos muitos estudantes venezuelanos, que acabam de chegar ao Brasil e não falam português".

"A participação é mínima, com três ou quatro alunos freqüentando aulas onde há quase 50 alunos matriculados". Aqueles que participam estão fazendo isso superando grandes dificuldades. "Um colega meu me disse que um dos pais trabalha como guarda noturno. Seu filho termina as atividades, depois seu pai tira fotos em seu celular e as envia quando chega ao trabalho, onde há conexão de internet sem fio".

Pedro também explicou a distribuição inadequada de refeições para as famílias. "Eles criaram um programa chamado 'Refeições em Casa', distribuindo uma cesta de alimentos para a família de cada estudante durante estes quatro meses. No entanto, há muitos pais reclamando que ainda não o receberam. No campo, as famílias estão recebendo agora sua primeira cesta de alimentos".

Geraldo denunciou a resposta criminosa do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), juntando-se ao governo na implementação dos planos de retorno às aulas. Ele disse: “Em algumas escolas, os ataques foram tão grandes que muitos professores foram demitidos, perderam seus contratos, e a resposta do sindicato é assistencialista, de fazer somente essa entrega de alimentos e auxílios. O sindicato não consegue se aproximar da sua base. O sindicato já está apoiando o Plano SP [o plano de retorno ao trabalho do governo estadual], limitando-se a essa demanda de ‘redução drástica’, que não quer dizer nada”.

“O sindicato não cria conta oficial de Facebook, nem de Instagram, não mostra os números de seguidores porque eles têm medo de entrar no meio da base e se expor a todas as suas contradições e problemas, que serão expostos por essa base”.

Na quarta-feira, os professores do estado de São Paulo organizaram uma carreata, planejada para terminar em frente à casa do governador, João Doria. Doria ordenou que a polícia bloqueasse a região, impedindo que a carreata chegasse à sua casa. Então, a presidente da APEOESP, Maria Izabel Azevedo Noronha, conhecida como Bebel, andou em direção ao bloqueio policial e ensaiou uma demonstração de oposição aos planos do governador.

No início de julho, Noronha se encontrou com o Secretário da Educação, Rossieli Soares, para supostamente se opor à campanha do retorno às aulas, baseando-se na necessidade de uma prévia “drástica redução da pandemia”. Tal formulação permite que os professores e estudantes sejam forçados a retornar às escolas quando os números de casos e mortes alcançarem um nível “aceitável”.

No Rio de Janeiro, onde o prefeito Marcelo Crivella do partido Republicanos está promovendo a reabertura das escolas privadas, começando na segunda-feira (3), os sindicatos estão bloqueando uma oposição unificada dos trabalhadores da educação. Os sindicatos representando oficialmente os professores estaduais, municipais e do setor privado, que são todos ameaçados pelas mesmas políticas, organizaram assembleias virtuais em diferentes datas.

Os professores, educadores e trabalhadores no Brasil e internacionalmente devem criar comitês de base independentes tanto dos sindicatos como dos partidos de “esquerda”, tais como PT, PSOL e PCdoB. Eles irão permitir que os trabalhadores se unifiquem na luta contra a campanha assassina do retorno às aulas, e pela modernização das escolas e infra-estrutura de alta qualidade para o ensino a distância, ambos financiados pela expropriação da oligarquia capitalista.

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