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MAS, sindicatos e regime do golpe fecham acordo para sufocar revolta dos trabalhadores na Bolívia

Publicado originalmente em 20 de agosto de 2020

Após mais de dez dias de bloqueios e protestos por trabalhadores e camponeses bolivianos, o Movimiento al Socialismo (MAS, o partido do presidente deposto Evo Morales) firmou um pacto com o regime do golpe de Jeanine Áñez.

Na quinta-feira passada, Áñez assinou uma lei determinando que as eleições ocorram até 18 de outubro. O MAS e as organizações oficialmente à frente dos protestos, a Central Obrera Boliviana (COB) e movimentos sociais do Pacto de Unidad, então chamaram a desmobilização dos bloqueios, enfrentando a oposição dos trabalhadores e camponeses que tomavam as ruas.

As manifestações de rua estouraram em 28 de julho, repudiando o anúncio do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) de um terceiro adiamento das eleições gerais, então marcadas para setembro. Numa assembleia massiva em El Alto, distrito com histórico combativo da classe trabalhadora na região de La Paz, votou-se a realização de bloqueios caso o TSE não recuasse da decisão.

Mineiros de cooperativa aderem a bloqueio de Cochabamba-Oruro. O cartaz diz: "Áñez, Murillo, queremos sua cabeça".

O governo de Áñez ignorou o alerta e os bloqueios das principais vias do país tiveram início na semana seguinte, em 3 de agosto. Provocativamente, neste mesmo dia, o TSE firmou a data das eleições para 18 de outubro.

A resposta cínica e violenta do governo aos protestos, negando sua responsabilidade política enquanto promovia uma escalada da repressão, desencadeou uma revolta ainda maior na população.

A segunda semana de bloqueios testemunhou um acirramento da crise social e política. O Estado militarizou as principais cidades bolivianas, realizou prisões de manifestantes e deu cobertura criminosa à ação violenta de bandos fascistas contra os protestos. Ao mesmo tempo, novos setores sociais ingressavam na luta e a demanda pela queda imediata do regime ganhava popularidade crescente.

Na terça e quarta-feira, 11 e 12 de agosto, foi reportada a chegada de milhares de mineiros aos bloqueios das vias ligando Oruro a Cochabamba, exigindo a derrubada de Áñez. Em outros pontos, trabalhadores, camponeses e jovens se preparavam para resistir aos ataques armados aos protestos.

Também em 12 de agosto, estourou uma luta dos trabalhadores da Empresa Municipal de Coleta de Lixo (EMSA) da cidade de Cochabamba, onde mais de 50 bloqueios permaneciam erguidos. Eles se opunham à nomeação de uma nova superintendência e ameaças de privatização da empresa.

Os trabalhadores da limpeza tentaram ocupar o prédio da Prefeitura e foram reprimidos pela polícia. Segundo o jornal El Deber, abriu-se um confronto em que "vassouras pegando fogo voavam de um lado enquanto policiais respondiam com gás lacrimogênio".

A continuidade dessas manifestações ameaçava não só o governo de facto, mas a própria ordem burguesa na Bolívia. Agindo para desmobilizar as massas nas ruas, o MAS demonstrou mais uma vez ser um representante dos interesses da classe dominante.

Ao mesmo tempo, Morales e Luis Arce, o candidato presidencial pelo MAS, atacaram publicamente a demanda popular pela queda de Áñez como uma política que beneficiaria as forças direitistas.

A lei eleitoral elaborada na Assembleia Legislativa pelo MAS, Unidad Demócrata e Partido Demócrata Cristiano, e assinada no dia seguinte por Áñez, foi vista pelos trabalhadores e camponeses bolivianos como um acordo sujo. Isso se expressou claramente na resposta desesperada dos sindicatos e organizações sociais, tentando esconder sua cumplicidade na traição dos protestos de massas.

A COB e o Pacto de Unidad, que haviam anunciado no dia anterior que se as eleições fossem adiantadas em uma semana, para 11 de outubro, "imediatamente nos desmobilizaremos", fingiram surpresa com o acordo firmado pelo MAS "pelas nossas costas".

Nas palavras do secretário executivo da COB Juan Carlos Huarachi: “A COB e o Pacto de Unidad nunca traíram e jamais trairão seu povo. Hoje sofremos uma traição e isso o povo e os mobilizados têm que entender… Não podem confundir esta luta social com uma luta político eleitoral".

Eles não tiveram coragem de confrontar as bases e decretar a suspensão imediata dos bloqueios. Entretanto, naquela noite, a sede da COB em La Paz sofreu um atentado terrorista a bomba. Seis suspeitos foram presos pela polícia, alegadamente portando materiais explosivos. Não havia ninguém no local e os danos materiais foram aparentemente pequenos.

Na sexta-feira, 14, usando a justificativa de evitar ataques da extrema direita aos os manifestantes, Huarachi convocou uma "trégua temporária", convocando a desmobilização dos protestos. Ele buscou ainda disputar com Áñez o mérito pela "pacificação" do país, afirmando que, assim como durante o golpe de novembro de 2019, os "verdadeiros pacificadores" foram os líderes da COB.

Com essa afirmação, a liderança da COB exigiu o reconhecimento da classe dominante por seu papel em conter do movimento de massas e bloquear uma reposta política independente da classe trabalhadora.

A COB reconheceu a legitimidade do golpe contra Morales, dando uma cobertura civil à ação dos militares, e sabotou uma greve geral dos trabalhadores, que queriam resistir à ascensão do novo regime, abrindo assim o caminho ao poder às forças mais direitistas da burguesia boliviana apoiadas pelo imperialismo dos EUA.

Um papel semelhante foi cumprido pelo próprio MAS. Diante da exigência dos militares, Morales gentilmente abandonou a presidência e tentou abrir discussões com o regime do golpe mediadas pela Igreja Católica, União Europeia e ONU. Às massas, que resistiam nas ruas, o MAS pediu que "abandonassem suas posições" em nome de pacificar o país e buscar novas eleições, enquanto eram massacradas pelas tropas comandadas pelos líderes do golpe.

A traição mais recente do MAS e da COB aprofundou seu descrédito entre a classe trabalhadora, levando a uma manifestação massiva em sua ausência em El Alto na sexta-feira passada, acompanhada por outros movimentos camponeses e sindicatos que buscavam manter alguma legitimidade com as bases.

Os milhares de manifestantes presentes na assembleia anunciaram sua disposição de continuar a luta para derrubar Áñez. Até esta terça-feira, bloqueios isolados foram vistos em Cochabamba, desafiando sucessivas ordens de diferentes "autoridades" do movimento.

Em contraste à afirmação de Huarachi, abandonar as ruas não protegerá os trabalhadores dos ataques das forças de extrema direita, mas os deixará ainda mais vulneráveis a eles.

Um projeto de lei para proteger os líderes dos bloqueios de acusação criminal, apresentado nos últimos dias pela líder do MAS no congresso, Betty Yañiques, foi ridicularizado pelo conjunto dos partidos da burguesia, incluindo representantes do próprio MAS. A classe dominante não prepara a anistia, mas uma escalada da repressão.

Vinte e três pessoas detidas durante os protestos se encontram em prisão preventiva, sendo investigadas por sedição, levante armado e terrorismo. Segundo o vice-ministro do Interior, Javier Issa, o Ministério Público convocará muitas mais pessoas e o número de presos aumentará.

O governo pretende processar essas pessoas, assim como a própria liderança da COB e do MAS, incluindo Morales e Arce, pelas mortes de cerca de 40 pacientes de COVID-19, alegadamente provocadas pela falta de oxigênio nos hospitais causada pelos bloqueios.

Ao mesmo tempo, Issa declarou que a "época de tranquilidade" inaugurada pelo levante dos bloqueios servirá para implementar uma reativação econômica e "recuperar o dano que estas medidas provocaram". Essa reativação inclui planos de flexibilização das leis trabalhistas e demissões em massa, ao mesmo tempo que ameaça agravar a crise da COVID-19.

De acordo com os dados oficiais, há mais de 100.000 casos e 4.000 mortes no país. Dada a imensa pobreza da Bolívia, o estado deplorável de seu sistema de saúde e um dos mais baixos índices de testagem na América Latina, os números reais são indubitavelmente muito maiores.

A explosão de novos conflitos sociais na Bolívia no próximo período é inevitável. O sucesso dos trabalhadores bolivianos depende de sua mobilização como força política independente, abertamente hostil aos sindicatos e organizações que buscam subordiná-los à burguesia e impor uma agenda nacionalista sobre seu movimento. Eles encontrarão um poderoso apoio nos seus companheiros trabalhadores da América Latina e de todo o mundo, que estão entrando em luta direta contra o capitalismo.

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