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Em discurso fascistoide no 7 de setembro, Dia da Independência, Bolsonaro condena “greves” e “desordem social”

Publicado originalmente em 14 de setembro de 2020

No dia 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, o presidente fascistoide do país, Jair Bolsonaro, proferiu um discurso de extrema-direita centrado em uma identidade nacional brasileira que ele definiu como baseada no "temor a Deus", no "respeito pela família" e em uma luta pela "liberdade" e contra o "comunismo".

Em seu pronunciamento de dois minutos e meio proferido em uma transmissão nacional de TV e rádio no horário nobre, Bolsonaro não fez qualquer menção ao desastre social causado pela resposta criminosa à pandemia da COVID-19 por seu governo e pela classe dominante brasileira como um todo.

Em vez disso, ele apresentou uma curta e distorcida história do Brasil na qual "o sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade.”

O breve ppronunciamento começou ressuscitando velhas teorias sobre a "harmonia racial" no Brasil, segundo as quais “a identidade nacional começou a ser desenhada com a miscigenação entre índios, brancos e negros.” Estas concepções têm sido usadas historicamente para impor a "unidade nacional", negar a desigualdade social e retratar movimentos que se opõem a ela como agentes de "ingerência estrangeira".

Bolsonaro passa em revista soldados da Marinha no Rio de Janeiro (crédito: Agência Brasil)

Bolsonaro então traçou uma linha direta desde a independência em 1822 até a afirmação delirante de que o Brasil havia vencido "invasões" no século XIX - que na verdade foi dominado por guerras civis. Ele então saltou para a participação dos militares brasileiros na Segunda Guerra Mundial "para ajudar o mundo a derrotar o nazismo e o fascismo" e, finalmente, para seu tema principal, o golpe de 1964, apoiado pelos EUA, contra o presidente nacionalista burguês João Goulart.

Bolsonaro afirmou que "nos anos 60, quando a sombra do comunismo nos ameaçou, milhões de brasileiros, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, foram às ruas contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada.

Ele concluiu retratando sua própria administração como a continuação desta história, afirmando: “Vencemos ontem, estamos vencendo hoje e venceremos sempre.”

O elogio aberto ao sangrento golpe de 1964, que estabeleceu uma ditadura de 21 anos e iniciou uma série de golpes militares apoiados pelos EUA em toda a América do Sul, como um movimento cumprindo o desejo de "milhões" em um momento de "desordem social" e "greves", não é apenas uma falsificação histórica, mas uma grave ameaça.

Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que passou toda sua carreira de 28 anos como um deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro elogiando os atos mais cruéis de repressão militar do regime, está obcecado com a possibilidade de "desordem social" irromper no Brasil desde o primeiro dia de sua administração.

Suas ameaças de golpe são geralmente minimizadas por autoridades no Congresso, no Supremo Tribunal Federal (STF), nos governos estaduais e na imprensa como delirantes e inconsequentes. Esta foi a resposta do establishment político em abril, após Bolsonaro ter participado de um ato fascista em frente ao Quartel General do Exército na capital Brasília que exigia o banimento da oposição à sua grosseira negligência da pandemia da COVID-19. Tal postura deles foi resumida pelo jornal conservador Estado de S. Paulo, que declarou em editorial: "É reconfortante, no entanto, observar que, desta vez, integrantes de todas as instituições da República se manifestaram com firmeza contra mais essa afronta de Bolsonaro e de seus seguidores à democracia."

Apenas três dias após o discurso fascista de Bolsonaro no Dia da Independência, o então presidente do STF, que deixaria o cargo pouco depois, o ministro Dias Toffoli, declarou: “de todo o relacionamento que tive com o presidente Jair Bolsonaro e com seus ministros de estado, nunca vi diretamente da parte deles nenhuma atitude contra a democracia." Esta declaração foi dada ao mesmo tempo em que o STF julga casos que ligam Bolsonaro à organização das manifestações de extrema-direita das quais o presidente participa regularmente, e enquanto o Ministério da Justiça mantém uma lista de funcionários públicos considerados “antifascistas”, em sua maioria policiais, que são vistos como não sendo suficientemente confiáveis para aderir ao esforço de Bolsonaro para construir uma base de extrema-direita no interior das forças policiais - virtualmente estabelecendo os membros da lista como alvos para seus apoiadores.

As ameaças de Bolsonaro e suas referências abertas à legitimidade de uma tomada de poder pelos militares não decorrem de sua personalidade psicótica, por mais mais real que seja esse fator, mas das exigências mais amplas do capitalismo brasileiro, cuja crise foi enormemente aprofundada pelo impacto mundial da pandemia da COVID-19. Assim como com Donald Trump nos Estados Unidos e outros líderes mundiais fascistoides, Bolsonaro não é a causa, mas o produto de uma ampla guinada em direção ao autoritarismo diante da crise mais profunda do capitalismo desde os anos 30.

O foco particular de seu discurso no papel das "greves" na situação no Brasil em 1964, que se caracterizava acima de tudo por uma ampla ofensiva da classe trabalhadora, a qual os militares temiam que saísse do controle do reformista burguês Goulart, é significativo. Não é apenas um ponto de vista histórico de direita, mas uma resposta direta à erupção da oposição da classe trabalhadora às políticas homicidas da burguesia brasileira e mundial em relação à pandemia da COVID-19 e ao uso que fizeram da crise para fazer avançar seus interesses com resgates financeiros, medidas de austeridade e cortes salariais.

Esta reação já está sendo vista em todo o Brasil, onde os trabalhadores automobilísticos começaram a lutar contra a destruição de empregos, professores e pais estão se opondo a uma campanha homicida de volta às aulas e os trabalhadores dos Correios estão entrando na quarta semana de uma greve militante contra a destruição dos salários e das condições de trabalho.

Além disso, a indignação diante da indiferença absoluta da classe dominante perante as mais de 130.000 mortes e mais de 4,3 milhões de casos de COVID-19 é acompanhada pelo aumento da raiva popular em relação ao empobrecimento em massa e ao aumento da inflação, no momento em que o governo corta pela metade o chamado “auxílio emergencial”

a 67 milhões de trabalhadores pobres, informais e desempregados, para 300 reais (US$50) mensais.

Apenas dois dias após o discurso de Bolsonaro, foi relatado que em várias cidades os mercados estavam limitando as vendas de produtos básicos, como arroz, leite e óleo de cozinha. Os preços destas mercadorias subiram quase 20% desde o início do ano devido à anárquica busca por lucro por parte dos grandes produtores capitalistas, que estavam exportando sua produção em meio a uma queda recorde no valor da moeda nacional, o real.

O corte para o auxílio emergencial está agora sendo combinado com um grande aumento nos números oficiais de desemprego, antes escondidos pelo fato de muitos trabalhadores terem abandonado a força de trabalho para cuidar de suas famílias em meio à propagação descontrolada da COVID-19.

Esta situação socialmente explosiva está aproximando a classe dominante brasileira de um grande confronto com a classe trabalhadora, e ela está se preparando de acordo. As ameaças de Bolsonaro espelham de perto a resposta aterrorizada à oposição em massa da classe trabalhadora nos Estados Unidos por parte da administração Trump, com a qual Bolsonaro tem trabalhado em estreita coordenação em muitas questões geopolíticas.

Sua condenação da "radicalização ideológica", geralmente ridicularizada por comentaristas políticos como "loucura dos tempos da Guerra Fria" e considerada sem consequências, é uma imitação das denúncias do próprio Trump aos prefeitos democratas, e até mesmo experiente defensor dos capitalistas Joe Biden como "esquerdistas radicais". Estas denúncias são dirigidas não aos direitistas no Congresso brasileiro ou nos sindicatos, mas à oposição da classe trabalhadora, que o governo já denunciou como "terrorista" quando manifestações irromperam em junho, em meio à onda mundial de oposição à violência policial e à desigualdade decorrente do assassinato de George Floyd.

Os preparativos para a repressão envolvem muitos outros atores políticos além de Bolsonaro e seu círculo mais próximo. Isto foi exposto pela grave censura imposta pelos tribunais do Rio de Janeiro contra o grupo de mídia mais poderoso do Brasil, o conglomerado Globo. A Globo foi proibida de publicar material que havia obtido sobre a investigação do envolvimento do filho de Bolsonaro, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, em um esquema de lavagem de dinheiro. O caso vincula a família Bolsonaro à quadrilha conhecida como "Escritório do Crime", uma das odiadas "milícias" do Rio, que aterrorizam áreas habitadas pela classe trabalhadora da cidade e de sua periferia. A Globo alegou que o Ministério Público do Rio de Janeiro estava se preparando para acusar formalmente Flávio e se encaminhando para uma acusação contra o próprio Bolsonaro.

As acusações de corrupção contra Bolsonaro têm sido vistas como um meio "barato" para retirá-lo do cargo sem envolver a votação formal de um impeachment, que a oposição liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) considera "muito custosa" politicamente. Ao mesmo tempo, o ato de censura que acompanhou o agravamento da crise social brasileira indica que setores significativos da classe dominante podem considerar que tais acusações de corrupção também são "muito custosas", pois podem não ser capazes de remover Bolsonaro sem desestabilizar ainda mais todo o capitalismo brasileiro.

Nestas condições, a tarefa mais urgente dos trabalhadores brasileiros é se libertar da camisa de força política imposta pela oposição oficial a Bolsonaro, liderada pelo PT e seus apoiadores pseudo-esquerdistas no PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Eles estão trabalhando para subordinar o movimento crescente da classe trabalhadora à estabilidade do Estado capitalista, em última instância colaborando com a classe dominante no fortalecimento das forças repressivas.

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