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Resultados da eleição de 2020 nos EUA explodem narrativa da política de identidade

Publicado originalmente em 6 de novembro de 2020

Um exame inicial dos números da eleição presidencial de 2020 expõe como falsa a narrativa racialista da política americana que é implacavelmente promovida pelo Partido Democrata. Vários aspectos dos números das eleições são particularmente significativos para mostrar a predominância de fatores socioeconômicos no resultado final.

Uma comparação dos resultados das eleições de 2016 e 2020 mostra que o principal fator que transformou a eleição foi o impacto da pandemia e da crise econômica em uma seção substancial da classe trabalhadora branca que votou em Biden.

Houve um aumento substancial na participação da classe trabalhadora na eleição, bem como de seções da classe média baixa duramente atingidas pela pandemia do coronavírus. Isto ajudou Biden a ampliar a vantagem de sua vitória no voto popular, que deve aumentar para uma diferença estimada em seis ou sete milhões de votos – o dobro da diferença pela qual Clinton venceu Trump em 2016. Mais de 66% dos eleitores votaram este ano, a maior taxa de comparecimento desde 1900, antes das mulheres terem o direito de votar. A participação não havia atingido 60% desde 1968, quando foi de 60,7%.

Houve um aumento acentuado de votos contra Trump entre homens, homens brancos e pessoas brancas sem ensino superior. Em estados que foram dizimados pela pandemia do coronavírus – incluindo Wisconsin, Michigan e Arizona – essa mudança entre os homens brancos foi responsável pela virada de Biden.

Estima-se que Biden recebeu 8,6 milhões de votos de homens (de todas as raças) a mais do que Hillary Clinton em 2016, enquanto o voto em Trump entre os homens aumentou por volta de 2,2 milhões em relação a 2016. Entre todos os eleitores brancos, Trump obteve 57% dos votos, o mesmo que em 2016. Biden, entretanto, obteve 42% dos votos de eleitores brancos, um aumento em relação aos 37% obtidos por Clinton em 2016. No total, estima-se que 6,4 milhões de pessoas brancas a mais votaram nos Democratas em 2020 do que em 2016.

Votos por gênero na eleição de 2020 nos EUA

Entre os homens brancos, Trump sofreu uma ligeira redução na votação em 2020, recebendo por volta de 28,77 milhões de votos em 2020, em comparação com 28,83 milhões em 2016, apesar do aumento geral da participação de homens brancos. Enquanto Biden ainda não recebeu a maioria dos votos desse segmento em geral, ele obteve por volta de 5,4 milhões de votos de homens brancos a mais do que Clinton recebeu em 2016.

Votos por gênero e raça na eleição de 2020 nos EUA

Em 2020, tanto Trump como Biden aumentaram seus votos de pessoas brancas sem ensino superior. Enquanto Trump foi apoiado por volta de 3,1 milhões a mais de eleitores em 2020 do que em 2016, Biden recebeu cerca de cinco milhões a mais do que Clinton obteve. Em outras palavras, Biden ganhou os votos de “novos” eleitores nesse segmento por uma diferença de 60-40. A porcentagem de votos em Trump caiu ligeiramente em relação a 2016, enquanto a porcentagem dos votos para os Democratas aumentou de 29% para 35%.

Os resultados de 2020 também mostram uma mudança contra Trump na classe trabalhadora.

Houve em torno de 23 milhões de votos a mais para Biden ou Trump de eleitores com renda familiar abaixo de US$ 100.000 do que para Clinton ou Trump em 2016. Entre os trabalhadores com renda familiar inferior a US$ 50.000, Trump obteve cerca de 2,1 milhões de votos a mais do que em 2016, mas Biden obteve 4,9 milhões a mais do que Clinton. Isso aumentou a porcentagem de votos nos Democratas de 53% em 2016 para 57% em 2020.

O apoio a Trump aumentou significativamente entre a população mais rica. Em 2016, Clinton e Trump empataram entre aqueles com renda familiar acima de US$ 100.000, com cada um recebendo por volta de 21,8 milhões de votos. Mas, em 2020, milhões de pessoas abastadas passaram a apoiar Trump. Os eleitores mais ricos apoiaram Trump porque sua política de “imunidade de rebanho” alimentou o crescente mercado de ações e enriqueceu essa parcela da população.

Mas como porcentagem do eleitorado, os eleitores com renda familiar acima de US$ 100.000 diminuíram substancialmente, passando de 34% para 28%, uma diminuição estimada de 3 milhões de votos de 2016 para 2020.

Isso não aconteceu pela diminuição da participação dos ricos, cuja participação nas eleições é sempre maior. Essa mudança reflete principalmente a deterioração da posição econômica de seções substanciais da classe trabalhadora e da classe média baixa, que tinham renda familiar acima de US$ 100.000 em 2016 e passaram a ter renda familiar entre US$ 50.000 e US$ 100.000 em 2020. Esta camada, seriamente afetada pelo desemprego em massa causado pela pandemia, representa agora 38% do eleitorado, um número que era de 30% em 2016.

Entre os “novos” eleitores da faixa de renda familiar de US$ 50.000 a US$ 100.000 (ou seja, aqueles que ganhavam mais de US$ 100.000 em 2016 ou não votaram em nenhum dos dois principais partidos em 2016), 14,1 milhões deles votaram em Biden e 5,2 milhões em Trump. Enquanto Trump ganhou nessa faixa de renda por 49% a 46% em 2016, Biden ganhou em 2020 por 56% a 43%.

Votos por faixa de renda na eleição de 2020 nos EUA

Particularmente significativo é o fato de que o apoio a Trump aumentou substancialmente entre as mulheres, os ricos e os setores mais ricos da população negra, latina, de ascendência asiática e LGBT.

A porcentagem de homens negros que votou em Trump aumentou de 13% em 2016 para 18% em 2020, o que representa um aumento de aproximadamente 500.000 votos no total. O voto nos Democratas entre homens negros aumentou apenas cerca de 600.000, o que significa que Trump e os Democratas dividiram todos os “novos” votos de homens negros quase pela metade.

Entre as mulheres negras, Trump mais do que dobrou tanto seu total de votos quanto sua porcentagem de votos. Ele obteve apenas 4% dos votos das mulheres negras em 2016, um total de cerca de 383.000 votos. Em 2020, Trump conquistou 8% dos votos de mulheres negras, ou 868.000 votos. Esses resultados são sem precedentes.

Embora as pesquisas de boca de urna não dividam o voto negro por faixa de renda, elas dividem o voto global “não branco” por escolaridade, que é a divisão mais próxima para renda disponível. Em relação a 2016, Trump obteve 1,5 milhão a mais de votos entre os “não brancos” com ensino superior, geralmente os mais ricos – um total de 5,4 milhões de votos. Ele aumentou sua porcentagem na votação desse segmento de 22% em 2016 para 27% em 2020.

Votos por escolaridade na eleição de 2020 nos EUA

Os números entre os eleitores latinos são semelhantes aos dos negros e dos eleitores de ascendência asiática. Entre os eleitores LGBT, Trump triplicou seu voto total e dobrou a porcentagem de votos. Em 2016, Trump obteve cerca de 950.000 votos de pessoas LGBT – 14% do total, em comparação a 77% para os Democratas. Em 2020, Trump obteve cerca de 3 milhões de votos, ou 28% do total, em comparação a 61% para os Democratas.

Embora não tenha havido um aumento na participação de jovens eleitores (de 18 a 29 anos), Trump perdeu 600.000 votos dessa parcela da população em relação a 2016, enquanto os Democratas receberam quase dois milhões a mais de votos. Os jovens representaram uma porcentagem menor do eleitorado este ano do que em 2016, mas a virada contra Trump foi muito significativa.

O desmoronamento da narrativa racialista enfurece aqueles que assumem a responsabilidade profissional de promover divisões raciais, alegando que os Estados Unidos se fundamentam na “supremacia branca” e que Trump é o representante natural dos homens brancos. A manutenção da narrativa racialista é fundamental para os interesses sociais das camadas privilegiadas da classe média alta que a utilizam para promover seus próprios interesses.

Charles Blow, do New York Times, escreveu um artigo na quarta-feira apontando algumas das mudanças nos votos de americanos negros mostradas acima, mas concluiu que apenas reforçam “o poder do patriarcado branco” e sua capacidade de “atravessar gênero e orientação sexual e até mesmo raça”. Ou seja, Blow absurdamente afirma que uma parcela crescente de americanos negros (mais ricos) e outras minorias votaram a favor de Trump a fim de manter a supremacia branca.

Os fatores dominantes que influenciam as mudanças nos padrões de votação são de caráter socioeconômico, mas isto não significa automaticamente que os trabalhadores estejam conscientes de seus interesses independentes de classe. Os trabalhadores estão sujeitos a todos os tipos de influências e manipulações, incluindo aqueles que votam em Trump, que de sua maneira nociva procura apelar para as incertezas econômicas e capitalizar a hostilidade ao Partido Democrata, que é tanto quanto o Partido Republicano o partido dos resgates a bancos, da guerra e da desigualdade social.

O grande problema é que, dentro do sistema político existente, controlado por dois partidos capitalistas, não há expressão genuína dos interesses sociais e econômicos da grande maioria da população, a classe trabalhadora de todas as raças e gêneros.

A tarefa dos socialistas é desenvolver na classe trabalhadora uma genuína consciência de classe e construir um movimento político baseado nos interesses de classe comuns dos trabalhadores em oposição ao sistema capitalista.

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