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Perspectivas

Por trás do atraso no resultado das eleições nos EUA

Publicado originalmente em 7 de novembro de 2020

Não há nenhuma razão legítima para a continuação do atraso no anúncio do resultado das eleições de 2020 e da vitória do candidato do Partido Democrata, Joe Biden.

Biden possui uma vantagem de mais de quatro milhões no voto popular, e está a caminho de ganhar no Colégio Eleitoral por uma larga margem. Na Pensilvânia, Biden lidera atualmente com uma margem de mais de 28 mil votos, e a sua liderança está se ampliando constantemente à medida que mais votações por correios de áreas predominantemente democratas do estado são contadas. Somente a vitória nesse estado lhe daria os votos necessários no Colégio Eleitoral.

No entanto, nenhuma das maiores redes de notícias declarou a vitória de Biden. Apesar de dizer em um discurso ontem à noite que "os números contam uma história clara", Biden também não declarou a vitória. Enquanto isso, Trump, mesmo tendo claramente perdido, declarou-se vencedor.

Candidato à presidência democrata Joe Biden discursa em 5 de novembro de 2020 em Wilmington, Delaware com Kamala Harris [Crédito: AP Photo/Carolyn Kaster]

A Vox foi a única publicação que declarou a vitória de Biden na Pensilvânia e a sua vitória nas eleições, e a sua explicação expõe claramente as razões para isso, disponíveis para todas as outras publicações. Drew McCoy, presidente da parceria com a Vox para as eleições, o Decision Desk, explicou na sexta-feira de manhã: "A corrida terminou, até onde nos cabe anunciar, devido ao total de votos na Filadélfia". Ele acrescentou: "Tornou-se bastante óbvio que, à medida que os votos restantes em todo o estado e na Filadélfia forem contados, a vantagem de Biden continuará a crescer". McCoy disse que, quando o último voto for feito, Biden terá ganhado o estado por uma margem "provavelmente no intervalo de 1 a 2%", muito acima dos níveis que exigiriam uma recontagem.

O atraso no anúncio dos resultados eleitorais é uma decisão política calculada, que só irá beneficiar a extrema-direita. Existem atualmente intensas discussões nos bastidores sobre como resolver a crise política sem precedentes nos Estados Unidos e sobre a composição de qualquer futura administração Biden, com os republicanos extraindo concessões em termos de gabinetes.

Enquanto isso, Trump está intensificando as suas próprias conspirações para se manter no poder. Ele disse à sua equipe de campanha na sexta-feira que se recusará a ceder as eleições, independentemente do resultado da votação. O seu objetivo é criar uma narrativa de ter sido enganado, que criará as melhores condições para o desenvolvimento de um movimento fascista, quer ele seja ou não presidente.

A campanha de Trump entrou com processos nos estados de Michigan e da Pensilvânia para anular votos, está buscando uma recontagem no Wisconsin e planeja levar o seu caso à Suprema Corte, que inclui agora a mais recente escolha de Trump, Amy Coney Barrett. Trump escolheu o conspirador político de longa data, David Bossie para liderar a sua batalha legal. Bossie serviu como investigador principal do comitê da Câmara de Deputados dos EUA que investigou o caso Whitewater durante a administração Clinton.

Trump e seus aliados estão utilizando a linguagem da guerra civil. Na quinta-feira, o auxiliar de longa data de Trump, Stephen Bannon, pediu que as cabeças do diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, Anthony Fauci, e do diretor do FBI, Christopher Wray, fossem colocadas em estacas e expostas do lado de fora da Casa Branca “como um aviso”.

Se a situação fosse invertida, sem dúvida os republicanos já teriam declarado a vitória e os democratas teriam concedido. Em 2000, os democratas capitularam após a intervenção da Suprema Corte decidir pela vitória eleitoral de George W. Bush ao interromper a recontagem na Flórida, onde Bush possuía uma vantagem de apenas 537 votos. No seu discurso de concessão, Gore chamou todos os americanos “a se unir sob o nosso próximo presidente” antes de desaparecer da cena política.

Nas eleições de 2016, Clinton concedeu a vitória a Trump no início da manhã após o dia das eleições. No momento da concessão, as maiores redes de televisão não haviam sequer declarado os resultados nos estados mais disputados da Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. Em última instância, a maioria de Trump nesses estados era extremamente pequena – 10 mil votos em Michigan, 20 mil em Wisconsin e menos de 40 mil na Pensilvânia.

Agora, enquanto Trump intensifica a sua conspiração para permanecer no cargo, os democratas estão capitulando, enquanto fazem declarações vazias sobre "paciência" e a necessidade de "baixar a temperatura" e "manter a fé".

Nas suas breves observações de sexta-feira, Biden não fez qualquer referência a Trump ou às suas conspirações. Ele repetiu novamente a sua afirmação de que "podemos ser adversários, mas não somos inimigos" e que a sua responsabilidade "será a de representar toda a nação". No contexto da política burguesa, isso significa um governo que será na prática de unidade nacional com os republicanos. Biden tem uma relação próxima com o líder da maioria do Senado republicano Mitch McConnell, com quem teve discussões ontem à tarde.

Outra figura nas negociações de bastidores é o Presidente do Comitê Judiciário do Senado, Lindsey Graham. Na sexta-feira de manhã, Graham declarou o seu apoio aos esforços de Trump para roubar as eleições, doando pessoalmente 500 mil dólares à campanha legal para anular a votação na Pensilvânia, Michigan e Nevada.

Mais tarde no mesmo dia, Graham disse que trabalharia com uma administração Biden, dentro de certas condições. "Quando se trata de encontrar um terreno comum, eu farei isso", disse Graham aos repórteres. "A vice-presidente merece um gabinete. Vou dar-lhe a minha opinião sobre em quem eu poderia votar para secretário de Estado, procurador-geral..." Em outras palavras, os republicanos exigem poder de veto sobre a composição de uma futura administração Biden.

A resposta dos Democratas à crise pós-eleitoral está de acordo com todo o panorama da sua oposição a Trump ao longo dos últimos quatro anos. Após a declaração de Obama de que as eleições de 2016 seriam uma disputa entre dois lados de uma só equipe, os democratas trabalharam com Trump em todos os elementos essenciais da política doméstica. Trabalharam para subordinar a enorme oposição popular a Trump à campanha de poderosas frações das agências militares e de inteligência contra a Rússia.

Durante a campanha eleitoral, os democratas fizeram tudo o que puderam para encobrir os planos de Trump para um golpe de Estado e a sua incitação da violência fascista, mesmo quando isso envolveu esforços para derrubar estados governados pelo Partido Democrata e executar governadores democratas.

A resposta dos democratas é determinada pelos interesses de classe que representam. Os democratas são um partido de Wall Street e dos militares. O seu maior medo é fazer ou dizer qualquer coisa que encoraje a revolta popular. O conflito no seio da classe dominante deve ser resolvido à portas fechadas e sobre a base mais direitista possível.

O Partido Democrata sob uma futura administração Biden estará completamente focado em atacar a esquerda. Apenas dias após as eleições, os democratas já estão promovendo a idéia de que a vitória nas eleições presidenciais foi por pouco e que perderam espaço na Câmara dos Deputados porque foram vistos como excessivamente de esquerda.

A deputada Abigail Spanberger, uma das principais democratas da CIA, denunciou agressivamente o socialismo em uma reunião envolvendo deputados democratas na quarta-feira. "Nunca mais precisamos utilizar as palavras socialista ou socialismo”, declarou ela. "Isso é importante, e perdemos bons membros por causa disso". Spanberger insistiu que os democratas tinham que "retornar ao básico", o que significa que eles precisam se concentrar nas questões que preocupam os militares e as agências de inteligência.

Qualquer legislação proposta pelos Democratas sob uma administração Biden terá que ser autorizada pelos Republicanos. O Politico noticiou na sexta-feira: "O resultado ainda incerto das eleições está forçando uma reavaliação completa de quais políticas e quais membros de gabinete conseguirão obter o apoio republicano necessário. Os democratas preocupam-se que não serão capazes de alcançar objetivos gerais como uma reforma abrangente em imigração, direitos de voto, e ações para as mudanças climáticas – e objetivos ainda mais imediatos, como a aprovação de um pacote multitrilionário de ajuda para o coronavírus, exigirão mais concessões do que muitos no partido queriam".

Em outras palavras, uma administração Biden será um governo de brutal austeridade. Isto não é surpreendente. Essa tem sido a intenção dos Democratas do início ao fim. Ao longo da campanha, os democratas não ofereceram qualquer programa para lidar com a pandemia do coronavírus, ou com a enorme crise social produzida pelas políticas da classe dominante.

Durante a campanha eleitoral, houveram muitas declarações de grupos de pseudo-esquerda em torno do Partido Democrata de que uma vitória de Biden criaria "espaço" para a implementação de reformas sociais. Biden ainda nem sequer foi anunciado o vencedor, e essas afirmações já estão sendo expostas como uma fraude política.

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