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Perspectivas

A lei contra o “separatismo” na França: Um ataque frontal aos direitos democráticos

Publicado originalmente em 16 de fevereiro de 2021

A lei contra o “separatismo”, que será votada hoje na Assembleia Nacional da França, promove uma mudança drástica e autoritária no regime político do país. Seus 51 artigos rasgam os direitos democráticos estabelecidos há mais de um século.

Apenas semanas após a tentativa de golpe de Donald Trump em Washington, o ataque frontal aos direitos democráticos na França deve ser tomado como um alerta pelos trabalhadores de todo o mundo. Diante da crescente oposição popular ao capitalismo e da raiva de trabalhadores e jovens por causa da política de saúde assassina que levou a dois milhões de mortes por COVID-19, a aristocracia financeira está caminhando para a ditadura.

Um policial olha para os manifestantes durante um protesto contra a proposta de lei de segurança em Paris, sábado, 16 de janeiro de 2021. (AP Photo/Christophe Ena)

O governo do presidente francês Emmanuel Macron propôs sua lei como uma arma para erradicar o apoio “separatista” ao islamismo e ao terrorismo e para impor lealdade ao Estado e suas proibições direitistas aos lenços de cabeça muçulmanos. Reescrevendo – na verdade, rasgando – a lei secularista de 1905 que estabeleceu a separação da igreja e do Estado, a lei contra o “separatismo” concede ao Estado um vasto controle sobre a organização e o financiamento de instituições religiosas e poderes arbitrários para fechar locais de culto. Em toda a França, nove mesquitas já foram fechadas e o mesmo pode acontecer com outras 76.

Com essa ameaça, Macron já impôs ao Conselho do Culto Muçulmano da França uma nova e humilhante carta de princípios, obrigando os muçulmanos a obedecer à “coesão nacional” e à “ordem pública”. Isso efetivamente define os muçulmanos como uma categoria separada de cidadãos sujeitos a um juramento de lealdade. É impossível não lembrar que no século XX, regimes fascistas incitaram ódios antissemitas para dividir a classe trabalhadora e impor políticas assassinas.

Seria um erro, além disso, considerar essa lei um ataque aos direitos somente dos muçulmanos ou de outros fiéis. O artigo 8 impõe o princípio fascista de que as associações – isto é, organizações como instituições de caridade, grupos comunitários e partidos políticos, instituídas nos termos de uma lei de 1901 – são coletivamente responsáveis pelas ações de cada um de seus membros individuais.

Isso abre o caminho para proibições arbitrárias de organizações culturais e políticas. A polícia poderia citar qualquer transgressão cometida por um membro de uma associação para considerar toda a associação criminosa, proibi-la e potencialmente processar seus membros. É um ataque a toda a classe trabalhadora.

Como está acontecendo em toda a Europa e ao redor do mundo, a classe dominante está cultivando forças fascistas. O Ministro do Interior Gérald Darmanin, de 38 anos, que supervisionou a elaboração da lei, não esconde suas simpatias fascistas. Perguntado se a lei poderia ser usada para proibir partidos, Darmanin respondeu que não processaria o partido de extrema-direita Action française (AF), mesmo que procure derrubar a República e substituí-la por uma monarquia absolutista, como antes da Revolução Francesa de 1789. Os membros da AF confirmaram mais tarde que Darmanin estava ativo em seu partido em 2008, juntando-se mais tarde ao partido Os Republicanos e depois ao partido de Macron, A República em Marcha.

As leis de 1901 e 1905 agora atacadas por Macron foram estabelecidas em uma luta contra a Action française – os mais implacáveis defensores intelectuais do antisemitismo político, do monarquismo e, finalmente, do anticomunismo e do fascismo na França.

A Action française foi fundada em 1898 para manter o capitão judeu Alfred Dreyfus na prisão após ter sido denunciado pelo Exército, apoiado pela Igreja, e condenado injustamente em 1894. O movimento socialista, liderado por Jean Jaurès, desempenhou o papel principal na luta que provou a inocência de Dreyfus. A derrota devastadora da Action française no caso Dreyfus preparou a aprovação das leis de 1901 e 1905, garantindo a liberdade de associação e a liberdade de religião.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Action française foi a base política do regime colaboracionista dos nazistas de Vichy. O líder da Action française, Charles Maurras, saudou a chegada ao poder do ditador colaboracionista Philippe Pétain, em 1940, como uma “surpresa divina”. Após a guerra, quando Pétain e Maurras foram condenados por traição, Maurras comentou amargamente que foi “a vingança de Dreyfus”.

Com a lei contra o “separatismo”, o governo Macron está elaborando a vingança de Maurras. Macron refutou suas pretensões durante as eleições de 2017 – que seria uma alternativa “democrática” à candidata neofascista Marine Le Pen.

Em 2018, em meio aos enormes protestos dos “coletes amarelos” contra a desigualdade social, Macron saudou Pétain como um “grande soldado”. Agora, rejeitando o sentimento público em massa e os apelos da comunidade médica para um lockdown contra a COVID-19, o governo segue uma linha de extrema-direita. Na semana passada, em um debate na TV em horário nobre, Darmanin atacou Le Pen pela direita, dizendo que era “suave” contra o islamismo que deveria tomar “vitaminas”.

A virada para o autoritarismo está ligada à política homicida da classe dominante em resposta à pandemia do coronavírus. Como o WSWS explicou, a pandemia de COVID-19 é um evento desencadeador na história mundial. Para implementar sua política homicida, a classe dominante internacional está cultivando forças fascistas e se voltando para formas autoritárias de governo.

Em toda a Europa, processos parecidos estão em curso. Na Espanha, o Exército reagiu às greves do ano passado que forçaram a implementação de lockdowns planejando golpes e reabilitando o líder golpista fascista de 1936 e ditador Francisco Franco. Na Itália, o banqueiro Mario Draghi está formando um governo de “imunidade de rebanho”, incluindo tanto o partido de extrema-direita Liga quanto o ex-stalinista Partido Democrático. E a burguesia alemã está intensificando seus chamados para o rearmamento e suas campanhas para reabilitar os nazistas.

A força que historicamente foi mobilizada contra o fascismo, e que hoje deve ser mobilizada novamente, é a classe trabalhadora internacional, lutando com um programa socialista. Superar os ataques fascistas aos direitos democráticos fundamentais, impulsionados pelos interesses de lucro dos bancos, exige a construção de um movimento para transferir o poder à classe trabalhadora. Tal luta não pode ser deixada nas mãos das burocracias sindicais e de seus aliados políticos reacionários.

Na França, os partidos pseudoesquerdistas da classe média abastada, que apoiaram tacitamente Macron em 2017, apoiaram a política de “imunidade de rebanho” de Macron e a lei contra o “separatismo”. O stalinista Partido Comunista Francês e o partido A França Insubmissa (LFI), de Jean-Luc Mélenchon, que inicialmente chamaram a lei de “inútil e perigosa” e de “confusão de amálgamas” contra os muçulmanos, estão agora votando a favor de artigos da lei no parlamento. Ligados a Macron e financiados pelos resgates contra a pandemia da União Europeia, eles estão se movendo acentuadamente para a direita.

O histórico do governo Macron confirma a avaliação feita pela Parti de l’égalité socialiste (PES), a seção francesa do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), nas eleições de 2017. Diante de um segundo turno entre Macron e Le Pen, o PES fez um chamado para um boicote ativo às eleições, enfatizando que Macron não era uma alternativa a Le Pen e que um movimento politicamente independente teria que ser construído na classe trabalhadora contra qualquer candidato vencedor.

Contra as políticas de “imunidade de rebanho” e fascistas, o Parti de l’égalité socialiste luta para renovar na classe trabalhadora suas grandes tradições de luta socialista.

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