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Protestos em massa estouram no Paraguai contra gestão desastrosa da pandemia

Publicado originalmente em 10 de março de 2021

Com as mortes e os casos de COVID-19 atingindo níveis recordes no Paraguai, manifestações em massa explodiram pela segunda semana consecutiva por causa da resposta desastrosa à pandemia do governo do presidente fascistoide do país, Mario Abdo Benítez.

Os professores foram os primeiros a protestar na semana passada, com muitos recusando o retorno obrigatório às escolas na terça-feira, 2 de março. No dia seguinte, enfermeiros, médicos, pacientes e familiares se manifestaram em frente ao principal hospital para pacientes com COVID-19 na capital Assunção para protestar contra a falta de medicamentos, incluindo sedativos para intubação de pacientes, e vacinas, mesmo para os trabalhadores da linha de frente.

Enquanto o Paraguai enfrenta um enorme crescimento da pandemia que já levou à ocupação de todos os leitos de UTI de hospitais públicos, o país recebeu apenas 4.000 doses de vacina para uma população de 7 milhões de habitantes, e as autoridades não têm nenhuma estimativa de quando mais doses chegarão. O Paraguai já contabilizou quase 170.000 casos e 3.343 mortes.

Protesto de enfermeiros por suprimentos médicos (Foto: Twitter)

Em meio a essa situação explosiva, os protestos iniciados por professores e trabalhadores da saúde desencadearam enormes passeatas e bloqueios de estradas em todo o país. A hashtag #EstoyParaElMarzoParaguayo2021 foi amplamente utilizada para reunir manifestantes, referindo-se aos protestos de um mês do “Março Paraguaio” de 1999.

O ministro da Saúde Julio Mazzoleni renunciou na última quinta-feira em uma tentativa fracassada de evitar uma revolta ainda maior.

Na sexta-feira, na maior manifestação até agora, mais de dez mil pessoas inundaram as ruas de Assunção exigindo a saída do Presidente Abdo Benítez e de todo o governo do Partido Colorado, gritando: “Fora Marito!” e “Saiam todos!”.

O uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha pela polícia de choque desencadeou uma série de confrontos com jovens manifestantes. Um homem de 32 anos foi morto sob circunstâncias pouco claras, e outros 21 ficaram feridos na sexta-feira.

Manifestações e bloqueios de estradas foram particularmente grandes na segunda cidade mais populosa, Cidade do Leste, ao lado das Cataratas do Iguaçu, na fronteira com o Brasil e a Argentina.

Como a repressão continuou no sábado, Abdo Benítez anunciou a demissão de seu chefe de gabinete, Juan Ernesto Villamayor, da ministra da Mulher, Nilda Romero, e do ministro da Educação, Eduardo Petta. Manifestantes haviam atacado Petta, em particular, por causa da reabertura imprudente das escolas.

O novo ministro da Saúde, Julio Borba, disse ontem que o governo estava “considerando” uma suspensão de duas semanas das aulas presenciais – uma medida totalmente insuficiente. Especialistas médicos como Gloria Meza, presidente da principal associação paraguaia de médicos, insistem que somente um retorno a medidas rigorosas de lockdown pode conter o aumento de casos.

Os anúncios e a troca de ministros do governo pouco fizeram para apaziguar os protestos, que expressam uma intensificação mais ampla e internacional da luta de classes contra a política quase universal de colocar os lucros e a austeridade social acima das vidas durante a pandemia.

Ainda mais relevante, os manifestantes deixaram claro que sua raiva está sendo alimentada pelos níveis assombrosos de desigualdade social expostos pela crise.

Magui, uma manifestante paraguaia, explicou ao World Socialist Web Site que “tudo começou com uma passeata organizada nas redes sociais, devido à horrível gestão do presidente mesmo antes da pandemia. O sistema de saúde entrou em colapso há anos – não há leitos não há remédios, nós nos ajudamos mutuamente. Não há remédios para as pessoas.”

“Estamos cansados do Partido Colorado, cansados de ser governados por um filho da ditadura como [o Presidente Abdo Benítez]”, disse ela, referindo-se ao fato de que o pai de Abdo Benítez era o secretário pessoal do ditador fascista Alfredo Stroessner.

Magui acrescentou: “Espero que os protestos se espalhem. Acho que quase toda a América Latina está enfrentando a mesma situação. ... Creio que uma luta unificada teria um grande impacto.”

Os partidos de oposição em torno da Grande Aliança Nacional Renovada (GANAR), liderados pelo direitista Partido Liberal e pela pseudoesquerdista Frente Guasú do ex-presidente Fernando Lugo, têm até agora lutado para controlar a revolta.

Eles apresentaram propostas inúteis no Congresso para destituir Abdo Benítez, mas sem ter votos suficientes para prosseguir o processo de impeachment. O líder liberal Efraín Alegre fingiu apoiar os protestos e fez apelos demagógicos e vagos por um “novo modelo”, enquanto Fernando Lugo promoveu o impeachment ao declarar: “Não concordamos em mudar as pessoas, exigimos uma mudança do rosto do país”.

A pandemia tem mostrado, no entanto, que quaisquer que sejam as cores políticas, ou o suposto “modelo”, incluindo o dos vizinhos aliados peronistas de Lugo na Argentina, todos os governos capitalistas em toda a região e fora dela têm avançado fundamentalmente a mesma resposta de reaberturas imprudentes a mando das oligarquias financeiras.

O que é mais importante para Abdo Benítez é o apoio de Washington. Em uma carta de 1º de março, o Presidente americano Joe Biden agradeceu o Presidente paraguaio por felicitá-lo por sua eleição, acrescentando: “Agradeço o engajamento de seu governo em questões de segurança e coordenação com parceiros regionais”. Posteriormente, a Casa Branca permaneceu em silêncio sobre a repressão aos protestos pacíficos das autoridades paraguaias.

A resposta desastrosa de Abdo Benítez à pandemia

No final de março de 2020, Abdo Benítez implementou um lockdown rigoroso, incluindo o toque de recolher noturno e o fechamento de serviços não essenciais. O diretor geral dos Serviços de Saúde, Juan Carlos Portillo, explicou mais tarde: “Estávamos conscientes de que nosso sistema de saúde é frágil”.

No entanto, já em 4 de maio, um “isolamento inteligente” foi implementado para eliminar gradualmente as restrições. Mesmo até 15 de junho, quando restaurantes e bares abriram, apenas 13 mortes por coronavírus haviam sido registradas. No final de julho, foram permitidos a abertura de cinemas, igrejas e outras atividades culturais, e as restrições restantes foram eliminadas até o início de outubro. Ao contrário da maioria da região, as escolas foram autorizadas a reabrir de maneira “voluntária”. Previsivelmente, casos e mortes tiveram um grande aumento a partir de julho, que continua até hoje.

Durante 2020, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe da ONU, o limitado auxílio emergencial para trabalhadores não essenciais e desempregados ficarem em casa foi, em média, de apenas 34% do valor considerado a linha de pobreza. Em um país onde um quinto das famílias vive sob a pobreza oficial e 60% dos trabalhadores dependem do setor informal sem proteção, o limitado auxílio emergencial obrigou os trabalhadores a voltar ao trabalho o mais rápido possível para evitar a miséria total. O FMI estima que o PIB do Paraguai caiu 1% em 2020, muito menos do que o dos países vizinhos.

Enquanto a maioria dos países da região viu os casos diários caírem no final de fevereiro, após um surto de férias, o Brasil e o Paraguai continuam registrando um recorde após o outro. No último mês, a média móvel de sete dias do Paraguai saltou de 700 para 1.345 casos diários, e de 16 para 21 mortes diárias.

A evolução da pandemia no Brasil e no Paraguai constitui um grave alerta para o mundo. Especialistas sugerem que o surto é resultado da propagação das variantes mais infecciosas do Brasil depois que milhares de pessoas viajaram para lá nas férias; no entanto, isso não foi confirmado devido à ausência de sequenciamento genético do vírus.

O Partido Colorado tem governado o Paraguai quase ininterruptamente desde que a ditadura de Higinio Morínigo Martínez chegou ao poder em 1940. O ditador apoiou os nazistas até sua derrota na Segunda Guerra Mundial, e depois rapidamente mudou sua lealdade ao imperialismo americano, aceitando alguns meses de liberdades democráticas.

Manifestantes no centro de Assunção, em 6 de março (Foto: Twitter)

Em 1947, os Colorados venceram uma sangrenta guerra civil contra soldados, trabalhadores e jovens revoltosos que o stalinista Partido Comunista ajudou a subordinar a uma aliança de frente popular liderada pelo oligárquico Partido Liberal e pelos Febreristas, que acabavam de deixar o regime de Morínigo. Os Colorados receberam apoio militar do governo Truman nos EUA e do governo de Juan Domingo Perón na Argentina.

As contínuas disputas entre frações das forças armadas, especialmente entre a ala apoiada pelos EUA de Stroessner e a ala apoiada por Perón liderada por Epifanio Méndez Fleita, foram resolvidas em um golpe de 1954, apoiado pelo governo Eisenhower.

Stroessner manteve-se no poder até 1989 através de um regime de terror fascista, envolvendo esquadrões da morte, campos de concentração, tortura generalizada e o esmagamento do PC, dos sindicatos e de um movimento guerrilheiro. A chegada ao poder de Stroessner foi facilitada pelos esforços dos stalinistas para subordinar toda a oposição entre trabalhadores e camponeses desde o início dos anos 1930 ao Partido Liberal e a uma ou outra fração das forças armadas.

O Partido Liberal é o partido gêmeo da oligarquia capitalista paraguaia e, como os Colorados, está subordinado ao imperialismo americano e a seus interesses financeiros e geopolíticos.

O regime de Stroessner, apoiado pelos EUA, também levou a cabo massacres sistemáticos e a apropriação de terras das populações indígenas – incluindo a destruição física da tribo Aché – e, como o nacionalista “esquerdista” Juan Domingo Perón na Argentina, resgatou e abrigou numerosos oficiais nazistas no período pós-guerra.

Fernando Lugo foi eleito em 2008 em uma coalizão liderada pelo Partido Liberal e apoiada pelos stalinistas. Enquanto usavam Lugo para canalizar a oposição por trás da política burguesa, a classe dominante, temendo as crescentes expectativas de reforma social, derrubou Lugo em 2012 com o apoio do governo Obama.

O apoio contínuo da classe dominante paraguaia e do imperialismo americano aos descendentes políticos do bárbaro regime de Stroessner é um alerta para os trabalhadores e a juventude em toda parte sobre a guinada em direção à ditadura e ao fascismo das classes dominantes capitalistas internacionalmente em resposta à crise da pandemia. Isso foi mais claramente demonstrado na tentativa de golpe de Donald Trump em Washington no dia 6 de janeiro.

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