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Perspectivas

Por que Biden apoia a sindicalização dos trabalhadores da Amazon

Publicado originalmente em 3 de março de 2021

Na noite de domingo, o Presidente americano Joe Biden publicou uma declaração em vídeo apoiando totalmente os esforços do Sindicato de Varejo, Atacado e Lojas de Departamento (RWDSU, na sigla em inglês) de sindicalizar os trabalhadores do centro de distribuição da Amazon em Bessemer, no Alabama. Cerca de 6.000 trabalhadores na instalação, localizada nos arredores de Birmingham, estão atualmente decidindo se aderem ou não ao RWDSU.

Biden pediu claramente aos trabalhadores do Alabama que votassem “sim” na campanha de sindicalização, que será concluída em 29 de março. “A Lei Nacional de Relações Trabalhistas não diz apenas que é permitida a existência de sindicatos”, disse. “Diz que devemos incentivar os sindicatos.”

Biden discursa no Teatro “The Queen”, em Wilmington, no estado de Delaware, na quinta-feira, 14 de janeiro de 2021. [Crédito: AP Photo/Matt Slocum]

Ele continuou: “Hoje e durante os próximos dias e semanas os trabalhadores no Alabama e em todo os Estados Unidos estão votando para decidir se devem organizar um sindicato em seu local de trabalho. Isso é de importância vital – uma escolha de vital importância –, enquanto os EUA enfrentam a pandemia mortal, a crise econômica e a questão racial – o que revela as profundas disparidades que ainda existem em nosso país.”

A intervenção de Biden é historicamente sem precedentes. Depois que o Presidente Franklin D. Roosevelt assinou a Lei Nacional de Relações Trabalhistas em 1935, os dirigentes dos sindicatos industriais que haviam sido recentemente criados declararam que “O presidente quer que você se filie a um sindicato”. Mas FDR nunca disse isso.

Neste caso, Biden não deu nenhum sinal de imparcialidade, apelando aos trabalhadores que se filiassem ao sindicato e acusando a Amazon de intimidação. Biden está colocando todo o prestígio da Casa Branca por trás da votação. Ele não teria feito isso a menos que sentisse que o apoio direto de seu governo seria tanto necessário para garantir a vitória do “sim” em Bessemer quanto estrategicamente importante.

O próprio fato de Biden ter intervindo com tanta força expõe as alegações de que o que está envolvido na campanha de sindicalização tem alguma a coisa a ver com os interesses dos trabalhadores da Amazon. Toda a carreira de Biden no Senado, de 1973 a 2009, coincide com o abandono, pelo Partido Democrata, de qualquer programa de reforma social e sua acomodação à política econômica neoliberal do ex-presidente republicano Ronald Regan.

Há muito conhecido como o “senador da DuPont” de Delaware, Biden serviu nas comissões que eram mais sensíveis aos interesses da classe dominante, incluindo a Comissão de Justiça e a Comissão de Relações Exteriores. Ele apoiou a revogação da Lei Glass-Steagall em 1999, um marco na desregulamentação dos bancos, e outras medidas de direita. Depois de quase quatro décadas no Senado, Biden tornou-se vice-presidente de Obama, ajudando a supervisionar o resgate massivo de Wall Street após a crise financeira de 2008 e a subsequente reestruturação das relações de classe para beneficiar os ricos. Isso incluiu o resgate da General Motors e da Chrysler, que cortou 50% da remuneração de todos os trabalhadores recém-contratados da indústria automotiva.

Nas eleições de 2020, Biden foi indicado para concorrer à presidência pelo Partido Democrata através da intervenção da liderança do partido para repudiar qualquer programa de reforma social. Biden foi promovido como a alternativa de direita a Bernie Sanders.

A intervenção agressiva de Biden em nome da campanha de sindicalização na Amazon só pode ser interpretada como uma decisão estratégica, e não meramente tática, por uma fração significativa da classe dominante. Quais são as considerações que motivam essa política?

Em primeiro lugar, a classe dominante enfrenta uma crise sem precedentes, que tem sido enormemente intensificada pela pandemia. Como resultado da recusa da classe dominante em tomar as medidas necessárias para salvar vidas, quase 530.000 pessoas morreram devido à COVID-19 durante o ano passado. O impacto da morte em massa, combinado com a situação social e econômica desastrosa, está tendo um impacto profundamente radicalizador na consciência dos trabalhadores e da juventude.

Trump respondeu a essa situação promovendo organizações fascistas que serão usadas como ponta de lança contra a agitação da classe trabalhadora. Os democratas estão tentando abafar a oposição social utilizando os sindicatos. Isso se combina com seus esforços incansáveis para dividir os trabalhadores uns contra os outros através da promoção da política de identidade racial e de gênero. Significativamente, Biden enquadrou sua intervenção na Amazon em termos raciais, apresentando os sindicatos como instrumentos para defender “especialmente os trabalhadores negros e pardos”.

Em segundo lugar, a situação internacional não é menos preocupante para a classe dominante, que está determinada a manter sua posição hegemônica global através do uso da força militar. O governo Biden está levando adiante uma política cada vez mais conflituosa em relação à Rússia e, em particular, à China. A lógica dessa política leva à guerra. No caso de um grande “conflito entre grandes potências”, os sindicatos pró-capitalistas serão críticos na promoção do chauvinismo nacional e na supressão da luta de classes. A guerra no exterior exige um “movimento operário” disciplinado em casa.

A intervenção de Biden na Amazon faz parte de uma estratégia mais ampla de promover os sindicatos e integrá-los cada vez mais diretamente ao aparato do Estado e à administração das empresas. Antes de sua posse em janeiro, Biden prometeu que seria o presidente mais “pró-sindicato” de todos os tempos.

Em meados de novembro, logo após as eleições de 2020, Biden realizou uma reunião com os presidentes de todos os principais sindicatos, incluindo Richard Trumka, da AFL-CIO, juntamente com executivos da General Motors, Microsoft, Target e outras empresas. Biden disse que é “um cara do sindicato”, mas insistiu que “isso não significa dizer que seja contra os negócios”. Ele acrescentou que “estamos em um buraco bem escuro neste momento”, mas “nós [isto é, os dirigentes dos sindicatos, os CEOs e o novo governo Biden] todos possuímos objetivos comuns”.

A estratégia que Biden está seguindo é conhecida como corporativismo – ou seja, a integração do governo com as corporações e os sindicatos, que tem como fundamento uma defesa do sistema capitalista. Em 1938, Trotsky chamou a atenção para essa tendência quando escreveu, no documento de fundação da Quarta Internacional: “Nos períodos agudos das lutas de classes, os aparelhos dirigentes dos sindicatos esforçam-se para tornar-se senhores do movimento de massas com o fim de neutralizá-lo. ... Em tempo de guerra ou de revolução, quando a situação da burguesia se torna particularmente difícil, os dirigentes sindicais tornam-se, geralmente, ministros burgueses.”

Trotsky estava escrevendo numa época em que os trabalhadores dos sindicatos industriais recém-criados estavam envolvidos em lutas insurrecionais contra a classe dominante, incluindo as massivas greves com ocupações dos trabalhadores da indústria automotiva nos EUA.

Faz décadas que a AFL-CIO deixou de estar associada à defesa dos interesses dos trabalhadores contra as empresas e a classe dominante. Desde o isolamento e a derrota da greve dos controladores de tráfego aéreo da PATCO em 1981, o movimento sindical foi completamente integrado nas estruturas da administração empresarial. Durante os anos 1980, os sindicatos desempenharam um papel crítico no isolamento e na supressão da oposição à contraofensiva da classe dominante liderada pelo governo Reagan.

Com a ajuda dos sindicatos, a atividade grevista foi quase totalmente suprimida nos anos 1990 e nas primeiras décadas do século XXI, facilitando o aumento da desigualdade social para níveis não vistos desde os anos 1920.

Em 2018, durante as alegações orais perante a Suprema Corte no caso Janus vs. AFSCME (Federação Americana de Funcionários Públicos Estaduais, Municipais e de Condados), um advogado da AFSCME resumiu o papel dos sindicatos dizendo que a “taxa de atividade” – a exigência de que os funcionários do serviço público em alguns estados paguem o equivalente às contribuições mesmo que optem por não se filiarem a um sindicato – “é a contrapartida para não haver greve”. Sem manter a segurança financeira dos sindicatos, alertou, “você pode levantar um espectro incalculável de agitação operária em todo o país”.

As organizações corporativas como a AFL-CIO ainda são chamadas de “sindicatos”, mas sua prática e papel reais não têm relação com a função tradicionalmente associada ao termo “sindicato”. Não são organizações operárias, mas instrumentos da administração empresarial e do Estado.

A classe dominante, entretanto, está extremamente preocupada e sensível ao crescimento da oposição na classe trabalhadora, o que se concretizou no movimento para a formação de comitês de base, inclusive entre os trabalhadores da Amazon, liderado pelo Partido Socialista pela Igualdade e pelo World Socialist Web Site. A classe dominante está, além disso, consciente da capacidade dos trabalhadores nos EUA e internacionalmente de utilizar as redes sociais e outras formas de comunicação para compartilhar informações e se organizar fora do controle dos sindicatos corporativos.

Há uma preocupação especial com a radicalização política dos trabalhadores da Amazon, que se tornaram ainda mais críticos do processo geral de exploração capitalista desde o início da pandemia. O quinto maior empregador do mundo aumentou em 427.000 os postos de trabalho em 2020, chegando a um total de 1,3 milhão de empregados em todo o mundo, incluindo meio milhão nos EUA.

A promoção dos sindicatos tem como objetivo combater o crescente movimento dos trabalhadores de base. O objetivo é subordinar os trabalhadores ao conjunto de leis que entram em vigor quando os sindicatos são estabelecidos como o “único representante legítimo” dos trabalhadores. Em troca, os dirigentes sindicais terão acesso às contribuições sindicais que provêm da institucionalização dessas organizações em setores mais amplos da indústria.

A combinação de um apoio agressivo do governo e a raiva e a oposição entre os trabalhadores da Amazon pode levar a uma vitória da campanha pela sindicalização

em Bessemer. Qualquer que seja o resultado da votação, a luta para construir e estabelecer comitês de base deve ser desenvolvida e ampliada. Os trabalhadores não podem se permitir ser disciplinados pelo aparato sindical pró-capitalista e pró-imperialista.

Isso deve ser combinado com uma nova estratégia política para mobilizar a classe trabalhadora nos EUA e internacionalmente na luta por políticas socialistas, incluindo a expropriação daqueles que lucraram com a pandemia, como o proprietário da Amazon, Jeff Bezos, e a transformação da Amazon e de outras empresas de logística em entidades públicas, controladas democraticamente e de propriedade coletiva da classe trabalhadora.

Em seu nível mais fundamental, a promoção dos sindicatos pela classe dominante tem como objetivo afastar os trabalhadores do socialismo. O medo primordial da classe dominante é que a radicalização objetiva da classe trabalhadora, intensificada pela pandemia, adquira uma direção e um programa político socialista. É esse medo que está por trás da extraordinária intervenção de Biden na Amazon.

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