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Chefe do Comando Sul dos EUA diz que América Latina é a “linha de frente” em confronto com a China

Publicado originalmente em 18 de março de 2021

A América Latina passou a ser a “linha de frente” na luta contra o desafio da China à hegemonia global dos EUA, disse na terça-feira o chefe do Comando Sul (SOUTHCOM) dos EUA, que supervisiona as operações militares dos EUA na região, à Comissão de Serviços Armados do Senado.

O comandante do SOUTHCOM, Almirante Craig Faller, disse à comissão que havia um “senso de urgência” em enfrentar o desafio colocado pela crescente influência econômica da China na região, que ele repetidamente chamou de “nossa vizinha”, uma versão menos sanguinária da antiga frase imperialista ianque, “nosso próprio quintal”.

O Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas Brasileiras, Tenente Brigadeiro do Ar Raul Botelho, e o comandante do SOUTHCOM dos EUA, Almirante Craig Faller, com o Presidente brasileiro Jair Bolsonaro em Miami no ano passado. (Foto de Juan Chiari, U.S. Army Garrison-Miami)

“Nossa influência está se deteriorando”, alertou Faller, apontando que a China já superou os EUA como o parceiro comercial número um do Brasil, Chile, Peru e Uruguai, e chega em um segundo lugar próximo em toda a região. O comércio entre a China e a América Latina subiu de 17 bilhões de dólares há uma década para mais de 315 bilhões de dólares hoje e está projetado para atingir 500 bilhões de dólares até 2025.

“A RPC [República Popular da China] está avançando rapidamente para seu objetivo de domínio econômico da região dentro dos próximos dez anos”, disse Faller, no entanto, por sua própria admissão, isto pode acontecer antes.

Descrevendo repetidamente as relações da China com a região como “traiçoeiras”, o almirante disse que os investimentos chineses na construção de portos e outras infraestruturas constituíram um “abuso” das relações econômicas destinadas a “ofuscar o verdadeiro propósito” desses projetos, que ele afirmou ser “projetar e sustentar o poder militar a distâncias maiores”.

As acusações infundadas de Faller foram feitas no momento em que as autoridades americanas estão percorrendo agressivamente a região Indo-Pacífico promovendo uma aliança militar anti-Pequim. O imperialismo americano está se preparando para lançar mísseis balísticos ofensivos de alcance intermediário, anteriormente proibidos por um tratado agora obsoleto entre Washington e Moscou, de um conjunto de países ao redor da China, incluindo Japão, Taiwan e Filipinas.

A prova mais sólida que Faller poderia fornecer da intervenção militar chinesa na América Latina foi sua doação de equipamento militar a vários países e seu convite aos militares latino-americanos para participar de programas de treinamento que ele alegou serem “modelados seguindo a educação militar profissional dos EUA”. Em outras palavras, Pequim está envolvida, em escala limitada, em atividades que supostamente são prerrogativa exclusiva de Washington em “seu próprio quintal”.

O chamado de Faller para um “senso de urgência” foi fundamentado em grande medida pelos desenvolvimentos desde o início da pandemia de COVID-19. Ele acusou tanto Pequim quanto Moscou de “tirar proveito da pandemia” – fornecendo vacinas aos países que estão entre os mais atingidos pelo vírus mortal.

“Para obter mais acesso, presença e influência na região, a RPC e a Rússia estão aproveitando a pandemia, implantando campanhas de diplomacia médica e de desinformação – muitas vezes com excesso de promessas e com entregas insuficientes”, disse. Por “diplomacia médica”, ele se refere ao carregamento de milhões de doses de vacinas contra a COVID-19, e por “desinformação”, ele se refere ao fato de que estes carregamentos foram realizados enquanto o imperialismo americano se recusa a fornecer uma única dose a seus “vizinhos”.

A China, segundo ele, está oferecendo US$ 1 bilhão em empréstimos para financiar a compra da vacina da Sinovac com o suposto objetivo “traiçoeiro” de endividar ainda mais a região a Pequim e “explorar a pandemia para avançar sua Iniciativa Cinturão e Rota no comércio, tecnologia e infraestrutura”. Ele também acusou Pequim de doar a tecnologia de rastreamento de contatos da Huawei em uma tentativa de ganhar as ofertas da empresa para o desenvolvimento de redes 5G na região.

O presidente fascista do Brasil, Jair Bolsonaro, que havia seguido de forma servil a política anti-China de Washington, havia rejeitado anteriormente o uso da vacina da chinesa Sinovac no Brasil e havia excluído o gigante chinês de telecomunicações Huawei de concorrer ao negócio da rede 5G mais lucrativo do hemisfério. Agora, enfrentando cerca de 3.000 mortes por dia e uma pandemia fora de controle, Brasília está importando a vacina da Sinovac e a Huawei está sendo admitida no leilão da rede 5G do país.

Faller não mencionou o México, que é supervisionado pelo Comando Norte dos EUA, cujo comandante também depôs na audiência. Na terça-feira, o México assinou um contrato para comprar 20 milhões de doses da vacina da Sinovac, apenas duas semanas depois que a Casa Branca declarou categoricamente que não forneceria nenhuma vacina a seu vizinho do sul.

Faller tentou difamar Pequim ao ligar a China a “organizações criminosas transnacionais”, alegando que “compartilham o objetivo da RPC, da Rússia e de outros atores malignos de fazer avançar seus interesses próprios em detrimento de nossos parceiros”. As atividades dos cartéis de drogas, alegou o almirante, são asseguradas pela “lavagem de dinheiro chinês”.

Tais acusações estão de acordo com a alegação do “vírus de Wuhan” – de que o coronavírus foi produzido em um laboratório chinês – e a acusação de que Pequim está envolvida em “genocídio” contra sua minoria muçulmana, ou seja, fazem parte de uma campanha de propaganda destinada a pavimentar o caminho para a guerra.

É curioso Washington acusar Pequim de lavar o dinheiro dos cartéis, dadas as múltiplas investigações e acusações criminais envolvendo banqueiros do Wells Fargo, HSBC, Deutsche Bank, Bank of New York Mellon e outras importantes instituições financeiras americanas e ocidentais por lavar trilhões de dinheiro em espécie para os cartéis de drogas e outras empresas criminosas.

Quanto aos interesses supostamente prejudicados dos “parceiros” de Washington, os principais entre eles são os maiores traficantes de drogas do hemisfério. Enquanto Faller celebrava a presença militar americana em um “local de segurança cooperativa” na Colômbia e em um “Local de Operação Avançada em Honduras, lar da Força Tarefa Conjunta Bravo”, ele não fez nenhuma menção ao fato de que os dois países são os principais canais de transporte de drogas da América do Sul para a fronteira americana. Ainda na semana passada, promotores de justiça dos EUA no Distrito Sul de Nova York declararam Honduras um “estado narcotraficante” e apresentaram depoimentos de que o presidente do país, Juan Orlando Hernández, havia dito a um importante traficante de drogas que ele queria enfiar drogas “bem no nariz dos gringos”, pois ele aceitava subornos lucrativos em troca de proteção militar para os cartéis.

Colocando a questão sobre o que o Pentágono deve fazer para combater a crescente influência da China na América Latina, o Almirante Faller declarou: “Em poucas palavras, nós competimos com os maus sendo os bons”.

Ele citou a “formação em direitos humanos e programas de Mulheres, Paz e Segurança” do Pentágono na América Latina, uma fachada ridícula para um aparelho militar americano que realizou mais de um século de invasões, complôs golpistas e campanhas sangrentas de contra-insurgência, cujas vítimas são pelo menos centenas de milhares.

Ao alertar a comissão do Senado sobre o impacto da pandemia de COVID-19, Faller apontou não apenas a influência da China, mas também a crise social incontrolável da região. Ele observou que a América Latina, com cerca de 8% da população mundial, sofreu mais de um quinto dos casos e mortes por COVID, e que “haverá também um impacto socioeconômico significativo em nossos vizinhos durante os próximos anos”.

“Com os protestos generalizados contra os governos de toda a região no final de 2019, essas perdas decorrentes da COVID-19, aliadas a reivindicações socioeconômicas e corrupção de longa data, criaram as condições para uma instabilidade ainda maior e agitação entre nossas nações parceiras”, disse, acrescentando: “Mesmo alguns de nossos parceiros mais fortes estão em risco de instabilidade devido a essa confluência de fatores.”

Em outras palavras, mesmo quando o imperialismo americano se prepara para confrontar a crescente influência econômica da China por meios militares, ele enfrenta a maior ameaça de revolução social em todo o hemisfério. A resposta do Pentágono a essa ameaça hoje será a mesma que foi no século passado, apoio à violência contrarrevolucionária e ditadura. A classe operária latino-americana deve preparar suas lutas de acordo com essa realidade.

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