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Perspectivas

300.000 mortes no Brasil: um crime capitalista contra a humanidade

Publicado originalmente em 26 de março de 2021

O Brasil ultrapassou o marco sombrio de 300.000 mortes pela COVID-19 na quarta-feira. Em cada um dos estados e regiões do país, a população brasileira testemunhou um brutal desperdício de vidas, fruto da indiferença criminosa de sua elite governante.

O ano de 2021 não completou ainda três meses, mas neste breve período mais de 100.000 brasileiros perderam suas vidas para a COVID-19. Os números da pandemia evoluíram rapidamente desde o início do ano, com a média de contaminações tendo saltado de 36.000 casos diários a mais de 77.000. Eles mantém tendência de alta, e um recorde de 100.158 infecções foi registrado na quinta-feira.

O avanço desenfreado do vírus pelo país provocou o “maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil”, segundo a instituição de pesquisa em saúde pública Fiocruz. Milhares de pacientes em estado grave aguardam por um leito de UTI em filas que somam aproximadamente 900 pessoas no Paraná, 750 na Grande São Paulo, 700 em Minas Gerais, 500 no Rio de Janeiro, 500 no Ceará, 400 em Goiás, e outras centenas em praticamente todos os estados brasileiros.

Moradores colocam rosas em colchões simbolizando vítimas da COVID-19 durante um protesto contra a condução da pandemia de COVID-19 pelo governo. (AP Photo/Silvia Izquierdo)

Médicos já estão sendo obrigados a decidir entre os que receberão tratamento e os que serão deixados para morrer. Mas há riscos iminentes de que o esgotamento de insumos hospitalares, como oxigênio medicinal e medicamentos para intubação, comprometa seriamente a capacidade de atender mesmo aqueles que conseguiram um leito hospitalar.

As perspectivas para as próximas semanas são aterradoras. Se medidas imediatas não forem tomadas, pesquisadores da Fiocruz alertaram que o Brasil chegará em abril a uma média de 4 a 5 mil mortes diárias.

Contudo, a catástrofe brasileira tem um impacto para muito além de suas fronteiras nacionais, que são cruzadas pelo coronavírus sem visto ou passaporte. Na quarta-feira, a Organização Panamericana de Saúde (OPS) alertou para as ameaças devastadoras do crescimento da pandemia no Brasil aos demais países da América do Sul.

As regiões de fronteira com o norte do Brasil na Venezuela, Peru e Bolívia reportaram sérios aumentos de casos nos últimos dias. Na fronteira sul do Brasil, o Paraguai enfrenta um colapso do sistema de saúde, e o Uruguai, que teve números excepcionalmente baixos durante a primeira onda da pandemia, está vivendo uma rápida escalada de infecções e mortes.

Os esforços dos governos desses países de isolar suas populações através do controle de fronteiras e restrições à entrada de brasileiros são seriamente minados pela profunda integração da vida social e econômica entre as nações. Além do mais, a variante brasileira mais contagiosa do coronavírus, P.1, um fator central para a explosão de casos no Brasil, já espalhou-se largamente pelos países vizinhos e por diferentes partes do mundo.

O fracasso da classe dominante brasileira em exercer qualquer controle sobre a pandemia levou não apenas à reprodução acelerada dessa cepa virulenta, mas à transformação do Brasil em um laboratório a céu aberto para a geração de outras mutações da COVID-19 e possivelmente até um novo vírus, o SARS-CoV-3, ainda mais infeccioso e letal.

Um estudo recentemente publicado por pesquisadores da Rede Genômica da Fiocruz identificou mutações relevantes em 11 sequências da SARS-CoV-2 provenientes de cinco estados brasileiros diferentes. Os cientistas concluíram: “Essas descobertas sustentam que a transmissão generalizada da SARS-CoV-2 no Brasil está gerando novas linhagens virais que podem ser mais resistentes a neutralização do que suas variantes de origem”.

Os graves perigos colocados à população brasileira e mundial por essa evolução catastrófica da doença são tratados com o mais rude desprezo pelo presidente fascistoide Jair Bolsonaro. Ele segue promovendo até as últimas consequências a política assassina de imunidade de rebanho, exigindo que os brasileiros parem com o “mimimi” em torno das mortes em massa voltem ao trabalho.

Bolsonaro luta para assegurar que nenhuma medida para conter a disseminação do vírus entre em conflito com os interesses econômicos do capitalismo brasileiro. Reafirmando suas ameaças ditatoriais, ele alertou que o seu governo e o seu exército preparam “medidas duras” contra qualquer decreto de lockdown a fim de garantir o “direito do povo de trabalhar”.

Para forçar a classe trabalhadora a locais de trabalho e transportes super contaminados, ele confia, acima de tudo, nas imensas pressões econômicas colocadas sobre as massas. A explosão do desemprego, os preços crescentes dos alimentos e o corte do auxílio emergencial do governo estão impondo níveis sem precedentes de desespero social a todos os setores da classe trabalhadora.

Segundo o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Daniel Duque, ao longo do último ano cerca de 22 milhões de brasileiros foram lançados na pobreza. Três a cada dez brasileiros vivem algum grau de insegurança alimentar. Nas favelas, 68% dos moradores não têm dinheiro para comida, como indicou um estudo da Central Única das Favelas (CUFA).

A combinação entre as privações econômicas intoleráveis e o sofrimento incomensurável causado pela pandemia estão potencializando o crescimento explosivo da oposição social no Brasil. Nos últimos dias, greves e protestos despontaram entre professores, petroleiros, motoristas de ônibus, entregadores de aplicativo, e outros setores operários. Os trabalhadores exigem segurança nos locais de trabalho, salários decentes e mudança política.

Sensíveis a tais ameaças vindas de baixo, seções da elite capitalista temem que as políticas de Bolsonaro provoquem explosões sociais e econômicas que ponham em questão sua dominação de classe sobre a sociedade.

Essa posição foi apresentada numa “carta aberta” de economistas e empresários criticando a condução da pandemia por Bolsonaro. Ente seus assinantes estão ex-ministros e ex-presidentes do Banco Central, o presidente de uma das maiores empresas frigoríficas do Brasil, e os presidentes do conselho do Banco Itaú – o maior conglomerado financeiro do hemisfério sul. Junto deles está também a autora do programa econômico do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

A carta declara que “enquanto a pandemia não for controlada por uma atuação competente do governo federal”, a recessão econômica “não será superada”. Sua diretriz, repetida à exaustão, é que o governo gaste o mínimo de dinheiro necessário para conter uma explosão social.

A primeira e central reivindicação da carta é a aceleração da compra e distribuição de vacinas. Até o momento, apenas 6% da população recebeu uma primeira dose. A carta alega que “a relação benefício custo da vacina é da ordem de seis vezes para cada real gasto na sua aquisição e aplicação”. Em seguida, defende que o governo distribua máscaras gratuitamente e estimule seu uso, afirmando que “teria um baixo custo frente aos benefícios de contenção da Covid-19”.

Apesar de afirmar que a “necessidade de um lockdown deve ser avaliada”, a carta demonstra extrema preocupação sobre a “abrangência das atividades cobertas” e sua duração. Concluem que “a melhor combinação é aquela que maximize os benefícios em termos de redução da transmissão do vírus e minimize seus efeitos econômicos”. Os mesmos princípios valem para auxílios financeiros, que devem ser enxutos e focados nos setores mais afetados da população.

A carta faz também um ataque virulento ao fechamento de escolas, afirmando que a experiência criminosa da reabertura escolar em São Paulo, que provocou milhares de contaminações de educadores e alunos e dezenas de mortes, foi uma prova do “nível relativamente reduzido de contágio nas escolas”.

Essa suposta oposição a Bolsonaro de dentro da classe dominante é uma fraude completa. Nada do que é proposto garante uma efetiva contenção da pandemia. Com diferenças cosméticas em relação às políticas do presidente, esse programa tem como base a mesma hostilidade às determinações da ciência e ao interesse de preservar vidas.

O mesmo programa ganha expressão política na aliança podre, amplamente celebrada na mídia burguesa, entre PT e PSDB, materializada no Fórum Nacional dos Governadores. Os governadores reunidos nessa entidade mantiveram o funcionamento de todas as atividades econômicas em seus estados e promoveram a reabertura homicida de suas escolas. Com a diferença de que não atacam o uso de máscaras e as vacinas, como fez Bolsonaro, eles possuem a mesma responsabilidade criminosa pelo desastre da COVID-19 no Brasil.

Este também é, fundamentalmente, o programa dos sindicatos, que atuaram como braços das empresas para garantir seu funcionamento independente dos riscos aos trabalhadores e à sociedade como um todo. Os sindicatos sabotaram sistematicamente as lutas dos trabalhadores pelo fechamento de empresas e escolas. Essas organizações também respondem com nervosismo à agitação entre suas bases e, assim como o setor burguês por trás da “carta aberta”, exigem a aceleração da vacinação dos “seus” trabalhadores para que a exploração capitalista possa voltar ao normal.

O combate à catástrofe produzida pela pandemia exige um programa independente da classe trabalhadora, que aponte numa direção radicalmente diferente.

Ao invés de um lockdown parcial baseado numa avaliação de custo-benefício que pese lucros contra vidas humanas, a classe trabalhadora deve lutar pelo fechamento de todas as atividades não-essenciais para a sociedade. As atividades que forem mantidas deverão funcionar sob controle operário e com auxílio de cientistas e profissionais da saúde para garantir segurança aos trabalhadores. Renda integral – e não bônus de fome – deve ser providenciada a todas as famílias trabalhadoras.

A implementação desse programa é necessária para preservar as vidas não somente dos trabalhadores brasileiros, mas de seus irmãos de classe de todo o planeta.

A natureza global da pandemia de COVID-19 prova a necessidade de abolição do sistema de Estados-nação capitalista. As lutas dos trabalhadores no Brasil devem se unificar às lutas da classe trabalhadora internacional para barrar a transmissão do coronavírus e implementar medidas socialistas, que incluem a expropriação da oligarquia financeira e o fim da propriedade privada, abrindo caminho a uma planificação científica e controle democrático da economia mundial que considere as vidas humanas em detrimento dos lucros.

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