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Depois de reabrir escolas, São Paulo diminui restrições em meio a recorde de mortes por COVID-19

São Paulo iniciou ontem uma nova fase de flexibilização das medidas contra a propagação do novo coronavírus depois de ter sido registrada a semana mais mortal da pandemia de COVID-19 no mais populoso e mais rico estado brasileiro. Na semana passada, a administração do governador direitista João Doria (PSDB) já havia permitido a reabertura parcial de escolas públicas e particulares para as aulas presenciais.

A nova fase “de transição”, entre a “vermelha” e a “laranja” do suposto plano de contenção da pandemia, o Plano São Paulo, permitirá a reabertura do comércio não essencial entre 11h e 19h e a realização de cultos religiosos presenciais, ambos com a capacidade máxima de 25%. A partir de 24 de abril será permitida a reabertura de academias, bares e restaurantes segundo o mesmo critério.

Foi a segunda semana seguida que o governo Doria atualizou o “Plano São Paulo” depois de o estado ter passado 28 dias na fase “emergencial”, entre 15 de março e 9 de abril, em que até serviços considerados “essenciais” foram restringidos. A principal justificativa para essas alterações foram pequenas diminuições nas taxas de ocupação de leitos de UTI nas últimas semanas. Em 9 de abril, quando o estado passou da fase “emergencial” para a “vermelha”, essa taxa era de 88,3%, diminuindo para 85,3% na sexta-feira, quando a fase “de transição” foi anunciada.

A fase “de transição” é a última alteração nos critérios do “Plano São Paulo” para reabrir a economia, mesmo com a pandemia fora de controle. Antes, o estado poderia deixar a fase “vermelha” com a taxa de ocupação de UTI abaixo de 75%, e apenas serviços essenciais poderiam funcionar. Segundo a secretária de desenvolvimento econômico, Patrícia Ellen, essa nova fase “nasceu” do “diálogo com os setores [econômicos] e o pedido deles foi que é preciso retomar as atividades”.

Domingos Alves, professor da Universidade de São Paulo, disse à AFP que essa alteração “É um absurdo. Como são anunciadas essas novas medidas de flexibilização quando tudo indica que na próxima ou na outra semana teremos falta de insumos para manter as pessoas dentro dos hospitais?”. Ele se referiu à falta de medicamentos para a intubação de pacientes em muitos hospitais de São Paulo, que está fazendo com que muitos deles recusem novos pacientes mesmo com leitos disponíveis. Desde março, 543 pacientes morreram à espera de um leito de UTI no estado.

Depois de ter registrado 1.282 mortes na última terça-feira, o terceiro dia mais mortal da pandemia, a semana passada terminou com o recorde de 5.690 mortes por COVID-19, um número quase três vezes maior do que no pico da primeira onda, em julho passado. É a oitava semana seguida com aumento de mortes, o que fez com que em São Paulo o número de mortes superasse o de nascimento pela primeira vez na história. São Paulo, que possui 21% da população brasileira, é responsável por 28% das mortes no Brasil, o país com 25% das mortes no mundo. No sábado, o estado tinha registrado ao todo 88 mil mortes e 2,7 milhões de casos.

Esses números derrubam todas as pretensões do governador milionário de São Paulo, que alega se orientar pela “ciência” no combate à pandemia, de se diferenciar da política aberta de imunidade de rebanho do presidente fascistoide Jair Bolsonaro. Tendo considerado uma série de serviços como “essenciais” – como a indústria e vários setores comerciais – desde o início da pandemia, em março do ano passado, a política de Doria de colocar os lucros acima das vidas humanas conseguiu fazer com que o PIB de São Paulo crescesse 0,4% em 2020, em comparação com uma queda de 4,1% do PIB nacional.

Em dezembro passado, São Paulo passou a considerar a educação também um serviço essencial, permitindo que as escolas reabrissem em qualquer fase do Plano São Paulo. No entanto, a gravidade da pandemia obrigou o governo a adiantar em duas semanas as férias escolares e a suspender as aulas presenciais nas escolas estaduais durante a fase “emergencial”.

Depois de janeiro ter sido o mês com mais casos em São Paulo e de ter sido detectada a transmissão comunitária da variante mais contagiosa de Manaus, em fevereiro as escolas reabriram parcialmente e o funcionamento do comércio foi ampliado. Essa situação potencialmente explosiva entrou em erupção em março, que teve um aumento de 135% no número de mortos em relação ao mês anterior, passando de 6.459 para 15.159. Apenas na primeira metade de abril, o estado havia registrado 11.883 mortes, o segundo mês mais mortal da pandemia depois de março.

Durante toda a fase “emergencial,” o índice de isolamento social atingiu no máximo 45%, dois pontos percentuais a mais do que no período anterior e longe do ideal de 60% estabelecido pelo próprio grupo de especialistas que supostamente orientam as ações do governo de São Paulo. Na semana passada, com o início da fase “vermelha”, mesmo a imprensa burguesa não pode ficar indiferente ao aumento da circulação de pessoas nas ruas e ao transporte público lotado. Segundo a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, Monica Levi, isso levará a novos surtos e a “um ciclo sem fim [da pandemia]” no momento em que “a comunidade médica pede para que haja lockdown total”.

A indiferença criminosa do governo de São Paulo a essa situação possui claras intenções: forçar a população a “aprender a viver” com esse cotidiano de risco, evitar a implementação de medidas mais restritivas e manter a extração de lucro da classe trabalhadora. Faz parte dessa política a campanha frenética nas redes sociais do secretário de educação de São Paulo, Rossieli Soares, reproduzida incessantemente pela imprensa burguesa, de que a educação é “essencial” e que as escolas continuarão abertas a qualquer custo.

Esse esforço tem sido acompanhado pela promoção de estudos científicos distorcidos para supostamente mostrar que a reabertura parcial de escolas não contribuiu para o agravamento da pandemia. No entanto, um estudo divulgado na quarta-feira revelou que a incidência de casos de COVID-19 entre os professores em fevereiro foi três vezes maior do que a registrada pela população em geral de São Paulo. Realizado pela Rede de Pesquisadores Escola Pública e Universidade (Repu), o estudo foi feito com dados coletados pela APEOESP, o sindicato de professores da rede pública estadual, depois do governo se recusar a informar os números de infecções entre os professores via lei de acesso à informação.

Além de dados distorcidos, outro elemento que tem ajudado a confundir o debate público sobre a gravidade da pandemia e convencer a população a se expor ao risco de ser contaminada é a propaganda feita em torno da campanha de vacinação em São Paulo, que também foi utilizada pelo governo para fundamentar o fim da fase “emergencial.” No entanto, até domingo, apenas 3 milhões dos 44 milhões dos habitantes do estado haviam recebido as duas doses da vacina, enquanto a primeira dose tinha sido aplicada para 6 milhões de pessoas. Esta semana, São Paulo começou a imunizar pessoas de 65 anos, enquanto a maior parte das pessoas internadas hoje possuem menos que 40 anos.

Mesmo que a vacinação estivesse avançando significativamente, as mais importantes autoridades de saúde estão alertando que isso não pode ser um pretexto para o abandono de medidas de lockdown. Na segunda-feira passada, o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghrreyesus, disse: “Não se enganem. As vacinas contra a COVID-19 são um instrumento vital e poderoso, mas não são o único instrumento.”

No sábado da semana passada, como parte do esforço para reabrir escolas precocemente, o governo de São Paulo iniciou a vacinação de professores e funcionários escolares acima de 47 anos. Segundo o secretário Soares, isso vai permitir que mesmo os professores que estão em trabalho remoto por fazerem parte do grupo de risco do coronavírus voltem para as escolas inseguras.

O início de vacinação de professores tem sido também uma exigência do sindicato dos professores para um suposto retorno seguro às aulas presenciais. A APEOESP tem tentado se diferenciar do governador Doria e do secretário Soares exigindo que “todos os profissionais da educação sejam vacinados, independente da faixa etária”, o que está longe de garantir um controle mínimo da pandemia.

Desde a reabertura de escolas em São Paulo, em fevereiro, a APEOESP tem também subordinado a luta dos professores contra as aulas presenciais à justiça capitalista. Na quinta-feira, o pleno do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a derrubada de uma decisão judicial do final de janeiro que proibia as aulas presenciais nas fases “vermelha” e “laranja”. No entanto, o sindicato tem se apoiado em uma outra decisão judicial, do início de março, para não fazer nada para promover uma luta mais ampla contra a reabertura assassina de escolas. Por sua vez, o governo de São Paulo está alegando que a decisão de quinta-feira também derrubou a sentença de março.

Com isso, a APEOESP reforçou seu chamado fraudulento de que o “Governo tem que cumprir a decisão judicial ... e não pode haver aulas presenciais enquanto não houver a vacinação de todos os profissionais de educação”. Ela tem repetido que a “prioridade” da luta do sindicato é que os professores ingressem “com mandados de segurança para o cumprimento da sentença judicial”. Depois de encerrar a greve dos professores com o início da fase “emergencial”, em meados de março, e não preparar uma luta mais ampla contra a previsível ofensiva do governo, a decisão de limitar a luta a ações individuais de professores à justiça apenas expressa a cumplicidade da APEOESP com a reabertura de escolas.

Enquanto isso, os professores das escolas públicas municipais de São Paulo continuam em greve contra as aulas presenciais. A greve, que já dura 70 dias, também tem sido isolada pelo sindicato dos professores municipais, o SINPEEM, que, assim como a APEOESP, teme que o movimento saia do controle dos limites impostos pela burocracia sindical.

Este mês, os governos do estado e da prefeitura de São Paulo começaram a descontar o salário dos professores em greve. Mesmo que isso já fosse mais do que esperado em fevereiro, a APEOESP e o SINPEEM foram incapazes de organizar um fundo de greve antecipadamente, fazendo com que muitos professores fossem obrigados a retornar às escolas com a pandemia fora de controle.

Em grupos de redes sociais, os professores municipais se manifestaram indignados: “Quem dá conta de continuar em greve sem receber o pagamento?”, um questionou. Outro professor escreveu que os sindicatos precisam “distribuir o fundo de greve”, enquanto outro sugeriu que se desfiliasse do sindicato para “guardar a quantia e fazer o próprio fundo de greve”. Um professor resumiu a estratégia do sindicato: “Dividiu e enfraqueceu. Temos os ‘com’ e ‘sem salário’, além dos em ‘trabalho remoto’ e os ‘presenciais’. Em breve teremos os ‘vacinados’ e os ‘não vacinados’... E os sindicatos atuando através de notas de repúdio’ e ações tímidas que não resolvem nada efetivamente.”

Os professores de São Paulo devem ter consciência que isso não é mais uma ação traidora dos sindicatos, mas a expressão mais atual de um longo processo de transformação dos sindicatos de organizações da classe trabalhadora para instrumentos utilizados pelas elites dominantes nacionais para dividir os trabalhadores e impedir uma luta unificada da classe trabalhadora. Agora, com a pandemia de COVID-19, essa luta é em defesa do direito mais alienável de todos: o próprio direito à vida.

A luta contra a reabertura de escolas, além de exigir um movimento unificado dos professores de escolas públicas e privadas de São Paulo com os do Brasil, deve se desenvolver em uma luta mais ampla com outros setores da classe trabalhadora brasileira contra a política de imunidade de rebanho de colocar os lucros acima das vidas humanas. Para isso, o Grupo Socialista pela Igualdade no Brasil faz um chamado para a formação de comitês de base independentes dos sindicatos, armados com um programa socialista e internacionalista.

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