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Perspectivas

Índia é assolada pela pandemia de COVID-19 – uma catástrofe global

Publicado originalmente em 23 de abril de 2021

A Índia está sendo hoje devastada por um tsunami de casos de COVID-19 e mortes. Esse surto ameaça apequenar tudo o que já foi visto nesta pandemia global que infectou oficialmente 145 milhões de pessoas e matou quase 3,1 milhões.

Ontem a Índia reportou um recorde mundial de 314.644 novos casos de COVID-19 em um único dia, elevando para bem mais de 1,1 milhão o total de novos casos no país desde segunda-feira, e um recorde indiano de 2.104 mortes.

Pessoas recebem a vacina COVAXIN para COVID-19 enquanto outras esperam em um estádio coberto em Gauhati, Índia, quinta-feira, 22 de abril de 2021. (AP Photo/Anupam Nath)

Tanto o total de casos como o total de mortes são, sem dúvida, subestimações grosseiras. Estatísticas de mortes e cremações levantadas por jornalistas e especialistas em saúde revelam uma grande discrepância entre o número real de óbitos e os números oficiais fornecidos pelos altos funcionários do governo. Um estudo do Financial Times sobre sete dos 718 distritos da Índia concluiu que o número real de mortes poderia ser 10 vezes maior do que o que noticiado oficialmente.

Relatos aterradores estão surgindo de todas as partes do país sobre crematórios e cemitérios abarrotados de cadáveres. Em Bhopal, a 16ª maior cidade da Índia, diz-se que os crematórios estão operando em seus níveis mais altos desde o desastre do vazamento de gás da Union Carbide de 1984, que matou mais de 2.200 pessoas em suas primeiras horas. No estado ocidental de Gujarat, onde os crematórios têm trabalhado 24 horas sem pausas, foi reportado que sua estrutura metálica começou a derreter.

O sistema de saúde precário da Índia está entrando em colapso, uma vez que hospitais cronicamente com falta de funcionários estão ficando sem camas, oxigênio e medicamentos contra a COVID 19 como Remdesivir. Reportagens jornalísticas de Déli e Mumbai, respectivamente a capital e o centro financeiro, mostram multidões de infectados pela COVID-19 e seus parentes do lado de fora dos hospitais clamando por socorro, mas não há socorro disponível.

Entretanto, o governo e a elite dominante da Índia são totalmente alheios e indiferentes a esse sofrimento e mortes em massa.

Priorizando os lucros corporativos em detrimento da saúde e vidas do povo trabalhador, os governos nacional e estaduais da Índia recusaram-se firmemente a decretar um lockdown enquanto os casos de COVID-19 aumentavam cada vez rápido nos últimos dois meses.

Em um discurso à nação na terça-feira à noite, o Primeiro Ministro Narendra Modi proclamou que a Índia deve ser "salva" não da pandemia, mas de um lockdown voltado a deter o avanço do vírus e salvar vidas! "Na situação atual, temos que salvar o país do confinamento", declarou ele. Em seguida, exortou os governos estaduais a renunciar de forma semelhante aos lockdowns.

Diante da situação atual, todas as evidências indicam que as infecções e mortes continuarão a crescer exponencialmente ao longo das próximas semanas, ou mesmo meses.

Nas duas semanas desde 8 de abril, o número de casos ativos na Índia aumentou mais de 250%, de 910 mil para quase 2,3 milhões. Esse aumento está sendo impulsionado por novas variantes mais infecciosas e letais, incluindo uma cepa de "dupla mutação" identificada pela primeira vez na Índia que combina mutações de duas "variantes preocupantes" diferentes.

Todos, exceto uma pequena fração da população, permanecem em risco de contaminação. Apenas 8,4% dos indianos receberam uma primeira dose de vacina, e apenas 1,4% estão totalmente imunizados.

Além disso, centenas de milhões vivem num estado de pobreza e desnutrição desesperantes, não têm acesso direto a água potável e vivem em habitações com uma única divisão, o que significa que não podem implementar medidas de distanciamento social e, em muitos casos, já estão com a saúde comprometida. Se, como foi tragicamente demonstrado nos últimos dias, os hospitais nas maiores cidades do país estão ficando sobrecarregados, a situação nas grandes faixas rurais da Índia é ainda mais desoladora, uma vez que nesses locais as instalações de saúde pública são praticamente inexistentes.

A catástrofe na Índia, é preciso enfatizar, é uma catástrofe global diante de um vírus que não respeita nenhuma fronteira nacional e não precisa de passaporte. A decisão dos governos do mundo, com os Estados Unidos e outras potências imperialistas à frente, de abandonar qualquer esforço sistemático para deter a propagação da pandemia criou condições nas quais a COVID-19 foi capaz de sofrer mutações e desenvolver cepas mais virulentas e potencialmente resistentes às vacinas. A menos e até que haja um esforço global coordenado e baseado na ciência para erradicar a COVID-19, orientado à proteção da vida e não ao lucro capitalista, este processo continuará. As centelhas do atual incêndio pandêmico na Índia provocarão incêndios em todo o mundo. Na realidade, casos da variante indiana de dupla mutação estão sendo relatados agora na América do Norte, na Europa e no Oriente Médio.

Além disso, em uma resposta reacionária e desesperada ao desastre produzido por suas próprias ações, a Índia, um importante fornecedor de medicamentos genéricos e vacinas para países de média e baixa renda, parou a exportação de vacinas COVID-19.

O que impede a mobilização de recursos mundiais para combater a pandemia são os interesses de lucro e geopolíticos predatórios das facções capitalistas rivais de base nacional.

Tomemos o caso da Índia. Não apenas Modi e seu partido supremacista hindu de extrema-direita, o BJP, são responsáveis pelas mortes em massa que hoje assolam o segundo país mais populoso do mundo. São responsáveis toda a classe dominante e o establishment político.

Durante décadas, o Estado indiano, seja sob os governos liderados pelo BJP ou pelo Partido do Congresso, gastou um irrisório 1,5% do PIB em saúde. Embora a Organização Mundial da Saúde, entre muitas outras, tenha apontado a grande vulnerabilidade da Índia diante da COVID-19, devido à pobreza massiva e o sistema de saúde abandonado, o governo Modi não tomou medidas substantivas para combater a pandemia durante os primeiros dois meses e meio de 2020. Então, em 25 de março, sem planejamento prévio e com menos de quatro horas de antecedência, impôs um calamitoso lockdown nacional que falhou em todos os parâmetros. Falhou porque não foi acompanhado por testes em massa e rastreamento de contatos, um vasto investimento de recursos no sistema de saúde e o fornecimento de auxílio social às centenas de milhões de pessoas que o confinamento privou de seu sustento da noite para o dia.

Em seguida, a Índia adotou uma política de "imunidade do rebanho", encabeçada pelo governo Modi, mas com apoio dos governos estaduais, sejam os liderados pelo BJP como pelos partidos da dita oposição. A partir do final de abril, o governo começou a "reabrir" a economia e isso continuou, com o abandono de uma medida após a outra ao longo dos próximos seis meses, enquanto as infecções e mortes aumentavam.

Dando voz à mentalidade da elite dominante, o consultor de saúde do governo Modi e epidemiologista, Jayaprakash Muliyi, declarou despreocupadamente que, dado o imenso tamanho da população do país, mortes em massa em uma escala jamais vista fora das guerras mundiais do século passado seriam aceitáveis. "Com uma abertura substancial do lockdown, a Índia poderá ver ao menos dois milhões de mortes", disse Muliyi. "A mortalidade está baixa, deixem os jovens saírem e trabalharem".

Quando a "segunda onda" da COVID-19 na Índia ganhou força no final de fevereiro e março, o establishment político em uníssono declarou-se contra as medidas de isolamento. Tomando a deixa do Modi, eles apontaram para a campanha de vacinação indiana supostamente “à frente do mundo” como a resposta à pandemia. Com isso eles agiam a mando das grandes empresas, cujos representantes midiáticos, como o Times of India, têm publicado um editorial após o outro denunciando os "lockdowns" como "financeiramente inviáveis".

Para promover esta campanha mercenária, eles apontaram cinicamente às centenas de milhões cujo sustento tem sido devastado pela pandemia. Um estudo recentemente publicado pela Pew Research descobriu que o número de indianos ganhando menos de 150 rúpias por dia (US$ 2) mais do que dobrou durante a primeira onda da pandemia, para 135 milhões, e que mais 32 milhões viram sua renda cair para menos de US$ 10 por dia.

Para os representantes políticos e ideológicos da classe dominante, é inconcebível tomar até mesmo uma fração da fortuna dos bilionários da Índia – que, segundo a Forbes, quase dobrou para 596 bilhões de dólares em 2020 – para prover auxílio social à população enquanto a propagação da pandemia é contida.

A política de economia "aberta" e "imunidade de rebanho" do governo Modi é a ponta de lança da intensificação dos ataques à classe trabalhadora e às massas rurais. Em nome da revitalização da economia, Modi introduziu uma série de medidas "pró-investidores". Elas incluem uma venda em liquidação de empresas do setor público, uma reforma pró-agroinvestidores das leis agrícolas e mudanças nas leis trabalhistas para expandir ainda mais os emprego precários, dar poder aos grandes empresários para despedir livremente os trabalhadores e proibir a maioria das greves.

Ao mesmo tempo, o governo do BJP integrou ainda mais a Índia aos esforços de guerra do imperialismo americano contra a China, através do Quad (Diálogo de Segurança Quadrilateral) dirigido pelos EUA, e uma rede crescente de laços estratégicos bilaterais e trilaterais com os principais aliados de Washington na Ásia-Pacífico, o Japão e a Austrália. Isso serve tanto para fortalecer o controle da elite capitalista indiana sobre a classe trabalhadora quanto para perseguir suas próprias ambições de poder.

Essas investidas na guera de classes, assim como a tentativa do governo Modi de promover o comunalismo para dividir a classe trabalhadora estão deparando-se com uma oposição de massas. Greves e protestos irromperam por todo o país contra a aceleração do trabalho, os salários miseráveis e a falta de EPIs (equipamento de proteção individual). Dezenas de milhões se juntaram a uma greve nacional de um dia no último 26 de novembro para se oporem às reformas pró-investidores do governo e exigir auxílio emergencial para as centenas de milhões de pessoas cuja renda foi cortada pela pandemia. E, nos últimos cinco meses, centenas de milhares de agricultores permaneceram acampados na periferia de Déli para exigir a revogação das leis agrícolas de Modi.

Mas como em toda parte, o esforço da classe trabalhadora para afirmar seus interesses de classe é imediatamente bloqueado pelas organizações que afirmam falar em seu nome: os sindicatos pró capitalistas e os partidos de esquerda do establishment. Sob as condições do estouro da maior crise do capitalismo mundial desde a Grande Depressão dos anos 1930, os dois partidos stalinistas – o Partido Comunista da Índia (Marxista) e o Partido Comunista da Índia – cimentaram sua aliança política com o Partido do Congresso. Sendo o tradicional partido governante da burguesia indiana, o Partido do Congresso concentrou boa parte de seus ataques a Modi no ano passado sobre a alegação de que ele "pega leve com a China".

A pandemia revelou categoricamente a total incompatibilidade do sistema de lucro capitalista e os interesses de classe mesquinhos da burguesia com as necessidades mais essenciais da sociedade. Ao mesmo tempo, exacerbou todas os males que têm caracterizado cada vez mais o capitalismo durante décadas – desigualdade social sempre crescente, intensificação dos conflitos interimperialistas e a rivalidade entre grandes poderes, o colapso da democracia burguesa e o cultivo de forças fascistas e de extrema-direita pela classe dominante.

A pandemia é uma crise global que só pode ser controlada através da ação independente coordenada da classe trabalhadora internacional para impor as medidas de saúde pública e assegurar o apoio social necessário para proteger a vida e a subsistência dos trabalhadores em todo o mundo.

Da mesma forma, os esforços dos trabalhadores para defender seus direitos sociais e democráticos e opor-se à guerra e à reação imperialista é uma luta global que requer a construção de novas organizações de massa. Contra as empresas transnacionais, os governos capitalistas rivais e as alianças comerciais e militares através das quais eles buscam avançar suas ambições globais predatórias, a classe trabalhadora deve erguer uma luta comum e coordenada com base em um programa internacionalista socialista.

É com o objetivo de desenvolver tal movimento global inspirado pelas grandes ideias libertadoras de Marx, Engels, Lenin e Trotsky que o World Socialist Web Site e o Comitê Internacional da Quarta Internacional estão realizando o evento online do Dia do Trabalhador no sábado, 1º de maio, "Um ano do coronavírus: da pandemia global à luta de classes global". Convocamos os trabalhadores, jovens e simpatizantes do socialismo na Índia e em todo o mundo para participarem do evento.

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